Volume 1
Capítulo 24
Acordo batendo a mão no peito. Meu corpo está pesado, minhas mãos estão frias e meus olhos lacrimejam.
— Parece que voltou ao normal — fala Arkus, abaixando-se em minha frente.
Todos esboçam um sorriso de alívio. A garota loira invocada solta um suspiro pesado. Uma atmosfera tensa aparece, mas ela vem de mim.
— Onde ela está?
— Hunf. Quase morreu e sua primeira pergunta é sobre ela? — Sorrindo, Arkus aponta para fora.
— Haah… — Uma brisa gélida acompanha meu suspiro.
— Isso é… — Darnys fica boquiaberta.
— Estou indo.
Levanto-me do chão. Olho para as quatro crianças e esboço um sorriso despreocupado. Eles me encaram intrigados. Do lado de fora do templo, vejo Lúcia parada, cercada por dezenas de esculturas de gelo. O demônio na sua frente treme por um instante. Com um simples gesto da espada, Lúcia parte as esculturas de gelo em migalhas.
Eu me aproximo. Não estou ligando para o fato dela estar em uma luta agora. Só que… quando penso o que aconteceu com Kora e minha mãe em Zendrut…, pensei que tudo aconteceria aqui de novo.
Eu a abraço por trás, apoiando o rosto nas costas dela. Ela olha para trás, e escondo a vontade de chorar. Darnys começa a chorar ao ver Lúcia. Pelo que disse, faz anos que não a vê. As quatro crianças observam meu gesto simples. Sim, eu também tenho sentimentos.
— Querido — diz Lúcia rompendo o silêncio por um instante. — Também senti sua falta.
— Pensei que… algo tinha acontecido… — Minha voz sai fraca. — Eu não conseguiria me perdoar se algo…
— Está tudo bem. — Ela se abaixa apoiando o rosto no meu. — Estou aqui agora, nada vai te acontecer…
Arkus gargalha.
— Algo acontecer com esse pirralho? Lúcia, seu segundo elemento se manifestou — ele conta.
— O quê? — Ela fica surpresa por um instante. — E qual é?
— Rhum. — O sorriso dele se eleva novamente. — Gelo!
Percebo o rosto surpreso de todos. Principalmente das crianças. Ver alguém do meu tamanho com toda essa determinação e força, o que será que pensam de mim? Ainda mais quando descobrirem que existem poucos magos ábsonos por aqui, e que tenho dois elementos divergentes dos quatro naturais. Quero ver o rosto deles quando isso acontecer.
— Kukuku! Isso tudo é tão lindo, é uma pena, não é? A morte de vocês está tão per…
Olho além daquele demônio com uma tremenda sede de sangue. A pressão cai sobre todos que estão ao meu redor. Essa sensação de ódio… Eu não sinto isso desde aqueles dias… Eu queria ir até vocês, mas vocês vieram pra mim!
O demônio recua alguns passos para trás. Tenho certeza de que Lúcia é mais do que o suficiente para matar esse cara. Eles não precisam de mim aqui. Meus olhos firmes como rocha penetram a alma do subalterno, deixando-o em choque e paralisado por uns instantes.
— Sinto presenças se aproximando… — digo. — E são milhares!
— Estou sentindo também — fala Claus, preocupado.
— Poderia passar mil anos, mas ainda conheceria essa concentração de mana. — Dou um passo à frente. — Eles finalmente chegaram a esse ponto… Aqueles desgraçados! — Cerro os punhos tão forte que um pouco de sangue escorre entre os dedos. — Eles estão vindo.
Sei que está surpresa por me ver fazer tal expressão, mãe. Só que… Eles… Esse ódio por eles eu não consigo evitar!
— Quem está vindo? — pergunta a garota de cabelos pretos e curtos, assustada.
— Os bárbaros!
Meu olhar atroz permanece. Dou um passo para frente, porém o demônio entra na minha frente, bloqueando minha passagem. Ele me olha enfurecido e com indiferença. O que foi? Sentir medo da sede de sangue de uma criança feriu seu ego? Não me faça rir.
