Volume 1
Capítulo 7
Darkeyes Brastho
A notícia do ataque percorreu todo o império. Nunca pensei que os bárbaros ousariam atacar em busca de escravos. Olhe para toda essa gente… desesperada e com medo, aonde fomos chegar… inúmeras pessoas estão na porta do grande castelo de Dream, do rei Drake, pedindo e clamando por uma audiência.
A fila perto do portão se abre ao ver o símbolo da família Brastho, a cabeça de um lobo negro em volta de uma lua crescente. Eles são a segunda família com mais influência por todo o continente de Kraykro, mas representam na maioria das pessoas apenas o medo, assim como o lobo.
Ao descer da carruagem, observo uma multidão aglomerada, repleta de raiva, medo e insegurança. Diante de mim, a imensa porta emite um ruído estrondoso e começa a se abrir lentamente, revelando uma pequena parte da sala do trono.
Os cidadãos se exaltam e correm, derrubando uns aos outros. Puxo uma criança para perto impedindo que se machuque.
— Não deveria estar com sua mãe? — pergunto, vendo o medo nos olhos do pequeno.
Ele não consegue falar nada, apenas começa a correr na direção oposta à do castelo. Consigo ouvir murmúrios dentro do salão do trono, homens e mulheres falando em uníssono, impossibilitando de entender uma única frase.
Ao entrar, vejo uma fileira de soldados em pé, segurando o cabo de suas espadas e encarando cada um dos cidadãos. O tapete vermelho segue os pés de uma única pessoa, sentada em um trono de ouro. Nos braços do móvel, há pequenas cabeças de leões esculpidas com olhos de rubis vermelhos. Vagamente consigo ver o encosto do trono, com esculturas do próprio castelo desenhadas detalhadamente.
Sentado ali, há um homem nos olhando com indiferença, com uma túnica vermelha e uma coroa feita de aço drakhax, derretido com as chamas do dragão-rei centenas de anos atrás. As pérolas brilhantes de prata na parte inferior representam os nobres, enquanto as de ouro na parte superior indicam os reis, demonstrando que estão acima de qualquer hierarquia deste continente. Os cabelos castanhos ondulados, olhos verdes e uma pele clara nos encara por todo o salão. Ao seu lado, há uma criança com as mesmas características do pai.
Atrás dele, consigo ver uma enorme janela dando vista a uma das maiores geleiras a oeste de Dream. Ele ergue uma das mãos e os murmúrios param quase que no mesmo instante.
— Meus súditos, o que é toda essa algazarra?
— Drake. — Eu me aproximo devagar, consigo ver os soldados tremerem por um instante e solto um sorriso de canto.
— Diga, Darkeyes, da família Brastho.
— Os bárbaros…
— Insolente! Ajoelhe-se na presença de Vossa Majestade! — grita seu conselheiro.
Ele é um velho de barba longa e branca, uma testa franzida e rugas pelo rosto.
— Acho que se esqueceu, Noran. — Eu o encaro. — Lacsara Tryger, primeiro regente do trono de ouro, criou a lei absoluta de que os Brastho não necessitam se ajoelhar na presença do rei. — Meu sorriso se transforma em um olhar ameaçador. — Já se esqueceu do motivo de os Tryger se sentarem no trono nos dias de hoje?
— Seu insolente! Como ousa mencionar tais leis tão antiquadas realizadas no passado?
— Ora, sendo assim… — dou um passo à frente, mantendo o olhar sério e olhando diretamente nos olhos do velho —, não há motivos para Drake Tryger estar sentado neste trono, já que é por causa da escolha de meu antepassado, Ardroy Brastho, que Lacsara se tornou rei de Dream.
— Tsc…
Drake ergue a mão novamente, dando um sorriso de lado. Ele se levanta e vem até mim com os braços abertos.
— Você não muda mesmo, Darkeyes.
— Digo o mesmo, velho amigo.
Nos abraçamos e, por um momento, percebo o descontentamento do conselheiro. A lei mais absoluta que a família real segue desde a abdicação do trono de ouro por Lacsara é a que impede qualquer membro da minha família de se ajoelhar para os Tryger.
— Então, o que a Lâmina do Orgulho faz aqui depois de todos estes anos?
— Este é um dos motivos da minha visita. — Observo todas as pessoas no salão do trono. — Os bárbaros invadiram uma periferia localizada na cidade de Hynder.
— O quê? — Ele franze uma das sobrancelhas. — Isso é mesmo verdade?
— Infelizmente sim. — Consigo perceber o olhar preocupado de Drake. A respiração dele fica mais pesada a cada segundo. — Muitas mortes foram confirmadas pelos soldados. Algumas crianças, mulheres e homens foram levados, agora para onde não dá para saber.
