Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 18

Arlo

O garoto entra na arena e caminha até o barril, encarando-me de canto. Não há dúvidas. Tenho certeza de que esse garoto tem sangue Drakhar nas veias. Ele olha por cima do barril na ponta dos pés.

— Quer ajuda aí? — Rio.

— Não precisa, já achei.

Retira uma espada curta de madeira.

— Sábia decisão, pirralho.

— Hah… duas vezes.

— Como?

— Me chamou de pirralho duas vezes.

— E o que vai…

Antes de terminar de falar, ele desaparece da minha frente e surge atrás de mim em um piscar de olhos. Quando que ele… O garoto me ataca com a espada de cima para baixo, pulo para trás com os olhos arregalados. Não tem porque não acreditar agora… Ele despertou!

A mana se contorce à sua volta, rodeando todo o corpo dele. Isso faz com que meu sorriso se abra.

— Muito bem! — Rio. — Garoto, você tinha minha curiosidade, mas agora tem minha atenção — digo com um sorriso estampado de orelha a orelha.

Estendo meu corpo para dar um passo à frente, porém paro por uns instantes. Uma sensação estranha me rodeia. É a mesma de antes, quando o chamei para dentro da floresta. O que é esse sentimento? Estou assustado? Não me faça rir. Sou o quarto general de Dream! Eu… com medo de uma criança? Isso é loucura!

Ele fica parado, empunhando a espada à frente do corpo minúsculo. Que aura assustadora. É quase como se… esse garoto possuísse a aura de um guerreiro com décadas de experiência em batalha. Eu o analiso. Possui uma boa postura, embora estranha. Está usando mana para fortalecer seu corpo e melhorar seus movimentos. Isso explicaria aquela velocidade absurda dele. Ele parece ter uma grande presença em sua sombra. Esse menino será forte!

Abaixo a guarda, ando até o barril e guardo minha espada. Ele me olha confuso.

— Você passou…

— Co-como?

— Acreditou mesmo que eu lutaria com uma criança de cinco anos? Sou um general, garoto. Consigo saber o potencial de alguém só de olhar. — Eu me aproximo dele. — Vi o seu desde o acampamento bárbaro. — Claus está tão sorridente quanto eu. — Claus já mediu o nível do seu núcleo?

— A-ainda não…

— Amanhã trarei uma pedra de Arrybrath.

— Uma… o quê?

— É uma pedra cristalizada usada para medir o estágio do seu núcleo de mana — responde Agnes. 

— Quando uma pessoa desperta, ela possui um núcleo zero. É chamado assim, pois não há a existência de mana nele. Mas, olhando para como você manipula ela a seu favor, acredito que esse não é o caso aqui. Amanhã nos veremos de novo. Sabendo seu nível, poderei montar um treinamento adequado.

Luke

A neve cobre o horizonte. O céu brilha em um vermelho sangue e ouço gritos aterrorizantes e cheios de agonia vindo de todos os lados. Estou correndo sem parar, extremamente cansado e consumido pelo frio. Meus cílios estão pesados e endurecidos pela neve.

— Corra mais rápido, Arial… — Escuto a voz de uma mulher atrás de mim. É o timbre de minha mãe.

Estamos sendo perseguidos por homens de mantos e armaduras cinzas, segurando espadas e cajados. É o exército sombrio de Delgron. Malak está coberta em chamas, nem mesmo a neve forte que cai é capaz de apagar o fogo que se estende cada vez mais.

Um brilho no céu ressoa em um trovão. Olho para cima e uma lâmina de raios voa em minha direção.

— Haaah... hah... hah... — Levanto desesperado. De novo isso… Já estou ficando farto dessas lembranças antigas.

A porta do quarto se abre, e uma empregada entra vendo meu corpo coberto de suor.

— Jovem mestre… — Escuto a voz calma de Jya.

— Não se preocupe, apenas tive outro pesadelo.

Vou ao banheiro como de costume. Sempre acordo coberto de suor, então tomo banho de manhã.

— O senhor tem esses pesadelos frequentemente? — pergunta Jya.

— Desde que cheguei aqui, vem acontecendo com frequência — respondo calmamente. — Onde está Agnes?

— Está esperando o senhor, jovem mestre...

— Já disse que não precisa ser tão formal comigo, Jya.

— Está bem. — Ela sorri, um sorriso doce e elegante que acalmaria até mesmo um homem à beira da morte. Nem parece uma completa psicopata.

Nós seguimos direto para o pátio. Arlo me espera junto de Claus e Agnes.

— Acordou, bela adormecida? — fala Arlo sarcasticamente.

— Tsc... Irritante.

— Como é, pirralho? — Consigo ver as veias saltarem do pescoço dele. Que sensação ótima deve ser a de ficar com raiva de uma criança. Eu rio. Sou o melhor.

