Volume 1
Capítulo 17
Arkus Drakhar
O barulho das empregadas correndo de um lado para o outro ecoa pela casa. Estou no escritório, apreciando a xícara de chá que Betham me trouxe minutos atrás. Meu humor estava ótimo antes dele me dizer que Drake já chegou.
Aquele Drake… nem mesmo para avisar um dia antes de sua vinda. Vou bater naquele rosto sarcástico quando chegar. Levanto-me da poltrona, saio corredor afora e me deparo com Betham.
— Receio que não — diz ele, com o sorriso fechado e abrindo espaço para eu o passar.
— Você é muito sem graça, sabia disso?
— Apesar de ser seu genro, ainda é rei de Dream.
— Umas bofetadas não o farão deixar de ser rei, pelo contrário, talvez aprenda algo.
Betham sorri. Seus olhos semiabertos me dizem que ele sabe muito bem que não seriam apenas alguns tapas bem dados.
Descemos a escada curvada, e logo abaixo vejo os quatro. Drake traja só um terno vermelho, nem mesmo está usando a coroa. Ao seu lado, uma mulher de beleza impecável. Com cabelos compridos amarronzados e profundos olhos castanhos, usa um belo vestido de seda branco com babados nas pontas.
Olho mais ao lado e duas crianças sorridentes me esperam. Arkion veste um traje real branco com listras vermelhas, e Hannah usa um vestido roxo-escuro com babados pretos. Quase a mesma aparência da mãe.
— Vovô — dizem os dois em uníssono.
— Como é bom ver vocês — falo dando um abraço em Darnys. Ela me aperta forte, está preocupada. Conheço bem o olhar da minha filha, mas não digo nada. — Olha só para vocês, como cresceram. — Abraço Arkion e Hannah ao mesmo tempo, mexendo em seus cabelos.
— Ehem! — Drake pigarreia.
Olha só para esse marmanjo com todo esse ciúme. Devo esbofeteá-lo aqui mesmo? Percebo o olhar amargo de Betham.
— Meu genro — rio —, não precisa desse ciúme… — desconverso.
Betham, entenda que seu olhar machuca. Não estou sendo falso, apenas digo o que as pessoas querem ouvir… quando você está por perto, né?!
Meu mordomo sorri por um breve momento. Céus.
— Nã-não estou com ciúmes, velho… — murmura.
É sério que você corou, Drake? Betham que me segure para não o socar e afundar sua fuça no chão.
— Venham, vamos jantar. — Gesticulo com a mão para seguirmos até a mesa.
Os quatro passam por mim e Betham chega perto sorrateiramente.
— É por esses motivos que o senhor é conhecido como velho rabugento.
— Tsc! — Estalo a língua. Tenho que concordar que não sou a melhor das companhias, mas pedir que eu aja de forma que não é do meu feitio é algo quase insuportável de se fazer. — Vou tentar meu melhor.
— Seus pensamentos não condizem com o que fala, meu senhor.
— Haaah… maldito contrato.
Ando até a sala de jantar. Embora tenha sido preparado tudo às pressas, a mesa está bem farta. Sento-me na cadeira, na ponta da mesa, de frente para Drake, e com Darnys e as crianças logo ao meu lado.
Comemos tranquilamente, apesar do olhar preocupado de Darnys não desaparecer conforme prosseguimos com a refeição. As crianças me contam sobre o aprendizado de artes marciais e como estão progredindo na esgrima. O sorriso estampado no rosto deles é impagável.
Após algumas risadas e histórias antigas sendo contadas, limpo a boca com um guardanapo, apoio a mão no queixo e observo Drake por alguns segundos.
— O que aconteceu?
Ele não abre a boca. Gesticulo para que as empregadas saiam e levem as crianças para outro lugar. Posso notar Darnys apertar a parte do vestido com as mãos. Alguma coisa está acontecendo.
— Algum problema? — pergunto novamente. Drake solta um suspiro pesado, me olhando seriamente.
— São os bárbaros… — Ele cerra os punhos sobre a mesa. — Vigias de Rosorga avistaram centenas de milhares entre a floresta. Um grupo de mercenários a caminho de Rosorga, guiados por Dominik, se depararam com eles… — Dominik… um bom esgrimista. Embora não possua aptidão para magia, ele é bem forte. — Todos eles, sem exceção, foram mortos.
Centenas de milhares de bárbaros, hein?! O que planejam fazer? Deveriam estar em Dasgud. O ataque na periferia não foi mero acaso por estarem de passagem então?!
