Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 5

Luke

A alegria de ter conseguido despertar meu núcleo está evidente, só não pulo pelos ares por causa da dor que sinto. Quero tomar um belo banho e tirar esse suor do corpo, deitar na minha cama e dormir por três dias seguidos. Sigo caminhando pelo breu da floresta me apoiando entre as árvores. Minha respiração? Estou quase desmaiando porque até isso é complicado.

Acho que estou muito dentro da floresta… acredito que não foi uma boa ideia. No caminho, encontro alguns cervos dormindo, coelhos entrando em suas tocas, esquilos sobre os pinheiros, e barulhos parecidos com chocalhos. Espero não encontrar nada perigoso. Nessa situação, achar até uma mísera Isnis acabaria comigo, mal consigo andar agarrado aos pinheiros, imagina tentar me defender de qualquer outra criatura.

Após algum tempo, que, sinceramente, parecem séculos, avisto o brilho de uma tocha. Finalmente estou perto de casa. Meu corpo treme, os olhos parecem os de um peixe morto. Quando chego na periferia, a primeira coisa que vejo são três crianças brincarem de pedra, papel e tesoura. Aparentemente quem perde leva um peteleco em alguma parte do corpo.

Chego em casa e, ao entrar, noto que tudo está escuro, nem mesmo uma única vela ilumina alguma parte de casa. Olho no quarto de Lúcia, na sala, cozinha e meu próprio quarto, nenhum sinal sequer. Vou até a sala e observo a lua pela janela, não está tão tarde quanto pensei.

Deito-me no chão da sala olhando para o telhado, aos poucos o sono toma minha mente, me esforço para ficar acordado, mas é em vão.

(...)

— Arial… — Escuto uma voz me chamando em meu sonho. Uma mulher está parada na minha frente, na beira de um penhasco. Com o sol reluzindo pelo rosto dela, tudo que consigo ver é o brilho dos olhos dourados que tem. — Arial… — fala a mulher novamente. — Está na hora de acordar.

Meus olhos abrem repentinamente, e ainda estou deitado no chão frio da sala, meu rosto virado para a lareira improvisada com madeiras velhas e algumas pedras. Quanto tempo se passou desde que adormeci? A janela ainda está aberta, mas a lua já está muito acima dela.

Levanto-me de um jeito desajeitado e cambaleio por uns instantes, caminho até a janela. Uma brisa fria bate em meu rosto e olho para o céu. Está tarde. Vou até o quarto de Lúcia novamente, porém ela ainda não chegou. Começo a andar em volta da periferia, a maioria dos moradores já dormiram, até que vejo uma das janelas de uma casa aberta e com a luz acesa.

É a casa da vizinha chata logo ao lado. Não olhei primeiro para essa casa porque Lúcia não tinha um relacionamento muito bom com essa mulher. Antes que eu chegue perto, ela coloca o rosto para fora.

— Ora, criança. O que faz na rua tão tarde da noite?

Está usando um pano no cabelo, com alguma coisa verde no rosto que tampa aquela enorme verruga que ela tem.

— Estou procurando minha mãe… Você a viu?

— Haah, aquela mulher? A última vez que a vi foi na direção daquela floresta. — Aponta o dedo e, surpreendentemente, foi de onde saí algum tempo atrás. — O que foi? Ela ainda não voltou? Espero que…

Espera que o quê? Mulher do cão? Haah… Eu me encontro cansado o bastante para nem conseguir falar alguma coisa de volta.

— Obrigado — respondo e viro de costas, indo para onde ela indicou.

Talvez ela tenha ido me procurar e se perdeu. Na pior das hipóteses, algum animal a atacou e provavelmente pode… não quero nem pensar na possibilidade. Fico olhando para o chão, tentando ver algum rastro de onde pode ter ido, só que nada. Até que um pouco mais à frente, ao lado de um pinheiro podre, encontro uma galha quebrada, mas não leva a lugar algum.

É aí que me lembro. Em Zendrut, existe uma habilidade de caça, uma magia de procura que pode dar certo aqui. Fecho meus olhos e me concentro, canalizo a pouca mana que tenho e um pequeno círculo aparece embaixo dos meus pés, enviando ondas sonoras pelo terreno. Posso ver e sentir cada animal em um raio de quinze metros, mas não encontro nenhum sinal dela.