— Trouxe o cristal de Arrybrath? — questiono.

Arlo retira um saco de pano preso à cintura e pega um cristal transparente, com as pontas pontiagudas.

— Com isso, saberemos em que estágio está seu núcleo.

— O que tenho que fazer? — pergunto, pegando o cristal de sua mão.

— Injete mana, e o cristal brilhará. Quanto mais intenso for o brilho, maior será o estágio do seu núcleo.

Posso perceber a leve ansiedade de Agnes ao vê-la mexer os dedos uns nos outros, assim como Claus também está sem despregar os olhos do cristal em minha mão. Jya parece me analisar a cada movimento que dou. Os olhos dela me fuzilando chegam a arrepiar minha espinha.

Começo a reunir mana ao redor, e o brilho no cristal surge lentamente, é um brilho fraco.

— Suponho que você ainda está no estágio zero… — Arlo para no mesmo instante em que o cristal brilha mais intensamente.

— Co-como isso é possível? — indaga Agnes.

A pedra cai da minha mão e eu me sento no chão, ofegante. Arlo sorri, como de costume.

— E-e então?

— Esta é a primeira vez que vejo algo assim… — fala Claus perplexo com o resultado. Jya demonstra um olhar intrigado, boquiaberta.

— Garoto... Posso perguntar se alguém lhe treinou depois que despertou?

— Nin-ninguém me treinou...

Nesse momento, posso jurar que senti Jya analisando minhas palavras, tentando saber se falo a verdade. Bem, fui treinado por Ekóz, mas isso foi quando eu era Arial Blake. Tecnicamente aqui, em Alduin, nunca recebi qualquer tipo de treinamento.

— Você é um caso inexistente…

— O que quer dizer com isso?

— Mesmo sem ter um treinamento adequado, alcançou o primeiro estágio após o despertar e está quase avançando para o estágio dois…

— Isso é ruim?

— Crianças só despertam aos nove anos. Em casos raros, algumas despertam aos sete, porém todas possuem algo em comum...

— Que seria?

— Todas começaram no estágio zero, porém você... não só despertou aos cinco anos, algo que ninguém nunca ouviu falar desde o surgimento da mana, como também iniciou no primeiro estágio. — Arlo suspira por um momento, como se estivesse com uma grande dor de cabeça. — Quando alguém desperta pela primeira vez, elas passam por um treinamento para aumentarem seus estágios. Algumas conseguem passar por eles com facilidade, mas somente aquelas com talentos excepcionais. Outras levam anos para avançarem, entende o que quero dizer?

— Ninguém… — Abaixo a cabeça pensativo. — Ninguém pode descobrir... sobre meu despertar?!

— Parece que você entendeu. Deixarei isso entre nós. Céus, nunca imaginei ter que mentir para o rei. — Suspira Arlo novamente.

O clima fica tenso por um instante. Um general do império dizer que terá que mentir para o rei de Dream não é algo que qualquer um deles faria. Pelo que parece de sua reação, o plano original era contar para o rei que eu havia despertado aos cinco anos, mas, caso isso fosse relatado, não seria uma sábia decisão. E ainda tem a amizade dele com Claus, que, pelo que parece, vem de uma longa data…

O grande problema aqui é… Olho para Jya sem expressão alguma, o mesmo semblante que faz toda vez. Não há motivo para ela não contar isso para alguém da sua família. Preciso que nossas posições sejam as mesmas.

Haah, terei que conversar com ela.

— Falando em estágios... em qual você está, irmã Agnes?

— I-irmã?! — Ela fica chocada, porém, por dentro, tenho certeza de que está gritando de felicidade. — Ahem! Sua irmãzona aqui está quase no estágio três, no primeiro círculo.

Estágio três com onze anos... Ela realmente é incrível. Agora entendo o porquê de Arlo querer manter segredo do garoto quase no estágio dois com cinco anos.

— Venha, garoto, o inferno começa agora.

Enquanto os outros seguem para a arena, fico parado, esperando Jya passar por mim. Eu seguro seu braço e a puxo para perto, chegando bem próximo do seu ouvido.

— Sei quem você é de verdade, Jyaya Giguar… — Ela se assusta, uma expressão que nunca a vi fazendo desde que a conheci. — Agora, nós compartilhamos segredos um do outro, espero que sejamos melhores amigos daqui em diante… — Eu me afasto com um sorriso no rosto, observando a surpresa estampada na cara de Jya. — Por favor, não me mate quando eu estiver dormindo — completo sarcasticamente.

— Sabia que alguém tinha me seguido naquele beco. — Jya sorri. — Só não tinha noção de que seria você, jovem mestre. — Ela anda até os outros. — Você se preocupa demais, não farei mal a você.

Por algum motivo, sinto que ela está dizendo a verdade. Vou até o local em que os outros estão.

