Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 4

Acordo de súbito devido a um pesadelo. Ofegante e cheio de suor, sento-me na cama. Olho em volta e suspiro, gritos do pesadelo ainda ecoam na minha cabeça. "Isso de novo…", penso. Os pesadelos se tornaram ainda mais frequentes depois do encontro com aquele ser misterioso. Todas as noites são a mesma coisa. Estou no vilarejo em Zendrut, um ataque começa, pessoas morrem e, na minha frente…, acontece a mesma coisa.

Sempre que acordo de madrugada, caminho até a sala para reunir mana e forçar meu despertar. A luz do luar que atravessa o telhado de feno ilumina uma parte, é bonito, gosto de ficar neste cômodo. Repito isso durante longos quatro meses, mas não há nem sinal de que conseguirei .

Assim, fico horas na mesma posição até o cansaço extremo me atingir. Após um tempo, levanto-me completamente suado, mas, ao contrário de antes, meu corpo não acumula mais fadiga. Limpo meu rosto e preparo o café da manhã. O engraçado é que para eu alcançar a mesa, tenho que usar duas cadeiras: uma pequena para conseguir subir na outra que é grande.

O café, bem…, não é muito bem café, mas consigo achar sementes de uma árvore que é muito parecida com a de Zendrut. Pergunto para Lúcia se é venenosa, mas ela não sabe, então amasso as sementes até virarem pó, fervo um pouco de água, arranjo alguns cogumelos doces, os dissolvo e os uso como açúcar.

Minhas expressões a deixam preocupada, e pergunta se estou preparando mesmo alguma coisa que é… digerível. Eu rio. Acontece que eu não beberia aquilo, poderia ser perigoso, muito menos daria para minha mãe experimentar. É aí que me lembro da vizinha que me faz raiva.

— Tem certeza de que é meu filho? — pergunta. Ela tenta correr atrás de mim para me impedir de dar a jarra de barro para a vizinha chata que mora do lado de casa.

— Mamãe…, isso se chama experiência. — Corro tentando não derramar nenhuma gota. — Opa! — Paro e passo por debaixo de suas pernas.

— Experiência uma ova, seu...

A vizinha aparece na mesma hora. Sem pestanejar, chego nela e digo:

— Moça… — Haah…, que humilhação. — Fiz puah vuce

— Oownt! Muito obrigado, pequenino. — Ela olha para Lúcia com indiferença. — O filho é muito diferente da mãe.

Na mesma hora, viro-me para Lúcia e meu sorriso fofo se converte para um entre orelhas diabólico, sua expressão de indignação pela minha bela atuação é magnífica. Espero até o dia seguinte e, por incrível que pareça, ela não morreu. Talvez demore para surtir efeito. Então espero uma semana, mas ela ainda está intacta, não sei dizer se fico feliz ou triste.

— Meu filho é um demônio…

— Nada disso, mãe. — Rio. — A vida vem de experimentos, mesmo eles dando certo ou errado. — Encaro-a com olhos brilhantes. — Eu não iria testar na minha própria mãe.

— Haaah…

Assim descubro o magnífico café, que não é bem café. Que saco, mas o gosto é bom pelo menos. Depois de comprovar que não é nada mortífero, começo a fazer todas as manhãs. Para Lúcia é fácil se acostumar com o sabor, aparentemente ela nunca tinha bebido algo parecido, apenas chá.

(...)

— Bom dia, mãe. — Dou um sorriso largo.

— Bom dia, meu querido. — Ela me aperta com um abraço.

Todos os dias são iguais: tomo meu café e vou atrás da casa para treinar. Dessa vez, pego um pedaço de galho de marfim que encontrei na floresta para treinar meu manuseio de espada. Lúcia me observa com frequência. Apenas uma vez me perguntou onde tinha visto aqueles golpes e defesas que eu treinava. O que mais eu poderia dizer? Só falei que fazia o que vinha à cabeça.

Ela disse algo interessante. Quando me viu pela primeira vez lutando contra o vento, falou que era como me ver lutar contra um exército inteiro sozinho. A bela forma que eu empunhava o galho lembrava meu pai. Evitei perguntar quem ele foi, já que tinha certeza do que escutaria.

