Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 15

Luke

Eu sabia desde o início que não tinha sido um sonho. A sensação de toque ainda é a mesma. Encosto em seu rosto, e o dragão fecha os olhos. Pelo que Claus disse, eles só confiam nos membros da família Pendragon. Por que comigo é diferente?

Sinto o vento formado por sua respiração calma bater em meu peito, e algo, uma estranha sensação, me faz fechar os olhos. Então, na minha cabeça, começa a passar imagens, pessoas, soldados, elfos e seres desconhecidos travando uma batalha contra um homem e um exército.

Esse dragão está nessas lembranças, talvez sejam dele, ou dela. Um ar fresco toma meu olfato, a leve brisa do cheiro de flores de jasmim entra no meu nariz, fazendo-me abrir os olhos. Não há mais paredes, janelas ou lustres; apenas uma bela vista do campo verde recheado de flores distintas, nuvens abertas e um sol tranquilo.

Uma ventania forte se forma acima de mim, junto de uma sombra enorme. É o dragão me observando, parado no ar, batendo suas asas repletas de machucados há muito tempo cicatrizados.

— Onde… estamos? — pergunto, um pouco assustado e relutante.

O animal pousa, apoia os joelhos no gramado e se deita, com o rosto erguido para que possa olhar diretamente em meus olhos.

— Este… é o plano ancestral — diz, sua voz é doce e acolhedora. — O lar dos dragões, onde podemos viver em paz, mas, no momento, somente sua alma está aqui.

Ando pelo gramado, buscando um local em que eu possa me sentar.

— Por que me trouxe aqui?

— Para descobrir quem é você… — Ele hesita em sua fala por um momento. — Durante centenas de anos, somente os Pendragon podiam nos ver, porém você conseguiu me enxergar noite passada.

Estou confuso, completamente desnorteado. Primeiro, aquele lobo misterioso; agora, um dragão que descubro que aparece apenas para os membros da família Pendragon. Quem sou eu nessa vida? Ou… o que sou eu?

— Sou apenas um garoto que nasceu num bueiro, as pessoas nos chamam de lixo da sociedade, não sou ninguém…

Lúcia me disse que somos de um clã antigo, mas isso… é loucura. A brisa fresca balança os fios de meus cabelos negros, fazendo-me erguer o rosto para observar o lindo céu azul livre de nuvens.

— Há algo em você… — O dragão se aproxima com o rosto no meu peito. — No seu coração… há algo… alguma coisa que faz nós, as bestas de Alduin, o reconhecermos como digno da nossa presença, digno de confiança.

— No… meu coração…?! — sussurro para mim mesmo, lembrando-me vagamente de uma memória que não me importei muito daquele encontro misterioso que tive com o lobo. — Uma vez, um lobo preto com patas de águia tocou meu peito com o focinho dele… — O dragão fica surpreso, levanta-se e presta atenção em minhas palavras. — E sumiu de repente…

— Um lobo com pelos negros e dourados com olhos azuis… — murmura.

— Você o conhece? — Eu me levanto e me prostro à frente dele.

— Entendo… esse é o motivo. — Mira sua visão ao céu. Consigo enxergar a lua. — Ela te reconheceu como digno de receber essa dádiva.

— Que dádiva…?

— Não possuo mais tempo, meu poder está esgotando rápido — fala olhando em meus olhos. O amarelo reflete meu corpo como um espelho. — Criança, um dia nos encontraremos na minha forma física e te explicarei tudo que quiser saber. Vá aonde os antigos dragões repousaram, retire o selo e pegue o que foi perdido.

— Onde… Onde fica esse lugar?

— Nafras! — Seu corpo começa a brilhar e desaparecer, me lembrou uma miragem sendo desfeita. — Nos veremos logo…, criança.

