Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Extra

A história do homem que se tornou uma lenda antes da morte

É uma noite sombria, as nuvens escuras cobrem a lua e tudo que qualquer um pode ver é apenas o céu negro sobre seus olhares. Em uma cidade afastada do castelo, uma jovem garota corre desesperada com as roupas rasgadas e cobertas de sangue. Homens a perseguem com lanças e espadas.

Ela grita por socorro, mas não há ninguém por perto. Porque teria? O país está em guerra contra o exército sombrio, liderados pelo deus da ruína, Delgron, não há ninguém louco o bastante para se arriscar. O brilho das chamas espalhadas pelas casas iluminam os corpos dilacerados de pessoas inocentes jogadas no caminho. Homens, mulheres, crianças — ninguém escapa ileso do exército sombrio.

Além do castelo, mais ao norte da muralha que rodeia o reino de Yuhai, o som de milhares de espadas é escutado no reino inteiro. Dois exércitos se enfrentam, corpos que são pisoteados de cadáveres, o grito de desespero de alguns dos homens tendo seus membros dilacerados, queimados. O medo estampado no rosto do exército de Yuhai é perceptível a todos, exceto pela presença de um homem.

Ele brande uma katana média preta com o dorso vermelho, com um sobretudo preto e uma camiseta branca manchada de sangue. Por onde quer que empunhe a katana, uma pilha de corpos é feita facilmente. Com seus olhos e cabelos negros como essa noite o tormam a própria morte em pessoa para os inimigos em frente, e para seus aliados de Yuhai, a imagem de um deus da guerra em ascensão o tornam a única esperança deles.

Nas colinas à frente, cinco pessoas com mantos e cajados de madeiras surgem, com sorrisos cínicos e olhares sanguinários. 

Sobre o céu que estás, ó grande deus da ruína. — Recitam, chamando a atenção dos soldados. — Dê-nos forças para destruir aqueles que entram em seu caminho e ousa se opor a sua grandiosidade. — Os cajados são levados acima do corpo. — DESTRUIÇÃO CATASTRÓFICA!

Um símbolo negro gigantesco surge no céu. Enormes pedras cobertas em chamas começam a aparecer. Os soldados, alguns se ajoelham, outros largam as espadas no campo de batalha devastado, mas todos eles possuem algo em comum estampado em seus rostos, o desespero.

Ninguém mais ouve o barulho das espadas batendo uma contra a outra, apenas o som de passos, lentos e suaves que tira a atenção dos homens das pedras em chamas que caem do céu para o homem de preto. O olhar dele ainda está firme como uma rocha sobre a água. Ele se inclina, segurando a katana com firmeza, olha para o céu e sorri. Todos ficam confusos. Estão perdendo, vários de seus companheiros morreram, essa batalha está perdida e todos irão morrer agora, como este homem pode sorrir em um momento como esse?

Ao redor do castelo tudo está em ruína, não há mais nenhuma vegetação, apenas escombros e o solo devastado, com vários cadáveres estraçalhados esparramados.

As rochas em chamas se aproximam constantemente em alta velocidade, mas isso não amedronta o homem. A pressão e força que usa para se jogar para cima afunda o chão. Seus olhos abrem gradualmente, raios saem da espada enquanto a desembainha lentamente, e vai tomando posse do seu corpo. Os soldados olham admirados, reacendendo um pingo de esperança neles.

Ele pula em direção às rochas como um raio atinge o solo, movimenta a katana partindo a primeira ao meio e usa de impulso para ir em direção a outra. Assim faz com as outras, partindo todas ao meio, um espetáculo de estrondos e luzes azuis de quem o via do chão. Ele cai exausto, não possui mais força para continuar em pé, mas assim o faz. O exército sombrio agora sabe que aquele homem é alguém para se temer, e agora eles o temem. 

— Então… grande deus da ruína. — Ele aponta a espada para um homem de cabelos cinzas, olhos negros repletos de surpresa, com uma espada na cintura presa a armadura acinzentada, montado em um cavalo negro. — Está com medo? Fica se escondendo atrás dos seus homens, os vendo morrer… Está esperando algum milagre em que eu caia morto para avançar?