Meu plano é caçar monstros maiores do que coelhos e esquilos, mas ainda sou pequeno e fraco, não consigo nem usar mana. Além disso, o lobo que apareceu na minha frente ocupa minha cabeça o tempo todo. O que é e o que queria? O que foi aquele brilho no meu peito? Minha cabeça começa a doer apenas de lembrar.

Meu objetivo é conseguir despertar meu núcleo com três anos, ir até o rei de Dream e mostrar que estou além do que eles chamam de gênios, pedir proteção para Lúcia e uma vida melhor em troca dos meus serviços, prestados em nome dele. Claro, tudo vai por água abaixo. Não entendo porque tanta demora para conseguir despertar. O que resta é ter paciência, afinal, sem ela, somos um grande poço de nada.

— Mãe, posso te perguntar algo?

— Não sendo nada estranho…

— Por que Hades fez tudo aquilo?

Quero saber se, diferente de Delgron, ele tinha uma grande razão para eliminar todos os outros deuses e exterminar os humanos além de apenas ter sido expulso. Essa raiva somente por isso não faz sentido, pelo menos na minha cabeça. Tem que ter algo a mais.

— Essa é uma pergunta que todos faziam na época, mas ninguém conseguiu encontrar respostas para ela.

Será que todos eles simplesmente decidiam como e quando queriam destruir algo? Se for isso, tiveram o destino que mereciam.

— Por que a curiosidade? 

— Não é nada. Mais uma coisa, sabe algo sobre um animal parecido com um lobo mesclado com uma águia?

Ela paralisa. O cesto de roupas que segura cai no chão e olha assustada para mim, parece ter visto um fantasma de tanto que fica pálida. Fico confuso. Rapidamente ela volta a si e começa a pegar as roupas que caíram no chão.

— De onde… tirou essa ideia maluca, hein? — Está assustada, posso perceber isso. Recolhe o cesto caído, arruma o cabelo desajeitado e olha para mim com os olhos agitados. — Por que a pergunta? — Seus braços tremem e os olhos estão apavorados.

— Não é… nada.

Saio de perto e vou na direção da floresta. Não entendo o medo. Claro, ela sabe de algo, mas não quer que eu saiba. A floresta está como aquela vez, silenciosa, sem nenhum coelho, esquilo, pássaros ou o barulho de qualquer outro animal. Somente o som do vento batendo nos galhos dos pinheiros extremamente grandes. Sento-me na copa de uma árvore, na posição de lótus, e começo a meditar. Todos os dias, na parte da tarde, venho para esse lugar em específico para acelerar o processo de despertar por um único motivo: a quantidade de mana reunida aqui é anormal, foi o local em que o lobo apareceu.

Penso que possa ser um presente. Um lugar calmo, sem barulhos de animais, sem perigo de ser atacado por algo ou alguém. Assemelha-se a um lugar isolado do resto do mundo. Sinto que toda vez que estou aqui, tem alguém me observando, uma sensação estranha que percorre minha espinha e me dá calafrios em alguns momentos.

Encaro como uma dádiva para um garoto que quer despertar mais rápido. Um lugar sem ninguém para atrapalhar e que, no final de todo meu processo, sempre aparece um animal para conseguir levar o que comer.

Talvez tenha algo a ver com o lobo, uma ajuda de alguém misterioso e poderoso — a criatura talvez —, mas logo descarto essa possibilidade quando lembro do receio que aquilo teve ao me ver.

(...)

Um ano e meio se passa. Com cinco anos, possuo um corpo que uma criança normalmente não deveria ter. Sou mais alto do que a maioria, já consigo correr mais do que os meninos mais velhos, ganho lutas de alguns garotos com nove anos, sou literalmente um menino prodígio. Todos falam de mim nos arredores da favela.

É tarde, novamente estou nesse mesmo local. Acordei cedo pela manhã, disse para Lúcia que eu voltaria tarde, e fui diretamente para a floresta. Desde a parte da manhã até de tardezinha, fico na mesma posição, sem lanche ou almoço, sem água.

Minha concentração já aumentou em um nível extraordinário. Meus sentidos estão mais apurados e consigo sentir um calor cessante bater na minha pele, é como se meu corpo estivesse em uma fogueira sendo cremado vivo. A mana se reúne mais densamente em meu abdômen, é mais rápida que todas as outras vezes que tentei reuni-la.

"Isso!", penso animado. Meu corpo exausto faz parecer que trabalhei em minas por uma semana sem descanso.

