Escolhido Brasileira

Autor(a): Bárion Mey


Volume 1

Capítulo 11

Agnes

Não consigo acreditar que finalmente chegamos, e ainda por cima com esta criança viva. Tomei a melhor decisão ao pedir que viesse comigo, tenho certeza de que meu pai o aceitará de braços abertos, e… eu sempre quis ter um irmãozinho.

— Agnes — fala Luke puxando minha mão. — Poderia me acompanhar até um lugar?

Aonde será que ele quer ir?

— Está bem…

— Tem alguma pessoa aqui perto que possa nos levar?

— Bem...

Eu o guio pelas ruas de Mighur até chegarmos em um homem em uma carroça, guiada por um jegue marrom com listras pretas.

— Senhorita Agnes?! — Ele desce da carroça relutante. — O que esse pobre homem pode fazer para ajudá-la?

 Pego uma moeda de bronze no meu bolso e peço para que nos leve aonde essa criança pedir.

— Hynder, quero ir para Hynder.

— Me desculpe a pergunta, mas a senhorita planeja ir sozinha com ela? Sem nenhum guarda?

— Sim, meu pai permitiu. Disse que não há necessidade, já que ninguém é louco de tentar fazer algo contra mim — falo com um sorriso encantador.

— Claro... que sim, senhorita Agnes. Por favor, suba.

Faz alguns minutos que estamos a caminho, e ele não disse uma única palavra até agora.

— Posso perguntar o porquê estamos indo para lá?

Apenas o silêncio vem com o vento, até que ele me olha nos olhos e me diz o que aconteceu. Conta cada detalhe, dos dias pacíficos até o ataque.

— Você não faz a mínima ideia de para onde poderia ter ido? — pergunto.

Novamente a resposta é o silêncio. É como se eu estivesse conversando com o vazio, em que apenas perguntas surgem e nada volta para meus ouvidos.

— Só tenho cinco anos… — Luke dá uma pequena vacilada, como se tivesse feito uma piada. — Suas ações me fizeram ver que é uma boa pessoa, Agnes.

— Obrigada pelo primeiro elogio que ouço dessa sua boca pequena. — Seguro um sorriso forçado.

Luke se vira, aproximando-se do meu rosto.

— Eu sou… uma criança despertada — sussurra em meus ouvidos.

Isso me surpreende. Fico pálida somente com essas palavras, mas… que sensação de empolgação é essa que estou sentindo? Meus olhos brilham.

— Como isso é possível…? — Começo a rir. — Eu meio que sabia, mas isso já é demais…

Um brilho azul reluz em meu rosto, direcionando meus olhos para suas mãos, e uma onda de raios se forma ao redor dela.

— Estou te contando porque acredito que não vou durar muito se ficar sozinho vagueando por aí nessa idade. — Ele me olha de canto, sinto uma pequena tensão. — Posso confiar em você?

Seu olhar está firme e vazio como uma rocha. O vermelho carmesim se destaca em meio à sombra enquanto passamos embaixo da ponte e se concentra ao redor dos olhos..

— Po-pode confiar em mim…

Ei…ta… Que medo que senti agora. Calma, Agnes, ele é só uma criança. Isso. É apenas uma criança com cinco anos despertada e que consegue controlar seu elemento sem nenhum treinamento, e ainda por cima é um mago ábsono que não se encaixa nos quatro elementos básicos de Alduin, e que ainda…

— Ei! — Ouço a voz de Luke. — Não precisa pensar tanto, seus olhos pareciam estar girando, faltou só sair fumaça da sua cabeça. — Ele levanta o rosto, apoiando os braços no banco, observando o vento empurrar as nuvens para longe. — Sei que é complicado assimilar tudo isso agora, mas você se acostuma. Embora seja a primeira pessoa que estou contando isso. Claro, Kalahar descobriu antes, porém ele é… bem, não importa.

— É impossível acreditar que estou conversando com uma criança de cinco anos…

— Você se acostuma com isso também.

— Eu acho que não. — Ambos nos olhamos e damos gargalhadas com a situação estranha.

As horas passam com Luke me falando do relacionamento que tinha com sua mãe em casa, das loucuras que fazia na floresta, entre outras coisas. Finalmente chegamos em Hynder. O símbolo de uma ampulheta costurada nas bandeiras em volta da cidade chama minha atenção.

— Esse é o símbolo dos Rolfred — falo baixo, observando os arredores.

— Nunca as tinha visto — diz Luke. — Na verdade, não cheguei a vir para esse lado da cidade.

— Sério? — Olho intrigada. — Por quê?

— Acha mesmo que essas pessoas receberiam bem alguém da periferia?

Fico sem respostas, porque essa é uma verdade que dói em mim.

