Volume 1
Capítulo 13
O sol aparece pela manhã, e desde aquela hora não consigo pregar os olhos para dormir. Alguém bate na porta, ela se abre e o mordomo da família aparece.
— Jovem Luke? Está na hora de levantar. — Entra com um sorriso amigável. — Ora, que olheiras são essas? Não dormiu direito? Isso é um problema. Crianças da sua idade precisam descansar bem.
Coloca um balde com água em cima da mesa redonda de madeira e me entrega uma pequena toalha. Levanto-me da cama, meio sonolento.
Fwaa!
— Que bocejo, jovem Luke. Quer que o deixe descansar um pouco mais?
— Não precisa… — Lembro-me que ainda não sei o nome do bom senhor. — Como posso chamá-lo? — pergunto molhando a toalha e a levando ao meu rosto.
— Glark, jovem Luke.
Sua postura sempre se mostra firme e ereta, parece sempre manter o olhar para além do horizonte.
— Por favor, me chame somente de Luke.
— Muito bem. — Acena com o rosto concordando.
— Aliás, onde está Jya?
— Saiu para fazer algumas compras.
— Entendi.
Nós saímos do quarto, com Glark me guiando pela casa. Vamos para a sala de jantar, em que é realizado também o café da manhã. Fico surpreso. Agnes não está ao redor da mesa. Em vez disso, apenas duas pessoas estão sentadas em assentos distintos.
Um homem robusto, de cabelos loiros e curtos, olhos tão violeta quanto os de Agnes. E uma senhora, com cabelos loiros tão claros que parecem brancos, os olhos da mesma cor e algumas marcas no rosto que entregam sua idade avançada.
Ele me direciona um olhar calmo, colocando a xícara de chá em cima da mesa de vidro, e me analisa por alguns segundos, até perguntar:
— Quem é essa jovem criança, Glark?
— Um pequeno amigo de sua filha, meu senhor.
— Oh, Agnes possui amigos, então? Embora seja um pouco… pequeno demais, não é mesmo? — fala a senhora, com um tom de sarcasmo e uma risada fraca.
— Muito prazer, meu nome é Luke. — Eu me curvo, colocando a mão direita no peito e a outra nas costas, os cumprimentando. — É um prazer conhecê-los.
— Oh, vejo que possui etiqueta — fala o homem com uma voz firme. — É de alguma família das redondezas?
— Não, senhor…
— Bom dia pra vocês dois — diz Agnes enquanto entra na sala bocejando. — Vejo que não preciso mais apresentá-los.
Ela faz um gesto com a mão para que eu me sente junto a eles. Agnes age naturalmente, coloca um pouco de suco no copo, corta uma fatia de bolo e pega um garfo e uma faca.
— Pai, Luke poderia morar com a gente?
— Glup! — O homem engasga com a bebida. — O que quer dizer?
— Bem…, é que…
Ela explica os acontecimentos da missão que têm relação com o ataque dos bárbaros. Claro, em momento algum toca no assunto de que sou uma criança despertada, conta apenas o necessário para que seu pai se sinta um pouco menos frio e deixe que eu conviva com eles.
Os dois escutam atentamente, e toda vez que ela toca em meu nome, o homem me olha com brilho nos olhos. Acredito que, se só houvesse nós dois aqui, e fosse eu contando minha história, ele desmoronaria no choro. Apesar da aparência empoderada e rígida, posso ver que tem um coração mole.
Em compensação, a senhora não se contém e consigo vê-la enxugando algumas lágrimas com um lenço. Entendo agora a razão de Agnes possuir um bom coração.
— Bom, se você gosta tanto assim dele, não vejo problemas.
— Sério? Obrigada, pai…
— Contudo… — ele me encara com um sorriso —, para permanecer nesta casa, essa criança precisa se tornar forte. Nossa família não tolera os fracos que sobrepõem os outros usando a autoridade de outra pessoa.
— Senhor… — Eu me levanto e fico de frente para ele. Uma sensação calorosa cai sobre mim. — Garanto que jamais usarei o nome dessa família para causar algum problema à Agnes. Tem minha palavra de que serei um bom hóspede, prometo.