— AAAARGH! MAS QUE DROGA É ESSA?! — praguejo em agonia. Uma dor enorme começa a surgir em meu peito repentinamente, parece que estão enfiando pequenas agulhas, uma por uma. — Que porra! — Minha visão cessa aos poucos, vejo tudo embaçado, como borrões, estou prestes a perder a consciência. Aperto o peito como se estivesse prestes a arrancar meu próprio coração. — AGUENTE! AGUENTE! — Ranjo os dentes por causa da dor. Começo a me contorcer no chão em agonia. O corpo treme e minha roupa está encharcada de suor, como se eu tivesse banhado em um rio durante horas. — AAAAAARGH! 

As batidas do meu coração parecem estar dentro da minha cabeça. Consigo ouvir cada pulsação, parece uma eternidade. Depois de alguns minutos cessantes de dores agonizantes, finalmente para. Estou deitado sobre a terra, o suor desce por meu rosto e mal consigo abrir um de meus olhos de tanto cansaço. Apoio-me na árvore e fico ali durante alguns minutos.

— Meu coração parecia que... ia explodir — ofego. — Mas finalmente… consegui despertar meu núcleo. — Sorrio de orelha a orelha e tenho certeza de que meus olhos brilham mais que diamantes.

Olho pela floresta e percebo a imensidão do escuro que a rodeia, já anoiteceu. O pensamento de que Lúcia pode estar morrendo de preocupação me faz querer voltar o quanto antes.

Arkus

Mighur, a grande capital de Dream e o local em que ocorreu a maior batalha de toda a Alduin. E pensar que ninguém desde aquela época foi selecionado como digno pela espada... Isso é preocupante. Se ninguém é capaz de empunhá-la, então serve apenas para enfeite.

É uma noite de ventos frios e minha carruagem anda pela capital. Passamos por uma loja com janelas de vidro e vejo o reflexo do meu veículo. É feito de madeira maciça com alguns entalhes em ouro. O espelho pregado ao meu lado mostra minha aparência velha e esguia. Apesar da minha idade avançada, meus cabelos continuam negros e meus olhos vermelhos se mantêm ainda mais vibrantes do que antes.

No ar, percebo uma quantidade de mana absurda se dispersar repentinamente. Nunca senti tanta assim em um único local. Deve ter um bastardo tentando reunir mana como um louco. Talvez queira morrer?!

— Sr. Arkus, estamos quase chegando — fala meu cocheiro. Ele usa uma boa vestimenta feita por um dos melhores alfaiates de Dream.

Pelas grades de metal é possível ver o extenso jardim, e logo atrás uma enorme mansão com dois andares, iluminada por esferas presas em algumas partes das paredes.

O portão se abre e o veículo continua seu percurso. Pequenos jarros de flores guiam o caminho, a estrada é feita de pedras cortadas simetricamente para se encaixar perfeitamente ao solo.

No centro, antes de chegar ao imóvel, existe uma grande rotatória rodeada por pedras pequenas e com grama em cima dela. A carruagem para na frente da porta, que se abre logo em seguida. Meu mordomo abre a porta para que eu possa descer.

— Bem-vindo de volta, senhor. — Ele me reverencia.

— Obrigado, Betham. — Percebo seu olhar descontente. Seus olhos são vibrantes, a coloração cinza fala por ele. — Senhor, estão te esperando na sua sala.

Quando entro em casa, há uma fila de empregadas que vai até a escada mais à frente.

— Bem-vindo de volta, senhor! — dizem todas em uníssono.

Descontente com a visita que me espera no andar de cima, subo as escadas e começo a olhar os quadros pendurados na parede. Viro à esquerda e paro em frente à porta. Haah… tudo o que quero é apenas descansar depois de voltar de Oredhel, mas esses infelizes não me deixam em paz. Devo apenas matá-los? Tenho certeza de que Drake concordaria.

— Meu senhor… — olho para Betham —, receio que seja uma má ideia fazer o que está pensando.

— Tsc! Sem graça.

Entro no meu escritório e solto um grande suspiro. Ele é repleto de livros nas prateleiras e possui um quadro muito valioso para mim. É de um rei que luta contra um exército de demônios completamente sozinho. Em cima da mesa tem uma garrafa de uísque, provavelmente eles trouxeram. Sento-me na cadeira virada para a janela, com vista para meu jardim inteiro.

— Então, o que querem? — questiono, meu tom não é um dos melhores.