Lúcia tenta chegar perto, mas, ao ver o ar gélido se concentrando ao meu redor, para. O cabelo negro tampa meus olhos, suspiro uma vez saindo uma brisa gelada. Com mais um passo adiante, o solo que piso congela de novo e de novo.
Gelo. Não sei por que motivos despertei esse segundo elemento, mas agora não me importo. Estava satisfeito apenas com o de raio; já que despertei o elemento gelo, vou considerar uma benção. Teoricamente falando, não possuo nenhum conhecimento sobre magias de gelo. Contudo, tenho algo que mais ninguém tem.
Eu vi Damari lutar durante anos, conheço cada magia que ele tinha. E por coincidência, seu atributo era o gelo. Era um grande tagarela, então toda vez que aprendia algo, me contava cada detalhe de como era feito o lançamento.
A atmosfera pesa. Ao tentar se afastar, o demônio percebe que seus pés estão congelados. Damari gostava bastante de fazer esses truques. Destruir a mente do inimigo para pegá-los desprevenidos. Um jeito sujo de lutar, mas, em uma guerra de verdade, não existem jeitos certos de vencer. Lutando desesperadamente para escapar, volta os olhos para mim.
Levo a mão direita acima do peito, com a palma para cima. Partículas congeladas surgem no ar, moldando-se lentamente. Todos olham com expressões assustadas tentando entender o que está acontecendo. Lanças de gelo flutuantes aparecem, dezenas delas apontadas para o demônio.
— Saiba que não há como escapar! — falo.
Fecho os punhos com uma força absurda envolvida em ódio. As lanças descem de uma vez, atravessando o corpo do demônio. Ombros, estômago, peito e pernas contêm uma lança de gelo enfiada, escorrendo o sangue preto dos demônios.
— Se-seu… — Ao tentar falar, o subalterno cospe um bocado de sangue. — Vo-você… é o verdadeiro monstro.
— Obrigado! — Ainda virado de costas para Lúcia, dou um sorriso. — Mãe. — Eu a olho por cima dos ombros. — Temos muito o que conversar depois disso.
— Si-sim…
— Velho.
— Hum?
— Posso cuidar dos bárbaros?
— Ainda guarda rancor, hein?! — Esboça um sorriso. — Muito bem! Claus, pode acompanhá-lo?
— Mas é claro. Levarei o garoto e o ajudarei a lutar com os selvagens.
— Pai, isso é loucura — pronuncia Lúcia, intervindo na frente de Arkus. — Ele é apenas uma criança… — Ela se cala ao ver o olhar do velho.
— Você sabe que isso não é verdade. A linhagem dessa criança foi feita para batalhas. Além do mais, aquele homem ser seu pai influencia em suas habilidades.
— Mas…
— Sei que o enxerga como o bem mais precioso da sua vida. — Arkus se aproxima dela, levando a mão ao ombro esquerdo. — Mas lembre-se da sua linhagem — sussurra.
— Velho, melhor ir direto para aquilo. — Aponto para a ruptura no céu.
É enorme. Uma distorção, assemelhando-se ao céu querendo se quebrar como um espelho. Uma criatura enorme e branca está tentando sair. Em um aceno de cabeça, Arkus guia o rei e o restante para lados opostos. Claus se aproxima calmamente olhando o céu e observando os seres hostis.
— Já faz um bom tempo. Acho bom me ouvir agora! — Claus estica o braço à frente do corpo, criando um círculo mágico enorme no chão. — Escute meu chamado, meu laço contratado de sangue. Caminhe comigo pelo mar de sangue à frente e seja meu escudo e lança. Invocação da besta!
O chão brilha intensamente e o vento sopra mais forte do que as mais bravas tempestades. Claus mantém o sorriso vaidoso no rosto em frente a uma criatura gigantesca que aparece como uma névoa entre um brilho intenso e raios.
As asas negras se abrem causando uma intensa ventania. Os barulhos das escamas que mexem enquanto o ser estufa o peito e solta uma chama azul da boca cheia de dentes afiados e enormes em um rugido amedronta a todos.