— E... porque teria um símbolo de uma família na cidade de Hynder? — Fico impressionada mais uma vez, ele simplesmente não se importa com esse tipo de coisa.

— Bem... Basicamente Dream possui cinco famílias, e cada uma delas é designada para proteger uma parte de Dream. Mighur é protegida pela minha e pelos Brastho. Drashor que fica mais ao norte do Império, é protegido pelos Egarvell e os Vellferd. Apenas os Rolfred protegem Hynder, eles decidiram assim, e nem uma outra família contestou.

— Brastho, Egarvell, Vellferd e Rolfred... A sua família também possui um nome?

— Você vai descobrir em breve. — Dou um leve sorriso enigmático, causando um pequeno suspense.

Algo que não entendo é que essa parte do império os Rolfred estão encarregados de proteger. Eles ligam apenas para esse lado? Achei que Mikhan tivesse mudado a forma que sua família pensava, porém parece impossível.

Os prédios e casas acabam, e chegamos em uma parte de Hynder em que o asfalto, em vez de ser cimentado, é pura terra, com capins cobrindo metade da estrada para a entrada da periferia, e uma árvore que está prestes a cair e fechar a entrada. Vejo vacas desnutridas, e um cavalo morto, rodeado por mosquitos, está deitado no pasto logo à nossa frente.

Antes de chegarmos na periferia, nos deparamos com placas escritas “Afasti”, “Perego”, e outras que não fazem sentido. Algumas pessoas daqui sabem escrever e ler, ao menos um pouco pelo visto. Observo Luke, e ele está calado desde que chegamos nessa estrada, olhando para o alto e vendo as galhas de árvores secas e folhas velhas caírem com o sopro do vento. O sol reluz em seu rosto, deixando ainda mais visível as marcas de terra e barro espalhados pelas bochechas.

— A primeira coisa que temos que fazer é te dar um banho — falo limpando sua bochecha esquerda com a manga da minha camisa branca comprida.

— Não se preocupe com isso, depois eu limpo. — Luke segura minha mão. — Chegamos.

Logo na entrada, vejo estacas de madeira com resquícios de sangue. Há também nas paredes das casas e na terra seca. O homem para a carroça na entrada e o vejo lutar para que o animal entre mais, porém ele se recusa. Antes de perceber, Luke desce e anda pela periferia, averiguando os arredores e tentando saber se ainda há alguém por aqui.

Eu o sigo e caminhamos lado a lado. Chegamos em uma casa com a porta arrancada, ele entra. Seu semblante é vazio e frio, é como se nada o abalasse. Eu o ajudo a olhar pelo imóvel inteiro, mas nada de Lúcia. Sinto um cheiro de carne podre, vou até o cheiro e me deparo com Luke olhando o cadáver de uma criança no chão de um quarto.

— Conhecia ele? — pergunto tampando meu nariz.

— Não, apenas de vista.

Fico incrédula com a calma dessa criança. Olhá-lo vendo esse corpo em decomposição me faz pensar que já está acostumado a isso faz eras.

— Acho que ela não está aqui. — Pego um livro jogado no chão. — Quer levar alguma coisa?

— Não. Deixa eu te perguntar. Por acaso você controla as chamas como Arlo?

— Infelizmente, não. — Encaro minhas mãos. — Nasci predestinada ao elemento de água. Sinceramente, eu queria poder controlar as chamas, porém só seria possível se eu fosse uma dupla elementar.

— Magos duplo elementar são raros?

— Um pouco.

— Entendo… vamos sair daqui então, o cheiro está te incomodando.

Sair da casa é um alívio tão grande que solto um enorme suspiro. Luke parece não ter sido afetado pelo mau cheiro. Fala sério, tenho o estômago mais fraco que uma criança? De repente, aquela imagem de uma mera criança me vem à mente e comparo com a que está na minha frente. Tenho certeza, ele não é normal.

Luke parece estar pensativo. Começa a olhar para suas mãos e um pouco de eletricidade surge em torno delas. Ele se vira, ficando frente à casa, os raios aparecem ao redor dele e consigo ver as pontas de seus cabelos negros se elevarem. A escuridão daqueles fios começa a ficar mais claro, em um tom azulado brilhante, não muito, porém o suficiente para perceber a diferença na tonalidade.

O que ele planeja fazer? O que esse garoto pensa ainda é um completo mistério para mim. Será que ele… Luke encara o telhado de feno, sei o que quer agora. Os raios são direcionados para o telhado, uma sequência rápida de quatro raios disparados como flechas. Vejo o brilho vermelho se formando no feno e se tornando pequenas chamas que se espalham lentamente. O feno está seco, o que ajuda ainda mais a queimar.