— Que tragédia. — Drake leva a mão ao rosto, enxugando o suor que escorre pela testa. — Hynder... a família Rolfred não está encarregada de proteger este lado do império?
— Os Rolfred não se envolvem com as pessoas da periferia, deveria saber disso.
Drake solta um enorme suspiro. Eles só se importam com fama e poder, não é de se impressionar que Mikhan deserdou o nome da própria família para se tornar um general do império.
— Espere um segundo… — O rei fica de frente para o povo. — Iremos resolver esta situação o mais rápido possível, não podemos deixar isto simplesmente passar. Voltem para suas casas. Em nome da família Tryger, daremos um fim nos bárbaros que ousaram nos atacar no calar da noite!
Colocando a mão em meu ombro, diz para segui-lo. Andamos pelo corredor do castelo e chegamos em um enorme pátio no centro. Entramos na sala de Drake, está repleta de vinhos e whisky. Do meu lado, há um espelho mostrando meus cabelos pretos médios penteados para trás com algumas pontas caídas sobre meus olhos azuis, a barba bem feita e uma cicatriz de queimadura no olho direito.
O terno preto que uso esconde meu corpo robusto e minhas únicas duas cicatrizes, que se cruzam entre o peito e a cintura.
Penso quando foi a última vez que voltei para Dream. Fiquei vagando pelas ruínas de Nafras, o antigo lar dos dragões, buscando alguma pista de alguém que pudesse retirar a espada do centro da cidade, mas não encontrei nada.
— Sabia que, se seus olhos fossem vermelhos, te confundiriam com um Drakhar? — fala Drake, colocando um pouco de vinho em duas taças de cristais.
— A cor do meu cabelo não chega nem aos pés daqueles cabelos negros deles… — Sento-me no sofá de couro mais à frente. Pego uma das taças e aprecio o cheiro do vinho. — Um Dorminiagh de quarenta e sete anos…?! Pelo visto ainda tem bom gosto.
A textura suave e sutil desce pela garganta, um sabor adocicado e harmonioso preenche meus lábios. Observo o rei de canto, saboreando delicadamente cada gole que dá, absorvendo o aroma da bebida com um sorriso sutil esboçado.
— O que está sendo feito a respeito dos selvagens? — pergunta.
— Fui noticiado por um dos guardas que Arlo está tomando conta de tudo.
— Arlo?! — O sorriso de canto se abre e o olho se enche de brilho. — Podemos deixar tudo nas mãos dele então. Veio me ver apenas para dizer isso?
— Receio que seja muito mais do que apenas um ataque de meros selvagens que me fariam voltar aqui novamente. — Coloco a taça de cristal vazia em cima da mesa e demonstro um olhar firme e cauteloso. — Encontrei o que acredito ser um exoesqueleto de um dos quatro dragões imperiais que lutaram na grande guerra mítica ao lado dele, no subsolo de Nafras.
Drake semicerra os olhos verdes e a expressão preocupada surge em meio à dúvida que acaba de o cercar. Ele se senta na mesa, a respiração pesada, consigo senti-la daqui. Sei com o que está preocupado. Se aquilo realmente for o exoesqueleto, a família Pendragon irá querer ter monopólio dele, e irão queimá-lo. A mana concentrada nele é imensa. Se arranjarmos uma forma de absorvê-la, criaria um mago tão forte que nem mesmo os dez generais de Dream juntos conseguiriam combater.
— Tem certeza de que era um dos quatro?
— Absoluta.
O rei fica um pouco pensativo, imerso em seus pensamentos.
— Mantenha segredo. Precisamos ter esse poder em nossas mãos.
— E quanto a eles?
— Não diga nada. Escolha pessoas de confiança para pegar o exoesqueleto e trazê-lo para cá.
Depois de centenas de anos, finalmente uma das maiores lendas que já viveu em Alduin foi encontrada. Se souberem, o continente com certeza entrará em caos. A existência dos reis-demônios há muito foi esquecida, poucos sabem que eles ainda vagam por outras terras. Com os dragões imperiais, não será diferente.
— Tem mais uma coisa.
— O que foi?
— Enquanto vasculhava as ruínas, uma pessoa... não. Uma criança de aproximadamente doze anos vagava por lá.
— Como? Uma criança? Em Nafras?
— Sim, e não é só isso. Ele me atacou do nada com centenas de cristais azuis.
— Ele devia estar louco. — Drake ri. É claro que pensa isso, qualquer um no continente de Kraykro sabe quem sou e das minhas conquistas no continente Balfallne. — E então? O que aconteceu com o garoto?