Milagre, essa é a palavra que mais passou na cabeça dos soldados de Yuhai. Uma piada, que só teve graça para Delgron que esbanja um sorriso de canto.

— Você cumpre com as expectativas. — Delgron desce do animal, e caminha alguns passos. — Me diga, qual o seu nome?

— Arial… — Uma pausa momentânea é dada, ao olhar para trás e ver o rosto dos soldados sobreviventes impregnados de medo, a raiva e fúria tomam os olhos dele. — Arial Blake. 

— É uma peça rara, Arial Blake. — Delgron abre os braços de forma receptiva. — O que me diz, junte-se a mim e pouparei sua vida e da sua família. Poderá me servir como meu braço direito…

— Vamos parar com a palhaçada. — Arial o interrompe. — Essa seria uma oferta muito tentadora. — Crava a ponta da katana no chão, retira as mangas rasgadas do sobretudo e pega a espada novamente. — Se os seus homens já não tivessem os matado na invasão a Malak alguns anos atrás. 

— Que notícia trágica. — O tom sarcástico irrita Arial. — Se você não pode ser meu… — O som do metal da espada saindo da bainha entra pelos ouvidos de todos como uma canção da morte. — O que resta é apenas me livrar de você.

Ambos começam a dar passos lentos em direção um ao outro, aumentando a velocidade a cada passo até desaparecerem e surgirem de frente um do outro chocando suas espadas, Os movimentos são rápidos, rápidos o bastante para nenhum humano normal conseguir acompanhar.

Chamas envolvem a espada de Delgron enquanto raios envolvem a katana de Arial, dando vida a um confronto épico. Arial utiliza suas habilidades com a katana, bem como socos e chutes poderosos, para tentar desferir golpes devastadores sobre o inimigo implacável em sua frente.Cada ataque é dado com precisão e força, tornando o embate ainda mais intenso.

Os dois se separam momentaneamente, cada um buscando uma estratégia para vencer a batalha. Arial inspira profundamente, sua respiração pesada, e se prepara para o próximo ataque. Delgron, por sua vez, estende o braço e uma esfera negra gigante se forma na palma da sua mão, lançando-a em direção a Arial.

Sem tempo para reagir, Arial empunha a katana na frente do corpo e é atingido pela esfera negra, que o empurra para trás com um impacto violento. Usando a força que lhe resta, desvia o ataque e joga a esfera negra para longe. Ela colide com uma montanha próxima, causando uma enorme explosão que ilumina o horizonte.

A katana se parte por não aguentar todo o impacto, criando rachaduras que se expandem rapidamente até que a lâmina se quebra por completo. O suor frio escorre pelo rosto de Arial, a respiração ofegante e o coração pulsando forte, como se quisesse sair pela boca. Ele sabe que essa é a última chance. Mas antes que possa se recuperar, uma dor intensa queima em seu peito. Delgron já está em cima dele, segurando a espada enfiada em seu corpo, com o sorriso sádico no rosto.

Foi apenas um deslize, um erro que custou caro —  cansaço, talvez, ou excesso de confiança. Com a mente turva, ele se questiona: "Eu vou morrer?" Mas antes que o restante de sua força se esvai, uma lança de raios de pura energia surge na mão de Arial, com faíscas se moldando em sua superfície reluzente. Com um gesto rápido, ele segura a nuca de Delgron e aproxima seu rosto. Os olhos dos dois se encontram, e a surpresa de Delgron aumenta, emanando um sorriso aberto.

Em um único movimento, a lança é enfiada no peito de Delgron, e sua corrente elétrica o eletrocuta de dentro para fora. Sangue escorre da boca dele, mas o sorriso aberto ainda permanece.

A cena é ao mesmo tempo brutal e fascinante, como uma dança mortal de energia. A expressão de Delgron denota tanto a dor quanto a admiração pela habilidade de Arial. Sua lança, tão mortal quanto bela, é uma obra de arte que marca o fim de uma vida. O fim de Arial Blake.