Com essas palavras, ele desaparece. Abro os olhos e estou de volta ao salão — nomeado de a sala primordial. Na parede à minha frente, símbolos e riscos que antes não estavam começam a se formar. Pequenas estrelas, escritas rúnicas antigas — a língua dos dragões —, ao redor de um círculo mágico no formato de um dragão e, no rodapé, uma linguagem desconhecida que nunca tinha visto ou ouvido falar antes.

— Luke! — grita Agnes correndo até mim. Ela busca algo atrás de mim e logo desiste de procurar o dragão. — O que aconteceu? Para onde foi o dragão?

Ela me puxa pelos ombros, fazendo-me olhar para seus olhos, e se assusta.

— O que foi…? — pergunto.

— Luke… Seus olhos… estão dourados… Espera… voltou ao vermelho normal, o que foi isso?

— Eu… não sei.

— Garoto…, você está bem? — pergunta Claus se aproximando.

Eu quero te responder, senhor Claus…, mas… por algum motivo sinto meu corpo… pesado. Caio nos braços de Agnes e tudo que me lembro são de vultos e mais vultos do que aparenta ser ela chamando meu nome, enquanto me perco na escuridão dos meus olhos…

(...)

Hã…?! Estou no meu quarto? Ainda está tudo turvo, minha cabeça dói e não consigo abrir meus olhos. Está tudo tão… escuro. Isso me lembra daquela sensação, daquele ser.

— Agnes, jamais poderemos considerar sermos inimigos deste garoto. — Escuto a voz de Claus ao meu lado.

— Por… quê?

Agnes?

— Um dragão o reconheceu como digno, agora faz parte da família Pendragon. — Ouço os passos sendo dados indo em direção à porta. — Um insulto a esse garoto será um insulto à nossa família.

— Mesmo não tendo nosso nome?

— Ele possui algo maior do que isso. Luke… o que é você…? — Escuto seu sussurro.

Acredite, eu também gostaria de saber. E, por algum motivo, estou com tanto… sono…

 

Dominik

Estou acompanhado de um grupo de doze homens a cavalo. É noite, o ar frio faz meus lábios estremecerem, e minhas bochechas estão enrijecidas. O vento bate nas árvores fazendo um assobio sinistro. Todos nós estamos usando casacos de couro grossos, calças feitas com pele de veados, botas de veludo e luvas tão grossas quanto, mas isso não impede o vento de soprar em minha pele.

Carregamos tochas nas mãos para iluminar a estrada e eliminar o breu que nos cerca. Estamos a caminho de Rosorga, o reino dos anões, para convidar o rei e a rainha para um evento importante que irá acontecer em Dream. Quatrocentos anos se passaram desde que recitaram aquela magia. O que pode estar acontecendo em Kraykro que necessita deste tipo de fuga?

— Ei, Dominik — fala o homem ao meu lado. — Acho que vi algo. — Ele para o cavalo e todos fazem o mesmo. — Vi um vulto entre as árvores. — O homem balança a tocha, tentando enxergar em tanta escuridão.

Ficamos atentos, olhando cuidadosamente e pensando na possibilidade de ser algum monstro. Um deles desce do cavalo e se aproxima um pouco mais. Os animais estão inquietos, movimentam-se de forma estranha, como se estivessem vendo algo que não estamos.

— Não tem nada aqui — fala o homem, voltando para o cavalo. — Deve estar delirando pelo cansaço. — Ele ri.

Claro, estamos viajando há três dias e três noites para chegar em Rosorga. Chegaremos quando o sol se abrir além do horizonte. Todos estamos cansados, com fome e sede. Três dos cavalos se assustam, tentando empinar e correr para algum lugar. Com esforço dos mercenários que me acompanham, eles os detêm.

Começo a pensar que pode ser apenas um animal qualquer, até que escuto passos sendo dados entre a terra, e galhos sendo quebrados maliciosamente. Algo parece querer que saibamos que está ali.

— Tem algo conosco — falo, ficando em guarda. — Saquem suas espadas! — O tom sério em minha voz faz com que todos fiquem alertas.