Uma criatura negra com olhos azuis, garras mais afiadas que lanças e um rugido assustador se encontra agora parado na nossa frente. Um dragão maior do que vi na sala primordial. A besta me observa, farejando algo. O dragão dá um passo, fazendo emergir um barulho que bota medo com cada pisada. Observo atentamente os olhos da criatura. Minha calma deixa Claus inquieto.
“Criança humana.”
— Hum?! — Escuto uma voz grossa e tenebrosa na cabeça.
“Sinto a presença da deusa Ártemis dentro de você.”
Telepatia?
“Me responda, criança humana. Por que… ela te escolheu?”. Os olhos azuis da besta brilham em um tom mais forte.
Eu não sei.
“Não minta para mim, o grande Dragão-Rei, ou irei…”
Você não pode fazer nada! Minha boca se alarga em um sorriso. O ego de Ártemis ligado à minha alma o impede, não acertei? O dragão fica em silêncio. Como imaginei. Sendo assim, vamos fazer um acordo?
“O que uma criança tem a oferecer?”
Me ajude a eliminar os bárbaros a caminho daqui e eu lhe ajudarei a viver livre no mundo mais uma vez.
— O que estão fazendo? — Escuto a garota loira perguntar.
— Conversando — responde Claus.
“Isso é algo…”
Não. Não é impossível. A deusa me escolheu com o propósito de salvar esse mundo da guerra que está por vir. Como pode dizer que fazer os dragões andarem livremente por Alduin é algo impossível? E quero saber uma coisa: por que depois de tanto tempo você respondeu o chamado de Claus?
“Não havia motivos.”
Como?
“Após a grande guerra mítica, a força dos dragões se tornou desnecessária. Os humanos tendem a usar nosso poder por coisas estúpidas, então ordenei aos dragões restantes para que não aparecessem se realmente não precisassem. Nosso contrato é o de ajudar caso haja a possibilidade dos demônios voltarem a agir, ou pior, Hades retornar.”
E agora existe essa possibilidade...
“Eles se mantiveram quietos durante séculos, esperando o retorno de seu mestre, mas agora parece que essa paciência já não existe mais. Criança, irei te ajudar. Possuo um poder único, só que ninguém é capaz de usá-lo.”
E que poder seria esse?
“Se seu corpo possuir outra alma mais poderosa que você, será capaz de usar este poder.”
Eu sorrio. É perfeito para mim. E se eu te falar que consigo usá-lo?
“Seria interessante ver isso. Você só pode usá-lo durante dez minutos. Após este tempo, seu corpo regredirá ao que é.”
(...)
Após alguns minutos de conversa, o dragão se abaixa, descendo a asa para que eu suba. Sinto os olhares inquietantes.
— Vamos… Claus?
— Si-sim.
Nunca imaginei que poderia estar em cima de um dragão nem em minha outra vida! As asas se abrem e fecham causando um forte vento ao redor. O corpo se eleva ao alto e sobe até a altura do castelo de Dream. Consigo ver todas as lutas que ocorrem. Magos enfrentando demônios junto de aventureiros e soldados tentando proteger os cidadãos incapazes de lutar.
— Iremos ajudar depois — digo. — Se aqueles selvagens não forem parados, acredito que o estrago será bem maior para as famílias desse lugar.
— Os bárbaros fizeram um inimigo bem intrigante, hein?!
— Sim. Eles despertaram um lado meu que nunca imaginei ter!
Conforme voamos a toda velocidade, os gritos de guerra ecoam por meus ouvidos. Clarões de explosões se formam em todo lugar do império e o barulho de espadas se debatendo contra a outra forma uma espécie de hino sangrento.
Consigo ver a multidão de bárbaros chegando até a entrada sul de Dream, parece haver mais de mil entre eles. Devo agradecer ao Dragão-Rei por essa oportunidade. Enfrentá-los na minha forma atual é praticamente impossível, eu seria apenas massacrado perante tantos bárbaros. A magia de transmutação corporal interligada a alma… uma magia única que só pode ser ensinada pelo Dragão-Rei e só pode ser usada uma vez por um tempo limitado.
— Criança, o que planeja fazer agora?
— Algo que mudará o rumo dessa invasão!
O Dragão-Rei paira no ar acima dos bárbaros e dou um passo à frente, depois outro e mais um antes de pular de uma altura maior do que cento e trinta metros. Meus olhos emitem uma luz ardente e meu corpo começa a brilhar.
