Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 9

Arkus

É impressionante como as coisas são. Um dia você é um velho rabugento, e no outro descobre ter um descendente e fica super preocupado. Uma criança Drakhar…?! Jamais pensei que ouviria algo assim, não depois daquela maldição que ele jogou sobre nós. Escuto passos vindo de um lado para o outro, isso me incomoda.

— Entre logo!

— Sim, senhor — fala uma voz aflita.

A maçaneta se mexe e uma empregada entra me reverenciando. Cabelos curtos amarronzados e olhos castanhos gentis. Consigo ver sua aflição, ela mexe as mãos, apertando-as, ansiosa.

— O que foi?

— Uma mensagem chegou para o rei Drake, Arlo cuidou do acampamento bárbaro, meu senhor.

— Algum sobrevivente?

— Ainda não foi informado, mas a notícia é de que… — Ela dá uma leve pausa, desviando os olhos dos meus.

— Huum…, diz tudo de uma vez, mulher.

— A notícia é que todo o acampamento bárbaro sumiu do mapa.

Como? Todo acampamento? Isso ao menos é possível? Semicerro os olhos, a vontade de correr diretamente para lá me corrói, e sinto um nervosismo me tomar de dentro para fora. O vento bate na janela e as flores do jardim balançam.

— Espero que ao menos você esteja entre eles, garoto — murmuro para mim mesmo.

Arlo

A gritaria ressoa em meus ouvidos como uma canção assustadora de Cailean, o antigo bardo que cantou as histórias do grande herói. Os paramédicos enfaixam, amputam e cuidam de vários homens feridos que conseguiram escapar por pouco da explosão. São sete ao todo, contando com o garoto.

Ele ainda está inconsciente, parado feito uma estátua. Ele irá acordar? Será que seus ferimentos não são muito graves? Quero respostas de quem realmente é esta criança. Em nenhum momento fraquejou perante as ameaças de Kalahar, ou até mesmo desistiu de viver uma vida comum para tentar se tornar um selvagem. Tenho certeza de que qualquer pessoa adulta em sua situação não teria pensado duas vezes.

Naquele dia, quando ele acordou, senti algo, como um resquício de mana o rodeando. O que era aquilo? Só sei que toda vez que eu percebia, meus olhos estavam direcionados para ele. Eu o observava a cada momento naquela carroça velha e, assim que chegamos ao acampamento e Kalahar o chamou para a tenda, pensei que seria morto, mas foi o contrário.

Ele saiu puto da vida da tenda, e ainda assim continuava o olhando nos olhos. Isso me surpreendeu e, quando me dei conta, minha atenção estava toda nele.

— Mestre Arlo. — Escuto uma voz. — Quem é esse garoto?

É Agnes, minha pequena e única discípula. Ela é uma garota na tenra idade dos dez anos, cabelos um pouco compridos, loiros, amarrados em um coque simples. Olhos da cor violeta, com um corpo pequeno. Veste uma roupa de couro por baixo de um pequeno peitoral de metal.

— Isso é o que quero descobrir — falo, observando os cabelos negros da criança. — Me dê um copo com água.

Ela rapidamente pega um copo. Ergo um pouco a cabeça do garoto e tento fazê-lo beber um pouco.

— Ele está em uma péssima situação… até parece que…

— Está sem comer ou beber água durante vários dias?

— Não me diga que…

— Não sei dizer como ainda pode estar vivo.

— Mestre… será possível que… — Agnes leva a mão em cima do abdômen da criança. — Você sabe…

— Isso não seria possível. — Minhas sobrancelhas franzem. — Mesmo que fosse… Haaah, esquece. É muito improvável.

Mesmo dizendo isso, ainda não tenho confirmação de nada. Crianças normais despertam aos nove anos, os verdadeiros gênios despertam aos sete… O que é este garoto que não aparenta nem mesmo ter seis anos? Isso destruiria as relações imperiais de Dream com os outros. Os clãs antigos, junto das cinco famílias, não aceitariam qualquer explicação. E ainda tem Rosorga e Oredhel, eles seriam um pouco mais complicados. Espero que essa suspeita não passe disso. Mesmo assim, àquela hora, antes da explosão, ele gritou algo...

Os soldados admiram a enorme cratera à nossa frente. No meio do nosso refúgio, há uma grande pedra de cristal de mana formando uma barreira, nos protegendo da chuva densa e dos ventos fortes do lado de fora. O dia se passa e a noite quase se acaba até que vejo, por um milésimo de segundo, o dedo da criança se mexer. Não saio de seu lado nem por um segundo, apenas espero ansiosamente para que acorde logo.

Luke

Estou parado no pé de uma montanha ouvindo o som dos pássaros e sentindo o vento em meu rosto, uma leve brisa harmoniosa que bate em minha pele.