Faço isso repetidas vezes, porém a todo momento tenho que reunir mais mana. Procuro durante horas pelas regiões que já andei na floresta, até mesmo nos que nunca fui. Na imensa escuridão, no último lugar que consigo procurar, uso a busca novamente. Em meus sentidos parece ser algo deitado no chão, aparenta estar dormindo. Corro para lá no mesmo instante e, quando chego, me assusto. Não é apenas um, e sim vários corpos sobre o chão.

As árvores ao redor parecem ter sido dizimadas, deixando apenas os troncos para trás. O sangue escorre pela terra, corpos separados da cabeça, alguns desmembrados, e outros que parecem ter congelado até a morte. O que aconteceu aqui? Glup...! Vomito pelo mal cheiro que entra de repente no meu olfato. Normalmente eu não teria vomitado, mas acredito que este corpo pequeno e ainda incompleto tenha tido essa reação.

Arial…, corra! 

Por um momento, me pego em lembranças de outra vida e começo a correr, fico desesperado e ansioso. O pensamento de que algo está muito errado não sai da cabeça. Estou quase saindo da floresta quando um brilho amarelado se apossa da minha visão cansada. São como luzes fortes sendo jogadas no meu rosto.

Uma brisa quente passa por meu rosto, junto de uma brasa. Olho para cima e consigo ver uma chama subindo aos céus, como se tivessem colocado fogo em uma grande casa de seda. Escuto gritos agonizantes ecoando por meus ouvidos, clamando por ajuda em completo desespero. Uma voz grita por socorro, implorando para não a matar, e some com o barulho do machado batendo em sua pele. Consigo escutar mesmo de longe o sangue espirrando contra a parede.

Paro na frente da casa em chamas, pessoas correm de homens segurando machados, clavas e espadas. Alguns rolam na terra, tentando apagar o fogo que cobre seus corpos. Olho para uma casa mais à frente e meu estômago embrulha. Uma das crianças que brincava mais cedo está pregada na parede com os braços abertos e as pernas cruzadas. Olhar para aquilo me faz querer chorar.

Lembro-me de Malak, minha antiga vila. O que estou vendo agora é idêntico à invasão do exército sombrio na minha vida passada. De repente, meu olhar pesa, meu corpo se desequilibra e, quando estou prestes a cair e desmaiar ali mesmo, sinto o abraço de alguém me segurar por trás.

— Mã-mãe…? — sussurro, tocando seu belo rosto. Na bochecha esquerda, há um pingo de sangue.

— Está tudo bem, minha criança — diz com um sorriso aconchegante. — Venha comigo.

Ela agarra minha mão e começamos a correr, vê-la na minha frente faz sumir toda a angústia que estou sentindo.

— EEEI! — grita um homem. — Tem alguém querendo fugir pela floresta!

Olho para trás e cinco deles decidem correr atrás de nós.

— Capture-os! — ordena o mais forte, ele os lidera pela frente.

Lúcia age como se conhecesse a extensão completa deste lugar, como se enxergasse no escuro, sendo capaz de desviar de cada buraco, árvores ou pedras, mesmo com o breu que está.

— Mãe, o que está acontecendo?

— Não se preocupe, tudo ficará bem, querido!

Ela para de correr, ajoelha-se na minha frente e coloca a mão no meu rosto.

— Escute. A mamãe não é quem você pensa que é… — diz cuidadosa, olhando para trás e ao redor, buscando algo, ou alguém.

— O que quer dizer com isso?

— Não temos tempo. Sei que você é especial e vi o que anda fazendo na floresta.

O quê? Como? Quando? Então era ela me vigiando?

— Sei que forçou o despertar do seu núcleo, querido. Não sei como conseguiu, mas vi tudo que fez. — Por um momento, meu cérebro desliga, mas volto a mim quando ela me balança. Então continua: — Escute com atenção. Nós somos descendentes de um clã muito antigo. Somos os únicos remanescentes, por isso você precisa sobreviver, não importa o que aconteça. — As lágrimas seguradas inundam seus olhos.