— Traga a mim o que um dia já fui. Retorne o meu poder antigo e observe o antigo imperador voltar a reinar — recito ainda em pleno ar. — Regressão da alma!
O brilho intensifica ainda mais o céu. Os selvagens param de se mover e começam a olhar para o alto, observando-me cair bem diante dos olhos deles. A fumaça cobre meu corpo, mas tenho certeza de que conseguem ouvir o som da lâmina sendo desembainhada.
Um bárbaro ousa dar um passo em minha direção, e outro semicerra os olhos quando escuta o barulho de um baque caindo no chão. A cabeça sai rolando até o pé dele. Ficando assustado por um momento, pula para trás.
A fumaça começa a abaixar, revelando-me entre ela. Cabelos médios e olhos negros, trajando um sobretudo preto e uma camisa branca por baixo.
— Já faz um tempo… — Elevo a katana de dorso preta esticada para frente do peito. — Durante dez minutos…, serei Arial Blake!
Ando tranquilamente até eles e, com um simples balançar, dezenas de bárbaros são cortados ao meio. O sangue jorra por todos os lados, deixando o restante paralisado. Em um passo, surjo no meio deles e começo a cortá-los, um por um. Suas clavas, espadas e machados são inúteis.
— CERQUEM-NO! — Escuto um bárbaro gritar. Ele segura firmemente seus machados enquanto berra em desespero.
Enfrentando vários deles, lembro-me de Freya, quando ela dizia que, enquanto estava no campo de batalha contra dezenas de inimigos, eu me movimentando entre eles era similar a uma dança de carnificina. A lâmina banhada em sangue e olhos frios e densos.
— Você… é a morte? — pergunta o bárbaro.
Não consigo esconder o sorriso volátil. Paro a dois metros de alguns e coloco a katana em frente ao peito na vertical. Com uma mão, seguro o cabo; com a outra, apoio a coronha. Da lâmina surge uma chama negra. Olho para frente, me ponho em uma posição elegante ao empunhar a katana acima da cabeça e a desço fazendo as chamas se dispensarem à frente.
— Chamas infernais!
Uma combustão se dispersa explodindo chamas negras e transformando a maioria dos selvagens em cinzas. Apenas observo o restante sair correndo com pavor nos olhos.
— Aonde pensam que vão?
Raios azuis escarlate cobrem todo meu corpo, fazendo-me desaparecer e reaparecer em vários locais diferentes, degolando o restante que sobrou.
— EU SOU YOLVKOF! NÃO POSSO MORRER AQUI!
Yolvkof começa a correr em direção às árvores, trêmulo e cheio de pavor. Parece ser o líder deles. Então existem bárbaros covardes?! Não importa, ele já está com a minha marca. Olho ao redor, os corpos dilacerados à minha volta me lembram das antigas guerras que travei em Zendrut.
O som de uma besta cobre o céu inteiro. Fascinado, encaro o demônio que havia saído por completo da fissura que tinha no céu. Vejo a silhueta de uma pessoa em pleno ar e, em apenas um golpe, a cabeça do grande demônio sai voando pelos ares. Quem diria, velhote, você é forte mesmo!
— Trocar… — sussurro focado no alvo.
Rodeado pelos corpos dos bárbaros, a paisagem muda para inúmeras árvores. No mesmo instante, rodo a espada para trás e o sangue espirra no meu rosto. A cabeça de Yolvkof voa para longe de seu corpo.
O brilho toma meu corpo e começo a voltar a ser Luke Drakhar. Foi bom enquanto durou… agora, preciso voltar! Começo a correr entre os bosques o mais rápido que posso.
Próximo capítulo será o último do primeiro volume. Como bônus extra, postarei o primeiro capítulo do segundo volume da obra, junto com o capítulo final do primeiro. Após isso, a obra entrará em uma pausa para que eu termine o segundo volume e eu possa pública-lo. Siga-me nas redes sociais onde estarei selecionando cinco leitores betas para a leitura do segundo volume chamado: O Escolhido: Queda. Digo com todo fervor que esse volume será histórico.
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