Embora eu nem saiba o sobrenome deles, isso não importa agora. Preciso manter uma boa aparência com o patriarca. Eles parecem ter bastante dinheiro, posso usar essa oportunidade para conseguir equipamentos melhores e uma boa espada. Sou um espadachim no fim das contas, mas, sem uma espada adequada, não passo de um zé-ninguém.
Ekóz me ensinou uma lição valiosa em vida. Se uma porta de oportunidade surgir na sua frente, abra chutando com os dois pés para que ela simplesmente não desapareça. Então, como vai reagir a essa resposta?
— Então já que é assim, seja bem-vindo à família, Luke. — O homem se levanta e estende sua mão para um aperto. — É um prazer conhecê-lo, me chamo Claus. Essa senhora sentada é minha mãe, seu nome é Vrismich.
— É um prazer, senhora Vrismich.
É só isso? Ele não vai demonstrar nenhum pingo de hostilidade contra mim? É porque sou apenas uma criança? Não. Não pode ser, deve ter um motivo a mais por trás dessa recepção calorosa com quem acaba de conhecer. Ficarei quieto por enquanto.
Aperto sua mão, ela é firme e cheia de calos, vejo que treinou bastante. Volto à mesa para comer um pedaço de bolo. Agnes devora tudo feito um animal, onde está a jovem dama de agora a pouco?
— Agnes, quando será o teste para se tornar uma cavaleira?
— Daqui três meses.
— Entendo, espero que tenha ficado mais forte.
— Sim, o mestre Arlo é um bom professor.
— Que ótimo.
Algo é estranho nessa família. Embora Claus tenha essa aparência hostil, ele sempre mantém um sorriso franco no rosto, contudo seu olhar é muito astuto, parece sempre estar observando o arredor.
— Luke, vamos a um lugar — fala Agnes.
— Aonde exatamente?
— Compras.
— Eh?!
— Pai, levarei um empregado comigo para carregar algumas coisas.
— Ah, certo. Tudo bem, querida.
Ela se levanta da cadeira bruscamente e agarra meu braço, puxando-o com toda força e me arrastando pelos ares como se eu fosse uma folha de papel.
— ES-ESPERA EU TERMINAR DE COMER MEU BOLO…
Diz que vamos para Mighur. A capital de Dream é algo que jamais pensei em ir tão novo assim, que ótima chance. A casa dela não fica muito longe, apenas dez minutos a pé basta para conseguirmos chegar aqui. Andamos mais um pouco até parar em uma loja cheia de manequins do lado de fora. Com letras curvadas e sublinhadas, acima da loja está escrito “Rhalmark”.
Ao abrir a porta de vidro, o barulho de sino entoa, e, em alguns segundos, um homem surge à nossa frente.
— Olha, que honra receber a senhorita na minha loja novamente.
Ele possui cabelos avermelhados penteados para trás, veste um terno elegante com uma plaquinha no peito escrito “Rhalmark” e usa um monóculo no olho direito e um bigode Handlebar que destaca sua presença.
— Bom dia, senhor Rhalmark – Agnes o cumprimenta.
— E esse jovem seria?
— Luke…
Ele me cumprimenta de volta com um gesto do rosto. Ela explica que gostaria de comprar algumas peças de roupas que ficassem bem em mim e também pede vestimentas especiais para treino de combate que suportem raios.
Ele não entendeu o motivo exato para tal pedido, creio eu, mas não fez sequer uma pergunta. Contudo, como algo relacionado ao elemento raio é raro de conseguir, falou que precisaria de três dias para achar os materiais necessários. Pouco tempo para encontrar os itens e fazer uma coisa rara? O quão bom esse velhote é?
Passamos horas dentro da loja, testo tanta roupa que perco as contas de quantas são.
— Voltem sempre. — Despede-se com um aceno, observando a garota me arrastar como uma pobre criança.
Ronc!
— Está com fome? Conheço um ótimo lugar para almoçarmos.
Agnes entrega as sacolas de compras para o empregado que nos acompanha e pede para que leve para casa. Depois disso, sai me arrastando pela cidade novamente. Que gasto desnecessário, sério.