O corpo de Arial cai lentamente, e enquanto cai, observa o sorriso disfarçado de Delgron. O tempo parece se arrastar, enquanto a vida escorre de seu corpo. É como se estivesse dentro do oceano, afundando cada vez mais e sendo esmagado pela pressão. Uma única gota de chuva pinga no chão, solitária, se tornando em um condensado com outras. E ali entenderam: até o céu está chorando por esta perda. 

— Formidável — diz Delgron, enquanto leva sua mão ao rosto para limpar o sangue da bochecha, surpreso. — Pensar que seria capaz de me ferir… — Leva a mão ao peito, sentindo o sangue escorrer entre os dedos.

— Acredito… — fala com dificuldade. — Que foi o suficiente. — Ele sorri de forma desgastante.

Nesse momento, um homem cai sobre o céu entre Arial e Delgron, fazendo-o se afastar do corpo caído no chão, perdendo a vida aos poucos. A armadura dourada reluz, mesmo sem sol ou lua, com o cabelo vermelho molhado, dando o tom de um vermelho sangue, segurando um enorme machado, é Damari. 

— Nos desculpe pelo atraso. — Ele apoia o machado com força no chão. Aguentou bem, deixe o resto com a gente.

Os soldados que ainda lutam ouvem barulhos de cascos de cavalos, então olham para trás e enxergam um pouco distante cinco bandeiras de cores e símbolos diferentes. São as cinco grandes nações do mundo que se uniram para pôr um fim no deus da ruína. Um homem montado em um cavalo marrom, também com uma armadura dourada e uma foice nas costas, se destaca diante dos guerreiros das cinco nações, é Rahjin.

— Guerreiros — fala o homem com um tom forte e decidido. — Hoje, aqui e agora, iremos pôr um fim nesse desgraçado e nessa maldita guerra! Vocês não têm permissão para recuar, matem cada um deles, e se morrerem, levantem-se e matem o inimigo! Executem cada um deles. Guerreiros, avancem para a batalha! — Com um gesto determinado, retira a foice das costas e grita, instigando seus companheiros a seguirem em frente.

A cena é intensa e emocionante, com o som dos cascos ecoando no chão. Gritos de guerra são ouvidos por todos no campo de batalha. Aqueles que tinham perdido as esperanças se reerguem e levantam suas espadas.

— POR YUHAI! — O grito de um soldado ecoa pelo campo de batalha, inspirando os companheiros a seguirem o exemplo. Em um efeito dominó emocionante, a onda de gritos se espalha, tomando forma e atingindo cada soldado, tomando uma só forma.

Uma figura majestosa, com armadura dourada e asas imponentes, desce do céu e se junta a Arial. É Freya, a lendária guerreira e mais entre os três escudos de Yuhai, conhecida por sua força e habilidades inigualáveis. Com um gesto suave, coloca a mão no ferimento, avaliando a extensão dos danos com cuidado. 

— Você aguentou bem — diz Freya, os olhos brilham com admiração e preocupação. — Mas precisamos de um curandeiro imediatamente. Vou garantir que você seja levado para receber ajuda o mais rápido possível. — Os olhos dela marejam. Ela sabe. Ela sabe que esse é o fim do grande amor da sua vida.

A batalha é feroz e implacável, com ambos os exércitos lutando com garras e dentes. No entanto, a maré da guerra começa a virar a favor dos defensores de Yuhai. O deus da ruína é forte e quase intocável, mas a ferida que Arial infligiu em seu peito lhe deu uma grande desvantagem, e Rahjin e Damari se aproveitam dessa brecha.

Freya permanece ao lado de Arial, ajudando-o a chegar até um mago curandeiro. Ela sabe que a ferida é grave e que ele está lutando para se manter consciente. Enquanto o mago trabalha para curar a ferida de Arial, Freya olha para o campo de batalha, vendo o exército inimigo se dispersar e recuar.