— Arial… — uma voz doce me chama, afastando-me de pensamentos mórbidos.

Viro o rosto para trás e uma mulher está parada à minha frente, com seus lindos cabelos loiros balançando ao vento, e o brilho dos olhos verdes reflete meu reflexo. Minha expressão fraca some após ver seu sorriso.

— O que está fazendo aqui, Freya?

— Vim ver como estava. — Ela se aproxima, fica ao meu lado e olha através do horizonte o pôr do sol, enquanto o tom de sua voz se transforma numa dolorosa melancolia. — Fiquei preocupada por causa do que aconteceu…, sei que ele era como um irmão para você.

— Pessoas morrem em uma guerra. Não seria diferente com ele, só que… — Cerro os punhos e desvio o olhar.

— Está tudo bem... — Ela abre um pequeno sorriso, pondo a mão no meu ombro. — Está tudo bem chorar.

— Chorar não vai resolver nada...

— Não choramos para resolver algo. — Freya me abraça, encostando a cabeça nas minhas costas. — Choramos porque dói.

Posso dizer claramente que ela sente meus ombros tremerem e ouve minha voz soluçar enquanto falo algumas palavras para tentar esquecer. Ela me aperta mais forte quando uma gota d’água cai em sua mão. Enquanto choro, ranjo meus dentes tentando ficar de pé, forçando meu corpo a não cair de joelhos no chão.

Um barulho ressoa por meus ouvidos nitidamente, olho ao redor e novamente escuto o som dos pássaros.

Piu-piu-tiu-tiu!

Abro meus olhos lentamente, dói, parece que estão pregados com algum tipo de cola. A luminosidade começa a invadir minha íris, e ainda escuto o canto alegre dos pássaros.

— Ei, ajude aqui. — Ouço uma voz aguda ao meu lado.

Parece cansado, a voz é trêmula, porém firme ao mesmo tempo. Sinto meu corpo se elevar para cima, parece que estão me sentando contra minha própria vontade. Uma mão se estende na minha frente, é a primeira coisa que vejo. Logo em seguida, pequenas folhas verdes caem ao meu lado.

— Beba devagar se não quiser engasgar — fala uma voz gentil.

Sinto um líquido molhar minha boca, é água. Tento beber depressa, a sede que me consome é desagradável.

— Beba devagar se não quiser engasgar — repete. Que voz linda, tenho certeza de que é uma garota.

— Poderia não expressar um rosto feliz enquanto cuida de uma criança quase morta? — Escuto novamente a voz firme dando um sermão na garota.

Ainda está embaçado, quem são essas pessoas? Onde estou? O acampamento foi destruído? Acredito que tenha sido, senão eu não estaria recebendo o que beber.

— Mas…, olha só pra ele… — vejo uma garota de cabelos loiros me encarando de cima —, ele é tão pequenininho, dá vontade de apertá-lo até explodir. — Seus braços se movem como cobras, querendo me abraçar.

Não faça isso, meus ossos irão quebrar! Quem é essa maluca?

— Você é estranha.

— Isso doeu, mestre.

Estou exausto, não consigo nem mesmo pronunciar uma única palavra. Quando tento falar, minha garganta se contorce e sinto como se ela fosse rasgar. Movo o rosto para os lados e tudo que vejo são árvores. À nossa frente, há uma enorme cratera que provavelmente foi causada por mim. Por um momento pensei que morreria junto com aquele pedaço de merda.

— O que foi? — A voz grossa do homem me faz voltar a atenção rapidamente para ele. Lembro que gritaram o nome dele em toda aquela algazarra… Ar… lo?! Era esse o nome dele?

— Deve estar assustado com você, tu parece um bix…

A mão dele se eleva com os punhos fechados e vai de encontro à cabeça da garota. Isso faz com que escape um dos meus pequenos sorrisos. Contudo, essa menina me lembra ela, como pode ser tão parecida com Freya? Se algo é diferente, eu diria que seriam apenas os olhos violetas.

(...)

Já faz dois dias que acordei e o tempo está mais calmo. Estamos nos mantendo à base de ração de guerra. O gosto disso é horrível. Graças à minha recuperação de mana estar fluindo bem, consigo andar tranquilamente por alguns lados. A situação é pior do que eu pensava. Apenas sete sobreviventes, e não sei dizer se vão aguentar até o fim.

Fly está em condições graves, nem andar o velho consegue. Os magos curandeiros dizem ser incapazes de fazer algo a mais por ele, tudo que podemos fazer é esperar a recuperação natural. É claro que isso não nos fará chegar a lugar algum, mas… quero acreditar que ele sobreviverá.

