Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 16

Luke

O campo de tulipas à minha frente é vasto. As nuvens se armam para uma tempestade, e o vento frio chega aos poucos.

— O que está fazendo aqui?

— Freya? — Eu me viro, deparando-me com seu rosto quase colado ao meu, o que me faz recuar um passo para trás.

— Está com vergonha? — Ela se aproxima com um sorriso sutil, encarando-me maliciosamente. — O que foi? Achei que não teria problemas em te dar um beijo. Não quer?

— Nã-não é isso… é que foi muito repentino. Assustei-me, apenas isso. — Coro. Minhas bochechas ficam tão vermelhas quanto uma maçã.

Suas mãos estão para trás, como se segurasse algo. Freya me rodeia duas vezes e me encara novamente.

— Aqui — diz revelando as mãos. — É um presente.

Ela segura um colar no formato de uma espada. Quando o toco, Freya desaparece.

— Freya?

Tudo à minha volta fica cinza. E, diante de mim, está um homem. Cabelos compridos cinza e os olhos da mesma cor.

— Você irá perder tudo…, Arial — diz, erguendo a espada.

— Delgron! — Armo a guarda, mas, quando dou por mim, me torno uma criança novamente.

Agora estou em uma pequena aldeia, rodeada apenas pela neve e uma pequena tempestade de vento.

— Arial, venha comer, filho. — Escuto a voz aconchegante de minha mãe vindo de dentro da cabana que costumávamos morar.

Ao abrir a porta corrediça feita de bambu, avisto sangue espirrado nos cantos da parede e o corpo dela caído no chão.

— Não. Não. Não. Isso de novo não!

— Maninho?

— Kora? — Olho para trás rapidamente e vejo minha pequena irmã segurando seu urso de pelúcia vermelho. Com os olhos alargados e caídos em completo terror e desespero.

— Por que… por que, maninho… — Sua voz soa sutilmente em um tom baixo. — Por que você os deixou nos matarem?

De repente, fico parado na frente de uma pilha de corpos e caio de joelhos observando o mar de sangue ao meu redor. "Tudo está se repetindo", falo para mim diversas vezes.

Até que levanto com o corpo coberto de suor e com minhas mãos apertando o lençol da cama. Estou no meu quarto, na casa Pendragon. Foi só um pesadelo. Apenas um sonho ruim… não. Não foi. Aquelas coisas aconteceram. Todos morreram porque não fui forte o bastante. Minha mãe, a pequena Kora…, todos eles se foram por minha causa.

A angústia toma meu peito, porém nenhuma lágrima cai, como se tivesse uma enorme barreira a impedindo. Arrasto-me pela cama, e vou em direção à porta, saindo de frente ao corredor, no qual me deparo com Jya e outra empregada.

— Jovem mestre — fala, surpresa, a outra empregada. — O senhor não deveria se levantar tão imprudentemente.

Ela se abaixa na minha frente, observando meu corpo, rosto e cabelos, que provavelmente devem estar bagunçados. Por algum motivo, desvia o olhar, deve ser porque seus olhos encontraram os meus. O vermelho carmesim dele sempre assusta as pessoas.

— Jovem mestre, deveria vir conosco. — Jya caminha em direção ao banheiro.

A empregada puxa minha mão e me leva até lá. Antes de fechar a porta, gesticula com o rosto, acho que sei quem irão chamar. A água está quente, o vapor exala de dentro da banheira de cerâmica.

“Uma dádiva…”, o que isso quer dizer? Eu tinha tantas perguntas que poderiam ser respondidas pelo dragão, mas tudo o que recebi de volta foi o silêncio.

Enquanto me visto com uma blusa de botões e uma calça preta, a porta do banheiro range e se abre. Agnes entra mansamente, aos poucos. Seus olhos brilham, porém, diferente de outras oportunidades, não pulou, gritou e nem mesmo me deu broncas. Apenas se inclina em minha direção e me dá um abraço apertado.

— Pensei que não fosse mais acordar — fala bem baixo.

— O dragão… — Seguro suas mãos não tão maiores que as minhas e direciono o olhar para o dela. — Ele me levou para o plano ancestral.

Eu queria poder dizer que sei bem o que é esse plano ancestral e essa coisa de sala primordial, mas não sei absolutamente nada.

Agnes me observa intrigada, ela parece já esperar por isso.

— Meu pai deseja vê-lo.

Claus

Um dragão reconheceu uma criança estranha como digna… Isso não faz o menor sentido. Há anos nem mesmo um único dragão apareceu na frente de um Pendragon. A última vez foi quando eu era criança, quando formei contrato com Dendryrth, o rei dos dragões.

O aroma do chá quente sobe, tirando-me dos pensamentos profundos. A leve brisa da primavera que rodeia Dream bate em meu rosto e, de longe, observo os bosques de flores se mexerem junto ao vento.

— Oya, parece que acordou — digo, observando Luke se aproximar. Bebo um pouco de chá e o ofereço. — Venha, junte-se a mim, por favor.

— Senhor Claus. — O olhar baixo e as pálpebras quase mortas demonstram que não teve um bom descanso. O ataque bárbaro deve o assombrar durante o sono.

Ele se senta à mesa, segura a xícara com ambas as mãos e olha ao redor.

— É vasto, não é?

— Perdão? — Luke me olha confuso.

— O tamanho do território Pendragon é apenas uma pequena extensão de todo o império de Dream. — Encaro o labirinto de arbustos, as estátuas de mármore espalhadas pelo jardim. — Você sabia que no império de Dream residem cinco das maiores famílias do continente de Kraykro?