As chamas se espalham pelo teto e começam a se espalhar pela casa. Ele faz o mesmo com todas as outras ao redor que ainda restam. É como ter inúmeras fogueiras gigantes acesas ao mesmo tempo, me lembrando da época do festival que aconteceu em Rosorga.

— Tem certeza de que está tudo bem fazer isso?

— Sim. Ninguém liga para o que acontece aqui afinal.

Voltamos para a entrada da periferia, e o homem que nos trouxe ainda nos espera.

— Está tudo bem, senhorita? — ele pergunta, olhando as chamas atrás de nós.

— Sim, pode nos levar de volta?

— Claro, claro. Nem por um segundo pensei em deixar a senhorita em um lugar como esse.

Luke parece confuso, mas subimos na carroça e voltamos à estrada. Fico refletindo no meio do caminho. Essa criança passou por tanta coisa, cresceu em um lugar além da pobreza, sofreu nas mãos dos bárbaros, e mesmo assim…, essa é a primeira vez que o vejo fazendo essa expressão. Sinto que a vontade dele é simplesmente chorar como um bebê, gritar e despejar toda a agonia que sente ao vento, despejando sua tristeza e raiva no vazio, para que assim ninguém possa ouvi-lo.

— Luke… — Ele ainda continua olhando para o nada. — Ei… — Acaricio seus cabelos, os tirando do rosto. — Minha casa irá lhe receber muito bem, Luke. Você vai gostar dela.

O garoto sorri, um sorriso nem alegre, nem gentil. O caminho todo de volta ele permanece calado. Estalo meus dedos na frente de seus olhos, o tirando de quaisquer pensamentos profundos que esteja tendo.

Ele desce da carroça, ajeitando o corpo e arregalando os olhos.

— Onde diabos… estamos?

Luke

Vejo Agnes lançar uma moeda de ouro do tamanho de uma concha para o homem que nos conduziu. Ele se ajoelha e a agradece com todas as suas forças. A família dela deve ser bem rica.

— Muito obrigado, senhorita Agnes.

Ela é dona disso tudo? À minha frente está um enorme portão de metal banhado a prata. Como sei do que é? Simplesmente porque brilha muito mais com o toque do sol, e o que guarda é uma estrada longa de pedras assentadas sobre argamassas que levam por um caminho rodeado de gramas verdes, pinheiros pequenos e um grande lago com fundos de azulejos azuis, possuindo peixes alaranjados e vermelhos nadando por ele. Continuo caminhando, esperando chegar logo em alguma grande casa ou mansão.

Andamos mais alguns metros, até passarmos por alguns arbustos e me deparar com algo inusitado. A casa… não, melhor dizendo, a mansão é muito maior do que esperava. No meio há uma grande rotatória com uma fonte jorrando água. O imóvel é cheio de janelas de vidro, espalhadas por todas as áreas, até no segundo andar. Me aproximo perto da entrada, guardada por uma porta gigantesca de madeira com barras de ouro esculpidas entre linhas, separando as divisórias da maçaneta e, possivelmente, a entrada de uma portinha de cachorro.

— Vo-você mora aqui?

Agnes está com a postura ereta e seus olhos emitem um brilho ofuscante, mantendo o nariz mais empinado do que um homem que acabara de conquistar a mulher mais bela da cidade. Com certeza está orgulhosa por ter feito eu me espantar.

— E então, está surpreso agora? — Seu sorriso é amplo e cheio de orgulho, com uma gargalhada feita pausadamente.

Direciono os olhos acima da porta e vejo pregado uma grande cabeça de um dragão banhado em ouro, com os dentes arreganhados e afiados, com pupilas de serpentes tão finas quanto uma agulha.

Que caralhos é tudo isso? A porta se abre e sai um mordomo vestindo um colete preto e uma gravata-borboleta.

— Senhorita Agnes, bem-vinda de volta. — Ele se curva e rapidamente direciona os olhos para mim: — Quem seria este garoto, senhorita?

— Prepare uma banheira e uma mesa com bastante comida, ele ficará por um tempo. Trate-o como um convidado de honra.

— Sim, senhorita. — O homem estende sua mão para mim. — Por aqui, criança.

— E mais uma coisa, peça para Jya ser sua empregada particular, ele vai precisar.

— Como quiser, senhorita.

Estou em choque. Ela realmente é herdeira disso tudo aqui? Na entrada, preso ao teto, há um lustre repleto de velas, joias brilhantes, e também banhado a ouro. Na parede há um quadro de um homem enfrentando um exército com uma única espada brilhante. No meio de tudo isso, uma parede preta com desenhos dourados, e uma escada com tapete vermelho que leva ao segundo andar.

— Irei te levar para tomar um banho, pequenino — diz o mordomo.

Quem é essa garota?

 


 

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