Clã antigo? Como assim? Nós não éramos apenas favelados?

— Demorou bastante, mas eles nos encontraram…

— Quem?

— Os deuses…

— O… quê? Os deuses?

— Não temos tempo, não posso ir junto com você, querido. Seria muito perigoso. Pegue reto por esse lado — diz, apontando com o dedo. — Você chegará até Mighur. Procure por Arkus, ele entenderá tudo.

— Espera, não vou sem você…

— Está tudo bem, minha criança. — Ela me abraça. — A mamãe te encontrará. Você é forte, sei que consegue. — As lágrimas começam a surgir e sua voz fica rouca gradualmente, tentando impedir o choro. — Eles nos acharam… — fala, levantando-se. — Vai, confie na mamãe...

O único pensamento que tenho é o quão inútil esse corpo é. Corro na direção em que Lúcia apontou.

— EEI! — Escuto sua voz. Ela soa pela floresta de pinheiros em um eco.

— Peguem essa vadia! Vou gostar muito de brincar com ela. — Paro no mesmo instante ao ouvir isso. Piso em um galho forte o bastante para que o bastardo escute que tem alguém fugindo pelo outro lado. Quando ouço passos vindo pro meu lado, corro novamente, adicionando o resto de mana que tenho para aumentar ainda mais minha velocidade. Corro, corro e corro o mais rápido que posso. Dando por mim, estou em frente àquele tanto de corpos.

— Estou sem tempo para enjoos… corpo maldito! — reclamo com a mão na boca.

Sento-me na posição de lótus, atrás de uma das árvores ao redor, e começo a reunir mana para meu núcleo. Alguns segundos depois, escuto os passos deles. Pela minha audição, são, no mínimo, dois.

— Mas que merda aconteceu aqui? — pergunta um deles.

— Quem conseguiria matá-los? Apesar de serem bastante burros, eram fortes…

O barulho das pisadas batendo contra o chão só demonstra o quão enorme são. Levanto-me com cautela, fecho os olhos e uso a busca. Um está um pouco mais afastado; já outro se aproxima aos poucos da árvore. Fecho meus olhos e concentro um pouco de mana neles, melhorando minha visão no escuro. Penso em usar um método bem simples de Zendrut que era ensinado para todos os magos: a lâmina de mana.

A palma da minha mão fica quente e um brilho azul surge, transformando-a em uma arma letal. Escuto o barulho dos passos e espero. Na hora certa, saio da encosta da árvore e pulo direto na garganta do inimigo. Minha mão atravessa tão fácil aquela pele que o sangue voa por todo meu rosto. Em seguida, quando viro para ver onde está o outro, levo um chute na costela e rolo para longe.

Está doendo, minhas vistas embaçam e vomito sangue. Mesmo reforçando meu corpo com mana, uma ou duas costelas quebram.

— Uma mina de ouro. — Escuto sua voz vindo de trás de mim. — Hoje é meu dia de sorte. Vem aqui, garotinho. — Ele me segura pelos cabelos e ergue meu rosto próximo ao dele. — Você vai me dar bastante… Hum… — Ao olhar para suas costelas, minha mão o perfura como uma lâmina. — Seu… moleque desgraçado!

O homem me joga contra a árvore. Ele é grande e está sem camisa, mostrando os músculos voluptuosos e a enorme cicatriz no peito, feita de fora a fora. A barba é mal feita, com falhas no lado esquerdo, e tem o cabelo raspado, com várias tatuagens pretas de símbolos estranhos. Veste apenas uma calça de couro de urso e uma bota de veludo. Tem dois cintos amarrados entre o peito e as costas, que seguram os dois machados.

Minhas vistas ficam turvas novamente, a dor da costela quebrada está agonizante, que corpo de merda. Lembro-me apenas de algumas pessoas borradas à minha volta, com um homem me carregando nos ombros. Existem algumas coisas parecidas com carroças cercadas com grades e parece ter pessoas que foram sequestradas dentro.

— Esse é o último?

— Sim, é. Esse daqui é especial.