— Muito bem! Garoto, para começar, preciso saber qual seu tipo elementar.

Arlo explica que é o elemento que tenho afinidade. O teste é realizado por cristais elementais, que possuem o atributo dos quatro elementos. Caso os cristais não se ativem, há uma pequena probabilidade dessa pessoa ser um mago ábsono. Essa categoria controla elementos que não se encaixam nos outros quatro, como raio, gelo, gravidade, entre outros.

— Se for assim, não será necessário realizar o teste — implemento.

— Por que não? — pergunta Claus, tombando o rosto de lado. 

Ergo minha mão para ficar na vista de todos. Faíscas se formam lentamente nela, transformando-a em um campo concentrado de eletricidade.

— Tem uma grande sorte ao seu lado, garoto. São poucos os magos que conheço que são ábsonos.

— Você não parece estar muito surpreso, diferente deles… — falo vendo a indignação de Claus e Jya. Agnes já sabia, ela apenas manteve o sorriso orgulhoso de “fui a primeira a saber, sintam inveja”, ou algo do gênero.

— Se eu for ficar surpreso cada vez que você fizer algo, ficará cansativo… para mim — completa Arlo. Minha única reação é dar um sorriso forçado meio sem graça. — Ensinarei como o controle de mana funciona, magias básicas do elemento raio, mas, é claro, precisarei pesquisar um pouco sobre o assunto, pois nunca tive que ensinar alguém ábsono.

Arkus Drakhar

Fico de longe ouvindo o barulho dos cascos dos cavalos os levarem embora na carruagem. Hannah e Arkion acenam pela janela enquanto partem. Glake passa por eles, saudando-os com uma reverência, e passa direto, vindo em minha direção. O que o mordomo da família Pendragon veio fazer em minha residência?

— Senhor Arkus — diz, cumprimentando-me com uma reverência.

— O que o mordomo da família Pendragon tem a tratar comigo? — questiono em um tom áspero.

— É um assunto delicado…

Eu avalio seu olhar e tom de voz.

— Hum?! — Acaricio a barba. — Venha, discutiremos isso lá dentro.

Betham nos serve uma xícara de chá. Nós dois nos sentamos um de frente para o outro, ele bebe um pouco e me encara.

— Então, que assunto delicado seria esse?

— A senhorita Agnes levou um garoto para a casa Pendragon… Cinco anos de idade e… sobrevivente do acampamento bárbaro.

Lembro-me na hora da carta que recebi e fico ouvindo atentamente cada palavra.

— Bem, ele disse querer me ver pessoalmente?

— Sim, senhor — diz, bebendo a xícara de chá. — O mais estranho, sr. Arkus, é que suas aparências não são muito distintas. — Meus olhos brilham. — Os mesmos cabelos negros e olhos carmesins como sangue — ressalta Glake.

— Onde está o garoto agora?

— Está atualmente hospedado na casa Pendragon.

— Verei com meus próprios olhos essa criança — digo sorrindo levemente.

Arrumo-me e parto para a casa Pendragon o mais rápido que consigo. Será que realmente é ele? Quanto mais penso nisso, meu coração acelera e o frio na barriga surge. A carruagem passa pela casa e vai até o fundo, onde escuto o barulho de um estrondo.

Minhas pupilas dilatam ao testemunhar tal cena. Vários bonecos de pano completamente queimados em volta de uma criança de cabelos negros, exausto. Mais de longe estão Claus, a jovem Agnes, Vrismich, que chega aos poucos, juntando-se a eles, e uma empregada. E na arena, com os braços cruzados, está Arlo. O que o quarto general de Dream faz aqui?

O garoto levanta a mão novamente e raios surgem em torno dela. Ele dispara em um dos bonecos de pano, é como aqueles raios que caem do céu atingindo o chão. A carruagem para e percebo os olhares.

— Anuncio a chegada do sr. Arkus Drakhar — diz Glake.

Saio do veículo com um quimono preto, dando vida aos meus olhos vermelhos. O garoto me observa confuso. Vou até ele com um olhar sério e começo a exalar mana ao meu redor, causando um pouco de pressão mágica.

Sinto que ele está a ponto de desabar perante meu poder mágico…, mas, esse garoto... Interessante. Ele fica de pé, lutando com todas as suas forças para ficar me encarando diretamente nos olhos. Quando fraqueja ao menos um pouco, o brilho vermelho de seus olhos exala em uma cor vibrante e volta a me encarar diretamente.

— Rhum… — Esbanjo um sorriso. — Você realmente possui nosso sangue. — Começo a diminuir a mana soltada lentamente.

— Hunf… Hunf… — Ele ofega um pouco.

— Finalmente te encontrei, garoto.

— O-o quê?

Eu me ajoelho na sua frente e o abraço.

 


 

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