— Sr. Arkus, sei que é alguém importante para o rei de Dream, mas isso são modos de tratar alguém do Conselho Governamental?

O jeito que ele fala parece sarcástico. "Acha mesmo que me importo com quem são vocês? Não me façam rir". Quero dizer isso, porém o olhar fuzilador de Betham me impede. Esses malditos olhos… viro a cadeira para ficar de frente para eles. 

Estão em dois. Um usa o uniforme da guarda real, seu nome é Khemed. Seus olhos são verdes, pele morena e sobrancelhas avantajadas. O outro é um velho decadente, vestido com um terno marrom de alta qualidade, usando um monóculo no olho esquerdo, sua barba é bem feita e usa uma muleta pequena de uma mão.

— Interessante, você tem coragem de falar isso quando nem mesmo é meu convidado?

Tenho certeza de que suas expressões assustadas são causadas pelo brilho intenso dos meus olhos vermelhos na parte escura do escritório. "Quero matá-lo, velho astuto desgraçado."

— Cof, Cof! Insolência minha, me desculpe. Hoje vim aqui lhe dizer que aparentemente, no futuro, o rei de Oredhel virá para Dream com a intenção de formar uma aliança entre os dois reinos.

É claro que virá, este foi o motivo de eu ter ido para Oredhel escondido, mas veremos o que esse velho sem família tem a dizer. Huum… O olhar de Betham claramente diz que também sou um velho sem família. Desgraçado, quer perder o emprego? Betham vira o rosto disfarçando. Desgraçado maldito.

— O que te faz ter tanta certeza disso? — pergunto para ver aonde quer chegar com essa conversa.

— Com a potência militar que Dream está desenvolvendo nos últimos anos, isso não é impossível de acontecer. Ainda mais com a nova divisão dos soldados dirigida pelos dez generais.

— Aonde quer chegar? — Coloco um dos braços na mesa e apoio meu rosto, fingindo estar interessado na informação.

— Acredito que a real intenção da alteza de Oredhel é assassinar o rei de Dream. Nossas relações não são tão amigáveis assim. Então peço que tome cuidado…

Desgraçado maldito, quer me colocar contra o rei de Oredhel me fazendo ter ideia de que ele pode assassinar Drake? Rio. Haaah, vou matá-lo! Sorrio de uma forma estranha, mostrando um olhar árduo e voluptuoso, os assustando.

— Engraçado falar em algo como assassinato nessa situação. — Eu me levanto, encaro as sombras do meu escritório e relaxo os braços. — Antes de continuar…, quer pedir para seus amigos saírem das sombras?

O velho se assusta a ponto de levantar da poltrona. Homens com roupas e máscaras pretas emergem das sombras, são doze no total. Olho ao meu redor analisando a situação.

— Que imprudência, Dunkin. Planeja matar alguém em sua própria residência? Que ousadia!

Meu olhar pesa sobre os doze à frente. A pressão do meu poder mágico sendo liberado faz todos caírem de joelhos. Consigo observar a dificuldade que estão tendo ao tentar respirar. Dunkin olha para a porta desesperado, Betham balança o dedo negando sua passagem. Em apenas alguns segundos todos perdem a consciência.

Haah. Passo por Betham, observando um dos homens levantar.

— Minha cabeça dói — reclama.

— Nem coloquei tanta pressão em você. Deixe de choramingar, Khemed. — O olho sobre os ombros. — Em todo caso, obrigado por sua colaboração. Graças a você podemos pegar um peixe podre do Conselho Governamental, agradeço.

Um membro do Conselho Governamental está por trás do planejamento de uma discórdia entre os reinos. E pensar que possuem uma das maiores influências sobre Kraykro… Preciso investigar isso mais a fundo. Dunkin é um peixe pequeno, um dos três anéis deve estar envolvido. Que dor de cabeça.

— Senhor… — Uma empregada vem correndo até mim, ela segura um envelope lacrado. — Chegou isto para o senhor.

O envelope é amarelado, contendo um lacre feito de vela derretida vermelha. Quem poderia ser?! Retiro a carta e a leio.

"Já faz um tempo…", meus olhos se alargam. Nunca imaginei que este dia chegaria. Então você sobreviveu durante todos estes anos…

— Chame o cocheiro imediatamente… algo urgente surgiu!

— Sim, senhor!

 


 

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