O som do metal das espadas sendo desembainhadas fica mais agudo por causa do silêncio que nos cerca de repente. Nos colocamos em guarda, cada homem de costas um para o outro, para proteger a retaguarda de ambos. O barulho vem de todos os lados, a noite e o vento uivando nos nossos ouvidos está nos confundindo.

— Que droga é essa? — questiona o homem ao lado da floresta. Uma sombra surge na sua frente. — PEGUEM SEUS…

Antes de dizer as últimas palavras, a cabeça dele voa para longe ao som da lâmina esmagando sua carne. Sua voz ecoa em meus ouvidos em um timbre de carne sendo partida. Jogo a tocha no meio das árvores, e ela cai nos pés de uma pessoa. As botas têm pelos de animais e uma calça de couro fino. Entre o escuro, consigo perceber seu sorriso aberto entredentes.

— BÁRBAROS! — grito erguendo a espada.

— Matem todos! — Ouço-o falar.

Inúmeros bárbaros saem da escuridão da floresta. Eles nos cercam, deixando-nos sem uma rota de fuga. Observo os arredores e percebo as mãos dos homens ao meu lado tremerem. Frio? Não. Medo da morte.

Todos usam machados, clavas, espadas e martelos. Analiso a situação. É impossível tentar fugir. Não temos um mago, nem mesmo um aventureiro, e não possuo aptidão para magia. A chance de escapar daqui é… zero.

Um deles avança no homem perto da floresta, ele é pequeno e, se não fosse por seu cavalo, os bárbaros pareceriam gigantes para ele. O animal se assusta e dá um coice no rosto do bárbaro, fazendo-o cair de costas. Seus amigos começam a gargalhar ao ver o sangue jorrar.

— SEUS DESGRAÇADOS! — grita o rapaz ao meu lado partindo para cima deles e brandindo sua espada.

Ele a balança para baixo, acertando um dos bárbaros no pescoço, que cai se debatendo no chão, pressionando o corte com as mãos. Outros dois partem para cima dele, mas são golpeados pela lâmina e se afastam com um pulo.

Uma flecha passa na frente do meu rosto, posso vê-la em câmera lenta, e acerta o ombro do rapaz. Outra vem de trás, acertando o estômago. Vejo o sangue escorrer de sua boca e o olhar que dá para frente me encarando com o brilho da pupila apagado. Quando o corpo cai do cavalo, um dos bárbaros surge do escuro e corta a cabeça dele com um machado.

Droga, eu deveria esperar problemas nessa viagem…, mas imaginar que surgiriam tantos bárbaros não era um deles. Por ser uma viagem de risco, nenhum mago quis se recrutar para a missão, e os aventureiros não se interessaram no pagamento baixo. Todos que aceitaram são mercenários que não são aptos no uso de mana.

Um dos bárbaros usa seu colega no chão como apoio para pular em cima de um dos homens que tenta escapar atropelando os selvagens com o cavalo. Ele o agarra de lado e o derruba no chão. Seus colegas começam a pisoteá-lo e dar socos com barras de ferro pontiagudas presas aos dedos. Seu grito ecoa pela floresta em um eco silencioso.

Dois bárbaros se aproximam de mim, uso o cavalo para dar coice em um deles, e corto a mão do outro que segurava uma clava. Outro tenta me puxar para o chão, tiro uma faca da coxa e a enfio em sua mão. Mais distante, vejo um selvagem mirando em mim com uma flecha, mas é tarde, não vou conseguir desviar do tiro.

Fico de pé em cima do cavalo e pulo para trás com um salto. No ar, jogo a faca que atravessa a cabeça de um. Caindo no chão, corro para frente e movo a espada para os dois lados matando mais dois.