— Coloquei guardas de vigia na divisa da floresta — continua Drake. — E também contratei alguns aventureiros para ficarem de olho dentro e fora.
— Essa movimentação repentina… Eles por um acaso não estão planejando…
— Sim! — Lança um olhar preocupado para Darnys. — Pelo rumo que estão tomando, estão vindo para cá.
Luke
Acordo com a leve brisa do vento batendo em meu rosto. Já amanheceu? Meu corpo todo dói. Parece que não dormi muito bem essa noite. Malditos pesadelos! Levanto-me devagar, arrastando-me pela cama gigantesca, e solto um bocejo prolongado. Olho para o lado de repente.
— AAAAAH! — grito assustado, caindo da cama.
— Bom dia, jovem mestre — diz Jya.
Ela se encontra parada no pé da cama, olhando profundamente em meus olhos, estática, trajada com uma roupa de empregada comum.
— Por favor…, não faça mais isso… — falo, me recuperando do susto.
Ela move o rosto concordando. Ando até a bacia d'água para limpar meu rosto e vejo mais de perto suas características. Cabelo curto e escuro, olhos profundos da cor do mar e uma pele pálida.
Desço até a mesa e Vrismich está sentada do outro lado. Não converse comigo. Não converse comigo, por favor.
— Garoto… — Droga, ela falou comigo. — Poderia me passar esse creme ao seu lado?
— Ah! Claro, senhora…
— Vrismich.
Esqueci completamente seu nome. Apesar de possuir uma aura intimidadora, é uma boa pessoa, embora estranha.
— Sempre quis ter um neto… — diz. — Quer ser meu neto? — Como é que é a história, minha senhora? Estou completamente sem reação. Minha cara de espanto a faz ter um deleite de risadas. — Estou brincando, jovem. As crianças levam as coisas tudo a sério ultimamente. Meu filho disse que quando acordasse queria lhe ver no pátio.
Saio caminhando devagar, torcendo para que ela não fale comigo novamente. Sério. Não é nada contra…, mas sempre fico sem jeito quando estou perto dela.
Antes de abrir a porta que dá ao pátio, escuto um leve som de metais batendo um contra o outro. Vejo Claus sentado no gramado com um livro em mãos, e o barulho metálico ecoa novamente, fazendo-me levar os olhos mais ao lado do pátio.
Agnes está lutando contra Arlo, talvez um treino, já que ele é seu mestre. Ignoro, virando o rosto para frente quando Arlo me dá uma olhada de canto. Observando discretamente, Agnes esboça um sorriso feliz ao pensar que seu mestre abriu uma pequena brecha, mas recebe um pontapé na barriga, jogando-a para trás e caindo de bunda no chão.
— Queria me ver?
— Sim — diz Claus. Ele fecha o livro devagar, como se estivesse lendo até as últimas palavras enquanto junta a capa e a contracapa uma na outra. — Arlo, venha aqui.
— Será possível… que o garoto que treinarei discretamente… é ele? — Arlo franze a sobrancelha quando Claus balança o rosto concordando.
— Ele não quis me deixar ser seu mestre uma vez, o que mudou?
— Nada… Ainda não quero — respondo, cruzando os braços e o encarando de lado. Ele me observa de cima a baixo com um olhar semicerrado.
— Tsc! Viu só? Ele não quer minha ajuda — fala Arlo, tinindo de raiva.
— Não confio em você — declaro.
— Essa é a primeira vez que vejo alguém confrontar um general de Dream… e ainda por cima é uma criança. Nem mesmo Agnes fez isso. Que coisa, não?! — Claus mostra um tom debochado olhando descaradamente para ele.
— Claus… dá para calar a boca um pouquinho? — Consigo ver o olho esquerdo de Arlo piscar sem controle.
— Veja bem, Luke — Claus ri —, confie em mim. Arlo é meu melhor amigo desde que me conheço por gente, confie nele. Se não puder… confie em mim.
Pedindo assim, é até uma ofensa recusar. Além do mais, Claus fez o bastante só por me deixar ficar debaixo do seu teto. O mínimo que posso fazer é demonstrar confiança.
— Haaah… — Suspiro. — Irei aceitar porque é você que está pedindo.
Arlo sorri discretamente.
— Não é assim que as coisas funcionam. — Ele anda até um barril, onde há algumas espadas e lanças de madeira. — Você terá que provar se tem algum valor em lhe treinar. — Aponta para o barril. — Escolha sua arma, ou o pirralho tem medo de se machucar?
Qualquer pirralho de cinco anos teria medo de se machucar, teu lunático filho da puta.
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