— Agnes me contou algo sobre as cinco famílias, mas não sabia que elas eram as maiores... — O jeito que fala, age e se comporta não se parece nada com o de uma criança de cinco anos.

— As cinco famílias são as responsáveis por manter a ordem no Império, e cada uma delas toma conta de uma região de Dream. — Luke fixa os olhos em mim, atento. Normalmente uma criança de cinco anos não ligaria para essas coisas. Foi assim com Agnes, quando quis lhe contar um pouco sobre onde moramos. — Os Brastho, Egarvell, Rolfred, Vellferd e nós, os Pendragon, fazemos parte das cinco famílias mais renomadas de todo o continente.

— Aqueles dois que encontramos em Mighur são da família Rolfred — sussurra Agnes para Luke.

— Do que estão falando?

— Não. Nada não — ela responde meio sem jeito e ri, desviando o olhar e juntando a ponta dos pés.

Essa garota… sinceramente…

— Sabe o motivo de lhe chamar aqui, garoto?

— Deve ser sobre o dragão…

Garoto esperto. Não posso conter meu sorriso.

— Isso mesmo. Há séculos, nossa família foi a única capaz de se comunicar e tocar em um dragão — falo com convicção. Coloco a mão sobre a mesa e o encaro. — Sua existência muda tudo…

— Planeja me matar? — pergunta com um olhar sério e de lado. Posso sentir um leve ar de ameaça vindo daqueles olhos carmesim.

Estou mesmo conversando com uma criança? Acredito que não. Agnes me encara prendendo as risadas. Não aguento segurar e juntos soltamos gargalhadas, deixando-o confuso.

— Muito pelo contrário, garoto, vamos te proteger. Agora, você é como um membro da família, o dragão reconheceu isso… e nós também.

— Não vai me obrigar a casar com sua filha…, vai? — Ele encolhe os ombros, recuando um pouco da mesa.

— Minha filha é livre para escolher com quem vai se casar. Não sou preso a tradições antigas como as outras famílias — falo com um sorriso.

Luke suspira de alívio. Agnes começa a rir e põe a mão em seu cabelo.

— Eu vi isso, pirralho!

— Há algo que eu possa fazer para o novo membro da minha família?

Ele fica pensativo por um minuto, com o rosto inclinado para o céu.

— Seria possível… — diz, quebrando o silêncio. — Você consegue encontrar alguém chamado Arkus?

— Refere-se a Arkus Drakhar?

— Conhece ele?

— Não existe alguém no continente de Kraykro que não conheça esse velho rabugento…

O sorriso em seu rosto se alarga.

— Pode arrumar um encontro entre a gente?

— Posso ver o que faço…

— Queria lhe pedir outro favor…

Agnes

O que o Luke quer com Arkus? Sério. Aquele velho é tão sinistro, vivendo sozinho naquela mansão enorme, apenas com empregados para todos os lados. E tenho quase certeza de que ele pinta o cabelo. É impossível para um idoso desses ter um cabelo tão preto nessa idade.

— Chegamos.

Dou um jeito de arrastar Luke para o campo de treinamento que fica atrás da nossa casa, uma arena quadrada com lajes de mármore quadriculadas presas ao chão.

Enfiados em alguns locais, há bonecos de pano. Eu os uso às vezes para treinar com espada. São bastante úteis quando não se tem ninguém para um treino duplo.

— O que quer me trazendo aqui? — Luke analisa onde estamos. Ele dá pequenos saltos testando o piso.

— Quero treinar um pouco.

Fuço em um barril repleto de espadas de madeira de diversos tamanhos enquanto observo a pequena estatura da criança. 

— Acho que essa vai servir — falo, entregando uma que acho que se adeque ao seu pequeno corpo.

— Você quer treinar com um garoto de cinco anos? — Consigo sentir um deboche na sua curta pergunta.

— Sim, por que não?

— Haah… — Suspira. — Você é doidinha, sabia disso?

— Aham, meu pai fala muito isso — respondo com gritos internos.

— Já sei o porquê…

— Xiu, vamos ao que interessa. Quer que eu ensine você a pegar em uma espada?

— Não é preciso — diz, alongando seu braço direito. — Quando começamos?

Que jeito mais desajeitado de segurar uma arma. Nenhuma postura de defesa ou ataque…, terei que ensinar o básico pelo visto.

— Olha, não é assim… — repreendo. — Você deve colocar a espada na frente…

Luke sai em uma arrancada para cima de mim. Seu movimento repentino me assusta, fazendo-me descer a espada em um corte horizontal com mais força do que eu pretendia usar.

Essa não… Isso pode machucá-lo!

Ele dá um passo para o lado e a espada passa perto do seu rosto, o vento feito pelo meu movimento balança os cabelos negros dele e o brilho do seu olho carmesim acende, ressaltando um tom mais vibrante, como daquela vez.

Gira a espada na mão e acerta em cheio com a prancheta da arma minha barriga, derrubando-me no chão.

— Então? — pergunta, com a espada de madeira apontada para meu pescoço.

— Haah… — Suspiro. — Eu me rendo.

Levanto-me perplexa. Que movimento estranho foi esse?

— Como fez isso?

— Foi sorte — responde, calmo como um lago. O observo analisando a arma, passando as mãos entre o cabo e a lâmina. Sorte? Parecia que eu estava lutando com uma pessoa experiente o bastante para me passar medo apenas com o olhar… Sorte… Eu rio. Sorte… Aiai… Esse pirralho é um monstro.

 


 

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