O restaurante é rodeado por janelas de vidro que mostram todo o interior. Por dentro, há inúmeras mesas redondas de madeira imbuídas com detalhes em ouro, cortinas elegantes e flores espalhadas, o que o torna um lugar calmo e refrescante.
Quando entramos, as pessoas param o que estão fazendo e direcionam o olhar para nós, ou melhor dizendo, para Agnes. Ela apenas sorri, continua andando até uma das mesas no centro, e se senta.
— Não ligue muito para isso — diz.
Junto-me a ela e analiso em volta. Todos, sem exceção, começam a cochichar entre si. Tento os ignorar pegando o cardápio sobre a mesa… e… por que as coisas são tão caras aqui?
Encaro Agnes e ela está emitindo um olhar vibrante e orgulhoso. Garota rica do caralho. Alguns minutos se passam e uma moça bonita vem até nós.
— O que desejam?
— O de sempre, e você?
— O mesmo que você.
Sem reação, é assim que me encontro neste exato momento. Nem com os três escudos de Yuhai me senti tão deslocado assim. Haaah… vida de rico não é pra mim.
— Já que estamos aqui, me lembrei de algo que você iria adorar ver.
— Hum… O quê?
— Depois que comermos, você verá. — Faz uma risada maléfica.
Garota estranha.
Assim como ela disse, após comermos, saímos do restaurante e seguimos em linha reta. Há uma fila de pessoas mais à frente, esperando ou vendo alguma coisa super importante. Está um alvoroço, há cochichos por todas as partes.
— Ei, será que alguém consegue a retirar?
— Não seja ridículo, nem os herdeiros do grande herói conseguiram, porque alguém que não é da linhagem direta conseguiria?
— É mesmo, né?
A feição de Agnes muda para um semblante triste. O que esses garotos disseram a afetou de alguma forma. A multidão acaba em volta de dez soldados vestindo armaduras de prata em círculo, como se protegessem alguma coisa. Agora a curiosidade bateu, o que será que é? Tento enxergar por cima das pessoas, mas sou pequeno demais. Droga, muita curiosidade não é legal, Luke.
Agnes segura minha mão e me arrasta pela multidão, passando pelos espaços pequenos que as pessoas deixam. Quando dou por mim, já estou na frente de um dos soldados.
— Senhorita Agnes?! O que faz aqui? — pergunta um deles.
— Vim apenas para ver.
Por algum motivo, Agnes expõe um sorriso forçado, ela nem mesmo consegue o olhar diretamente nos olhos. Olho de lado, há algo cravado no chão. Uma espada, uma espada cravada no meio da capital de Dream. O alvoroço todo está sendo feito por causa disso? O que tem demais nela? Claro, possui o cabo branco com símbolos que claramente parecem ser ouro puro, e a lâmina brilha de tão prata que é, o fio da lâmina é lindo. No meio dela há um cristal preto, preso entre o cabo e a lâmina.
— Veja, alguém vai tentar! — Escuto alguém falar ao meu lado.
Um garoto humilde avança em frente à espada, deve ter por volta dos dez anos de idade. Não deve ser tão complicado retirá-la daí… é o que penso. No momento em que o garoto segura o cabo, uma onda de choque surge e o arremessa para longe.
— Pelo visto não é digno, jovem — fala o soldado debochando e rindo.
O que foi aquilo? No mesmo instante que ele tocou a espada…, foi ricocheteado para longe por uma onda de choque. Seria um feitiço de selo?
— Agnes, posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Há quanto tempo… essa espada está aí?
— Desde a guerra mítica.
— Desde… a guerra mítica?
Então isso faz com que essa espada esteja aí… há mais de quatrocentos anos? Isso é impossível, não existe um feitiço de selamento que dure por tanto tempo. Mesmo assim ninguém foi capaz de tirá-la? Como isso…
— Quem mais gostaria de tentar?
— Eu!
Escuto uma voz vinda de trás. Todos voltam os olhares para suas costas, é uma garota e um garoto. Ambos possuem cabelos roxo-claros e compridos, olhos azuis da cor do oceano e uma pele morena. Vestem uma peça de couro sintético roxo e preto.
— Ora, se não é a Agnes. Ainda não desistiu de retirar a espada? Além de fraca, é burra — diz a menina.