— Chefe, o que foi na costela?

— Um presentinho. — Ele ri.

Essas são as últimas palavras que escuto.

Arkus

Achei que fosse loucura. Aquela maldição não pode ter se rompido de repente... Será que é por causa do Rahter? Por ele ser quem é, não surtiu efeito? Haaah, uma grande dor de cabeça. Se os seguidores dele descobrirem que Lúcia teve um filho, as coisas irão ficar complicadas. Com certeza virão atrás da criança... Isso é problemático demais! A paisagem das árvores passa rapidamente por meus olhos.

— Quanto tempo ainda falta? 

— Aproximadamente cinco minutos — exclama o cocheiro.

O que é esse sentimento pesado no ar? Sinto que há algo de errado. Haah…, mas e se… a criança não gostar de mim? O que faço? Aaargh, pensar nisso está me deixando louco. Huuum… Aquilo é… fogo?

À nossa frente tem uma claridade anormal. O que está acontecendo? Não aguento mais. Esses cinco minutos estão parecendo uma eternidade. Abro a porta da carruagem em pleno movimento e pulo entre as árvores. Uso os galhos para me impulsionar mais. Realmente é fogo? Pulo ainda mais forte quebrando um galho grosso que me leva à entrada da periferia.

— Mas que porra…

Ela está coberta de chamas e cadáveres. Caminho entre eles, olho de um lado a outro e, a cada passo que dou, sinto um aperto no peito. Essa é a casa que estava descrita na carta? A porta foi arrancada e deixada em pedaços. Garoto… Olho o ambiente, mas não encontro nada. Saio para o lado de fora e observo o fogo.

Me obedeçam! — Ao balançar meu braço o abrindo para o lado, todas as chamas se dispersam, restando apenas fumaça.

Vou matar quem quer que tenha feito toda essa merda. A carruagem chega em seguida.

— Chame a guarda real, digam a eles que é de extrema urgência!

— Sim, senhor!

O cocheiro pega um dos cavalos brancos e segue direto para Mighur. Vou até uma pedra no meio da região e me sento. Cheguei tarde demais... Caso tenham sido eles..., as coisas ficarão complicadas.

(...)

O tempo passa e o sol começa a surgir além das árvores de pinheiro. Escuto o barulho de armaduras rangendo enquanto os passos das botas fazem o som metálico ao bater contra o solo. O exército imperial surge pela entrada, guiados por Dominik.

Fico observando enquanto recolhem os corpos, vejo alguns vomitando após ver um garoto pregado na parede. Fui equivocado. É bem provável que ainda não saibam da existência da criança. Duvidar da magia de seu soberano é o mesmo que dizer que não confia nele.

— Quem o senhor acha que fez isso? — pergunta um soldado.

— Talvez bárbaros, mas é improvável. Suas terras estão longe e eles não dariam o trabalho de vir até aqui, porém não quero descartar nenhuma hipótese.

O jovem se surpreende pela minha calma, mal sabe que estou quase indo pessoalmente matar esses desgraçados. Dominik se aproxima. Diferente do resto de armadura, ele veste uma farda imperial verde-escura com listras brancas e há um símbolo de um leão bordado em seu peito.

— Gostaria de saber o porquê de estar aqui.

Fecho meus olhos e retiro o cachimbo da boca. Para mostrar que pouco me importo com sua presença, solto a fumaça no rosto dele.

— Não seja assim, Dominik. Estava somente de passagem quando vi toda essa bagunça.

— Espera mesmo que eu acredite nisso? — Ele ergue uma das sobrancelhas.

— Não tem porque mentir para você. O que um velho como eu iria querer em um lugar desses?

— Você tem razão, falha minha — fala, montando em seu cavalo bege. — Posso saber para onde está indo?

— Claro que pode. — Levanto-me da pedra. — Estava indo para Rosorga rever um velho amigo.

— Entendi… tenha cuidado em sua viagem.

— Fique de olho nesse atentado, quero que me diga se encontrarem alguma pista de algum sobrevivente — falo, entrando na carruagem, para meu cocheiro.

Espero que esteja vivo…, garoto.

 


 

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