A flecha é atirada e vem direto em meu peito. Desvio de lado e a seguro com a mão esquerda, a giro no ar e a enfio no peito de outro. Observo os arredores e vejo os bárbaros derrubando o restante dos homens e os matando. Apenas eu estou de pé, coberto de sangue selvagem e com uma espada desgastada em mãos. Tento controlar a respiração, me acalmar. Não importa por onde eu olhe, não há rota de fuga.

— Esse aí está dando trabalho, hein? — Escuto a voz vindo de trás de mim.

Eu me viro no mesmo instante e defendo o golpe do machado dele. É tão forte que sou jogado para trás. Ele é alto, cheio de músculos e cicatrizes. Possui um cabelo esverdeado trançado que chega até seus joelhos.

O bárbaro eleva o braço esquerdo para trás do ombro e retira outro machado. O sorriso diabólico em seu semblante me assusta. Ele parte pra cima golpeando os machados de cima para baixo, eu defendo colocando a espada na frente do rosto, e posso ver os fios das lâminas bem de perto. Ele é forte. Os músculos não são apenas enfeites.

Recuo pelo lado, pego terra do chão e a jogo em seus olhos, aproveito o momento que cambaleia e dou uma estocada para frente, atingindo o ombro esquerdo dele. Consigo escutar as risadas sendo dadas pelas minhas costas. Desvio o olhar por um momento, e esse é meu erro. Seu braço direito sobe com força e velocidade, erguendo o machado mais rápido do que consigo recuar para trás.

Minhas roupas são preenchidas por uma sensação quente, molhada e vermelha. Droga! Cometi um erro… Uso a mão esquerda tentando manter o sangue dentro do meu corpo, claro que é inútil. Estou perdendo muito sangue, sinto minhas vistas embaçarem e meu corpo está ficando cada vez mais mole.

Não! Não posso morrer… não… não agora! Vou matá-los. Eu vou matá-los, um por um caso seja necessário.

— Foi um bom golpe. — A voz dele é grossa e aguda. — Agora sei porque você deu um pouquinho de trabalho para meus irmãos. — Ele passa o indicador no local em que o sangue escorre em seu ombro e prova. — Façam!

Ouço um barulho estranho. É como se uma lâmina tivesse me atravessado… Espera… O que é isso…? Vejo meu sangue pingar da lâmina que atravessa minha barriga. Caio de joelhos, e o sangue escorre pela boca.

— Não entenda errado. — Ele se abaixa na minha frente, colocando meu rosto para cima e puxando meus cabelos. — Só estou pagando o que fizeram para meus queridos irmãos. Você está com o uniforme real de Dream…. Irei incendiar suas casas, estuprar suas mulheres e matar seus filhos. Sim! Irei destruir Dream e todas as pessoas que estiverem lá dentro!

— Mu… Muri…el…

— Muriel?! — Ele ri. — Não se preocupe. Vou mandá-la logo, logo para ficar ao seu lado.

— Cof. Cof. — Tento rir, mas o sangue quase não me deixa falar. — Vo… cê e que… exército? — Rio.

Ele sorri. É o sorriso mais diabólico e psicótico que já presenciei em toda minha vida. O bárbaro se levanta, caminha até o pé da floresta, da entrada de onde saíram, e, como se fosse o céu estando do lado deles, um trovão clareia mais da metade do breu entre as árvores.

Dezenas… não, centenas de bárbaros escondidos na floresta surgem e desaparecem em um flash de luz. Desde o começo era impossível sair daqui com vida. Impossível. O sorriso dela vem à mente por alguns segundos, com aquelas mãos pequenas que seguravam meu rosto quando eu chegava da patrulha, e aquele sorriso meigo e gentil.

— Saiba o nome do homem que irá cortar sua cabeça em duas, soldadinho do império. — O bárbaro pega o machado caído no chão. — Eu sou Yolvkof, o carrasco! E serei eu a dar um fim no império. — Em gargalhadas horrendas, ele ergue o machado.

Muriel…, perdoe seu pai. Não vou poder cumprir aquela nossa promessa de…

 


 

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