— Eu não sei. Fui obrigado a recuar durante a luta...
— O... quê? — Sua expressão surpresa reflete o que pensa.
Eu só possuo quatro cicatrizes em meu corpo. Todas elas foram feitas pelo segundo Rei-Demônio Agarph, na batalha dos suicidas em Balfallne. Uma criança me fazer recuar é algo completamente novo até pra mim, que já vi de tudo ao longo dessa vida. Sou conhecido como a lâmina do orgulho por um motivo..., mas o grimório dele é diferente.
Aqueles cristais que surgiram após o garoto abrir o grimório preso à cintura o defendiam e me atacavam ao mesmo tempo, era impossível me aproximar dele.
— Ele disse ser o criador da ZERO.
— ZERO? O que é?
— Eu não sei, porém falou que em breve todos saberão da existência deles.
Luke
No acampamento, o tempo está agitado. Nuvens escuras cobrem o céu, e o vento é forte o bastante para balançar as tendas pregadas no chão. Dentro da cela, consigo escutar os gritos dos bárbaros no meio do acampamento, está acontecendo um duelo entre duas crianças.
São as duas últimas. Todas as outras que chegaram comigo haviam morrido de fome ou foram mortas sem piedade durante o combate. No duelo, a mais velha se sobressai sobre a caçula, devido aos seus membros mais fracos e pela falta de alimentação. Seus olhos estão tão pesados quanto uma rocha gigante. O garoto mais velho, com o machado nas mãos, acerta-a nas costas enquanto ela tenta correr quando vê que não há esperança de vencê-lo.
O garoto gargalha como um psicopata, seus olhos parecem saltar do rosto com tanta adrenalina.
— Confirme se realmente este fedelho está morto — manda Kalahar.
O garoto anda na direção do corpo, estica sua mão até o cabo do machado e o arranca das costas do menino. Move-se ao lado da cabeça e desce o machado ferozmente. A cabeça rola pelo chão enlameado e o sangue jorra em seu rosto.
— AAAAAAAAH! — grita em glória. — Agora com certeza está!
Observo tudo de longe, escorado nas grades. Nesse momento, minha cabeça está distante, pensando em coisas que vivenciei, pessoas que conheci e que nunca mais as verei novamente. No meio dos meus pensamentos mórbidos, a imagem dela surge através do brilho do sol.
Com o sorriso gentil e olhar atencioso, admira o vasto pôr do sol à nossa frente. O rosto tomba em meu ombro e ela segura minha mão. Consigo sentir os batimentos cardíacos através da armadura dourada. A sensação de que quero repetir aquele dia diversas vezes passa pela cabeça. Parado em um único momento do tempo, por toda eternidade, apenas para deslumbrar o lindo sorriso dela novamente.
Lembro-me de que nesse mesmo dia eu a pedi em casamento enquanto nos banhávamos nas águas claras de Kamatoll, escutando o barulho da cachoeira bater contra as pedras. Agora, tudo que ouço é o barulho da chuva se chocando contra a lama desse lugar, gritos ecoantes de medo e desespero.
— Criança… — Uma voz rouca me tira de meu transe, é o velho Fly. — Pegue e beba, é água. — Ele estende o braço pelas barras de metal com uma caneca de madeira recheada de água limpa.
— Você está doido, velho? Se te pegarem fazendo isso, vão te matar e te darão de comida para os animais da floresta. Você morrerá por nada — sussurro.
O velho sorri. Mesmo estando em más condições, ainda consegue esboçar um sorriso meigo e sincero.
— Jovem, já estou velho. Eles só adiantarão o inevitável.
Pego a caneca e bebo tão depressa que parece que a água vai cortar minha garganta. Meu lábio está seco, recheado de rachaduras e feridas, e, em minha boca, já não tem mais saliva. Observo os arredores, buscando saber se algum bárbaro o vê fazer tal burrice.
— Sou muito grato por isso, senhor Fly. Agora… vá embora antes que te vejam.
(...)
A noite chega, e o vento frio ainda continua a bater contra minha pele. Fico encolhido no canto, enquanto observo os escravos chegarem das minas e ficarem reunidos ao centro de uma fogueira. Kalahar vai ao centro, acompanhado por dois bárbaros do lado.
— Homens, amanhã nosso campeão da arena irá enfrentar aquele garoto morto ali dentro — fala Kalahar, sorrindo e erguendo os braços para o alto.
Seus homens gritam em alegria pelo enunciado feito, é mais um dia que verão sangue jorrando na arena. Consigo ver, por um breve momento, os olhos do homem de capuz me observando, cheios de temor e dúvida. Acredito que isso seja somente porque estou… sorrindo.
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