Aquele Arlo continua me encarando, será que descobriu que sou uma criança despertada? Ou talvez possa estar apenas desconfiado. Pensar nisso não me levará a lugar algum. A barreira à nossa volta está sendo desfeita, desaparecendo junto ao vento, e o cristal começa a se transformar em pó na minha frente.

— Escutem todos. Vamos levantar o acampamento — Arlo se pronuncia.

 Os soldados começam a se mexer, desmontando os panos, retirando os pregos do chão e arrumando algumas bandagens para levarem. Um deles constrói uma maca com galhos de árvores velhas para Fly. Meia hora depois, começamos a nos mover.

O que mais me incomoda é o olhar ardiloso desse cara em cima de mim a todo momento. E essa garota? Ela me persegue a cada canto que vou. Seus olhos brilham sempre que a olho. Ela é doida? Isso está me dando dor de cabeça.

Sigo os soldados que carregam Fly na maca, e a garota — lembro que aquele cara a chamou de Agnes?! Bem, não importa — não para de me encarar. Eu irei… Eu irei… Haaah, não posso fazer absolutamente nada no meu estado atual. Ouço os passos saltitantes dela se aproximarem ainda mais. Ela me para por um instante com uma garrafa de água na mão.

— Beba. Vai ser bom para você se recuperar melhor — diz. O sorriso de satisfação estampado em seu rosto é mais brilhante que a luz do sol.

— Obrigado. — Tomo um pouco e dou o restante para Fly, que custa engolir até mesmo um gole.

— Por que ele é tão frio? — Escuto o murmúrio de Agnes.

— Talvez esteja com medo de você?! — responde Arlo, com um sorriso de canto.

— Já disse que te odeio?

— Várias vezes.

— Rum.

Esses dois são uma peça completa. Enquanto andamos rumo a Dream, nos deparamos com lobos, ursos e alguns bandidos que são bastante corajosos. Alguns sobreviventes gritam de medo, mas fico quieto, observando os soldados darem conta do recado. É claro, Arlo ainda me encara. Mesmo agora, enquanto estou parado na frente dessa fogueira, consigo perceber suas olhadas de canto.

Está tão frio que sinto meus dedos congelarem mesmo estando do lado da fogueira, e toda vez que respiro, uma fumaça branca sai da boca, até parece que estou fumando. Agora que paro para pensar, não vejo nenhum soldado perto, suas roupas embaixo das armaduras devem ser quentes. Deitado na copa de uma árvore está Arlo, ainda me encarando desconfiado. Tsc, que situação desconfortável.

Bom, acho que vou conversar com aquele esquisito.

— Ei, general — falo, puxando a ponta do manto marrom que usa.

— Hum? — Ele semicerra os olhos, me olhando de canto. — O que foi?

— Quero seu manto. — Me prostro à sua frente. — Você é um mago de fogo, não precisa dele.

— Olha só, garoto, não é bem assim que as coisas funcionam…

Parece incomodado comigo o encarando nos olhos, ninguém nunca gostou que eu o fizesse, apenas Lúcia nunca desviou o olhar. Seria por causa da cor vermelha que eles emitem no escuro? Perguntarei para alguém um dia.

Arlo fixa os olhos em mim por alguns instantes, aparenta se sentir desconfortável, e desvia o olhar novamente, encarando o chão.

— Tudo bem. — Retira o manto e entrega em minhas mãos pequenas. — Céus, está congelando por acaso? Suas mãos estão mais geladas que as margens do rio Morinlams.

— Estou bem, isso não é para mim.

Saio de perto dele e vou até o velho Fly. Peço para que alguns soldados me ajudem a colocá-lo ao lado da fogueira. Jogo o manto por cima dele e vejo suas tremedeiras amenizarem ao menos um pouco.

Puxo um pedaço de madeira e me sento ao lado dele, em frente à enorme fogueira. Está quente e frio ao mesmo tempo. Eu poderia facilmente entrar dentro desse fogo e ainda não seria quente o suficiente, porém essa sensação me parece familiar. É como receber um abraço de uma pessoa querida e importante. Esse calor batendo na pele me lembra seus abraços, Lúcia.

— Te peguei.

Sinto um aperto por trás.

— Que diabos é… ah, é você?!

— Que maldade, hein. — Agnes faz biquinho. — Primeiro você me ignora; depois, tem essa reação fraca mesmo com tudo que a irmãzona aqui fazendo por você. Por que é tão cruel? — Quem diabos é a irmãzona? Se for olhar por lados místicos, sou mais velho que você… — Que seja, vou ficar abraçada com você por causa do frio. Nem pense em dizer que não aceita. Agora que te peguei, não vou soltar até amanhã, hunf.

— Que seja… — Um sorriso escapa.

— AH! Você sorriu, não foi?

— Imaginação sua.

— Não, não. Tenho certeza que você sorriu…

 


 

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