Ouvindo o grito assustador de Rahjin, Freya sente uma angústia se apoderando dela. A imagem do rosto desesperado de Rahjin, com a cabeça nas mãos de Delgron, separada do corpo dele, a faz sentir ainda mais raiva. Ao ver Damari tentando estancar o sangue do braço esquerdo que foi arrancado, sua fúria só aumenta. Ela se lança para cima de Delgron, desferindo um soco que o faz ajoelhar-se. Está ferido, o bastante para apenas um soco com toda a força dela ser o bastante para deixá-lo no chão. Em seguida, avista a foice de Rahjin jogada e a pega, olhando profundamente nos olhos de Delgron. Ele ainda está sorrindo.

— Nenhum de vocês… Quanto Arial Blake… — Delgron diz com dificuldade, o sangue escorrendo de sua boca.

As palavras não fazem efeito em Freya, que já está cheia de fúria. Com um golpe violento, ela enfia a lança em sua pele, fazendo a cabeça dele voar. E, por ironia do destino, cai ao lado da cabeça de Rahjin. Freya olha para ela e a foice ao lado, sentindo a tristeza invadir seu coração. A batalha custou muitas vidas, mas finalmente o exército sombrio foi derrotado.

Arial permanece em devaneios, consciente apesar do ferimento fatal que sofreu. Todos os soldados se reúnem ao seu redor, juntamente com Freya e Damari. Em seguida, surgem cinco pessoas, três homens e duas mulheres — os líderes das grandes nações. Eles se ajoelham diante de Arial, em gesto de respeito e homenagem. Em resposta, todos os soldados seguem o exemplo dos reis e rainhas e também se ajoelham.

— Você foi um grande guerreiro, talvez, o maior que qualquer um aqui já viu. Jamais esqueceremos seu sacrifício pela humanidade. Garantiremos que o seu nome jamais seja esquecido enquanto este mundo existir — diz uma das rainhas.

A chuva ainda cai forte, uma batalha duradoura chegou ao fim essa noite. Muitas vidas foram perdidas. Durante décadas, o exército sombrio amedrontava a todos. Arial e Freya, foram vítimas desse mesmo exército. Então, uma vaga lembrança passa pela cabeça de Freya, de quando Arial falava da sua morte, queria morrer com honra, e que o feito, fizessem os soldados, reis e rainhas cantarem a antiga canção, cantada apenas para aqueles reconhecidos como uma lenda.

O sangue…  derramado pela liberdade e paz. — Entoa um soldado, enquanto sua voz ressoa pelos campos. — E os guerreiros que lutaram nunca nos esqueceremos jamais. — Ele para por um momento, dando espaço para outra voz se juntar a canção. — . Reis e rainhas… — Entoam em uma frase longa e emocionante. — Se curvam em respeito ao seu sacrifício. — O som de espadas sendo sacadas cria uma melodia única enquanto outro efeito dominó se espalha entre os soldados. — Erguemos nossa espada, em homenagem ao seu feito… E cantamos esta canção, em louvor ao seu legado. 

Sua alma descansa agora nos braços das divindades, mas sua história viverá por toda eternidade. — Ecoa um coro de vozes, algumas lentas e outras rápidas. — Ele lutou com bravura, enfrentando a escuridão… E mesmo quando tudo parecia perdido, ele não hesitou. — Todos os olhares se voltam para o céu, onde as nuvens se dissipam e a chuva diminui, revelando um céu estrelado. — Que as estrelas brilhem mais forte, em homenagem a teu nome — cantam eles. — E que os deuses celestiais te recebam em seus braços. — Há uma pausa momentânea antes que continuem. — Pois é uma lenda e um símbolo da coragem, e tua memória será eterna, e celebremos tua história, como uma lenda lendária. 

O lugar volta ao silêncio, interrompido apenas pelo choro e fincadas de espadas no chão. Freya se senta na lama e coloca a cabeça de Arial em seu colo, encarando a cabeça de Rahjin ao longe. Ela começa a chorar em silêncio, mas seus esforços para impedir são em vão.

— Me desculpe… Freya — diz Arial com dificuldade. E essa foi a última vez que Freya escutou sua voz.



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