O quê? Quem essa garota pensa que é? Tento ir pra cima dela, almejando bater tão forte em seu rosto que quebraria alguns desses dentes perfeitos, mas Agnes segura meu braço com força.
— Deixe de mesmice, Cecille — fala o garoto ao seu lado. — Se nosso pai souber que andou tratando os membros da família de Claus dessa forma, ele nos punirá.
Diferente da garota, que possui um rosto esnobe e um jeito indelicado, o menino possui uma aparência requintada, com a postura sempre ereta e os braços atrás das costas, olhando todo o resto de cima.
— Agnes deveria mesmo ser considerada membro daquela família? Me poupe, irmão.
— Haah, faça como quiser.
Ao redor, o olhar dos plebeus está para o chão. Quem são esses vermes?
— Senhorita Cecille, jovem mestre Valdis — o soldado os cumprimenta. — Devo supor que estão aqui para tentar retirar a espada.
— Isso mesmo, nosso pai nos mandou — responde Valdis.
Eles passam por nós e Cecille dá um sorriso cínico para Agnes enquanto segue em frente.
— Você primeiro, Cecille.
— Rum, vamos lá então, né?
Ela caminha lentamente até a espada, todos parecem ansiosos. É como se ela fosse a pessoa predestinada a retirar a arma e receber um enorme poder. A garota estende a mão, com um toque de suspense no começo. Consigo ver uma gota de suor escorrer pelo seu rosto.
— Ah! Estava se achando a tal até agora pouco, e sente medo de uma ondinha de choque? Que patético, hein, Cecille — falo debochando com um sorriso aberto.
Agnes me olha admirada e começa a rir junto comigo.
— Quem… Seu pirralho, como ousa…
— Irmã… — Consigo ver por um breve instante Cecille hesitar ao ver os olhos ameaçadores de Valdis. — Não perca tempo, ande logo com isso. Quer envergonhar nosso pai?
— Tsc! Eu sei disso.
Cecille, dessa vez, encara a espada e espera alguns segundos até levar a mão rapidamente para o cabo. A onda de choque vem quase no mesmo instante. Posso jurar que vejo as ondas sendo repelidas mesmo antes do toque dela. É jogada aos pés de Valdis, com um olhar enojado de cima.
— Para quem falou tanto, não fez nada — sussurro novamente, mas alto o suficiente para que ela ouça meu deboche.
A menina se levanta com a cabeça baixa. Valdis me olha dos pés à cabeça.
— Quem é você? Me diga seu nome — manda.
— E se eu não quiser? Idiota. — Mostro a língua para ele e cruzo os braços.
— Você me lembra alguém.
— Alguém? Quem?
— Arkus Drakhar — fala e caminha até a arma com a mesma postura de antes.
Ele a analisa por alguns segundos e começa a levar a mão lentamente até o cabo, porém para. Percebo que conseguiu ver as ondas de choque se formarem antes mesmo de tocar um dedo na espada.
— O que foi, irmão?
— Pelo visto, também não sou digno de tirá-la. É uma pena, nosso pai ficará desapontado.
— Mas você nem tocou nela…
— Vamos embora.
O que ele quis dizer com aquilo? Quem é Arkus Drakhar? Arkus… Arkus… me lembro, Lúcia me disse sobre ele… Quem é esse cara?
— Alguém mais gostaria de tentar? — pronuncia o soldado.
Será que tento?
— Agnes, tem restrição de idade para tentar tirar a espada?
— Não, não tem. Espera, você quer tentar? — Ela fica surpresa, eu também ficaria.
É uma chance em um milhão de eu conseguir tirá-la com um selo tão alto. Além do mais, essas ondas de choque parecem machucar bastante, uma criança de cinco anos não aguentaria tal poder… Claro, uma criança qualquer. Meu elemento é o raio, acredito que devo ficar bem.
— Senhor, eu gostaria de tentar. — Ergo o braço para que o soldado consiga me ver.
No mesmo instante, os olhares de todos se viram para mim. Choque, deboche e insultos são ditos apenas com os olhos. Entretanto, se tiver uma mínima chance…, essa espada tem que ser minha!
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