O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 55: A Conspiração do Rum

A reunião na prefeitura chegou ao fim. Ragnar despediu-se de Julie com um abraço e, com um estalar de dedos, reuniu a Guarda Trovejante ao seu redor e partiu em busca dos colegas de guilda. 

Sem perder tempo, caminhou a passos largos. No entanto, por onde passava, olhares espantados se voltavam para ele e, em especial, para seus grandes ursos. Isso proporcionava uma sensação de poder que Ragnar não sentia desde seus dias áureos como jogador profissional.

A oficina apareceu em seu campo de visão. Era um lugar simples com uma dúzia de estações de trabalho com as ferramentas necessárias para os serviços menos complexos.

No momento, vinte pessoas usufruíram da instalação, ao menos quinze eram jogadores e nenhum estava acima do nível 30.

Seria tão conveniente ter um grupinho de nível 50 ou mais por aqui, Ragnar devaneou, em seguida procurou pelas duas amigas, e as encontrou no canto oposto da oficina.

Elas conversavam em voz alta, empolgadas. Niki, em pé, martelava com cuidado a couraça de uma armadura enquanto Havoc, sentada ao seu lado, afiava uma espada usando um rebolo manual impulsionado por um pedal.

Era uma cena bonita de se ver, um sinal de entrosamento que poderia resultar em uma maior confiança entre elas. Ragnar se aproximou devagar, mas os olhos verdes de Niki arregalaram ao ver sua comitiva. Ela reagiu dizendo em voz alta:

— O que eles estão fazendo aqui?

Tão surpresa quanto a amiga, Havoc tirou o pé do amolador e guardou a espada na mesa para vislumbrar os ursos de ferro.

— Incrível.

Ragnar contou a elas sobre a Guarda Trovejante. Ambas ficaram embasbacadas com a possibilidade de um nível baixo possuir um pequeno exército particular. Saciada a curiosidade das garotas, Ragnar quis saber por que Niki estava trabalhando em uma armadura pesada, incompatível com sua classe.

— O que vocês estão fazendo?

— Estamos reparando e aprimorando as armas e armaduras da guarnição — Havoc respondeu.

— O prefeito ou alguém pediu para vocês fazerem isso?

— Não — disse Niki, apontando para a colega ao lado. — Foi ideia dela.

— Pensei que seria uma boa ideia fazer a manutenção dos equipamentos dos soldados antes da invasão. Assim evitamos que lanças quebrem e armaduras se rompam por estarem danificadas ainda no começo da batalha.

— Ótima iniciativa, isso com certeza nos ajudará bastante.

A conversa foi interrompida pela chegada de um grupo de cinco soldados. O líder deles, um sujeito alto na casa dos trinta anos, ignorou o druida e perguntou às duas:

— Conseguiram consertar nossas armaduras?

Niki apontou para a divisória da estação de trabalho onde uma dúzia de armaduras foram dispostas uma do lado da outra. As onze primeiras eram cotas de malhas, seus elos limpos e reluzentes demonstravam o nível do trabalho realizado. A armadura de placas não era diferente, não se via um arranhão sequer. Niki falou:

— Nós não apenas reparamos como as aprimoramos com o material fornecido pelo pessoal da oficina.

— Também trabalhamos nas armas de vocês — disse Havoc. — Espadas, machados e lanças foram afiados. As cordas desgastadas dos arcos foram trocadas. Também aproveitamos e arrumamos a cabeça dos martelos e marretas de combate, assim vão causar mais estragos nos inimigos.

O líder dos soldados ficou embasbacado, e ainda meio boquiaberto, foi até às armaduras e trajou a de placas.

— Perfeito, está até… confortável de usar. — Em seguida empunhou a espada e deslizou o dedo na lateral da lâmina para sentir o fio. — Assustadoramente afiado…

Os outros quatro do grupo seguiram o exemplo do chefe e vestiram suas armaduras e empunharam suas armas. Uma leva de comentários elogiosos e satisfeitos massagearam o ego das duas artesãs.

O líder do bando se ajoelhou perante Niki, segurou nas mãos dela e falou:

— Seu trabalho é magnífico, somos muito gratos. — Levou a mão direita ao bolso da calça e tirou de lá um saquinho de pano e o depositou nas mãos da assassina. — Tome, vocês merecem.

Ele se levantou, elogiou-as mais uma vez e, acompanhado de seu bando, desapareceu na multidão. 

Ragnar pôs uma mão no ombro de Niki e falou:

— Vocês só estão fazendo isso para receber elogios e uns agrados dos soldados, não é mesmo?

— Não me inclua nessa, tenho nada a ver com isso — Havoc defendeu-se.

Ragnar deu de ombros. Se elas estavam lucrando com esse trabalho, isso não era problema dele. O importante era saber que estavam se esforçando em aumentar as chances de vitória contra o exército do Caminho da Aurora.

— Vou atrás dos outros dois e ver o que estão fazendo.

Despediu-se das duas e transitou pela vila acompanhado de sua Guarda de Elite.

O próximo destino era a cozinha comunitária na praça central. O aroma delicioso da sopa se intensificou a cada passo que o druida dava. Aquilo nem parecia um alimento feito para render ao máximo e ao maior número de pessoas possível.

Os ursos bufaram, Ragnar voltou-se para eles e os encontrou salivando. Ele levou a mão ao queixo e perguntou ao líder deles:

— Estão com fome?

Hardgart balançou a cabeça que sim, seus olhos arregalaram e uma expressão carente se formou em seu rosto outrora intimidante e marcado pela guerra.

— Mas vocês gostam de sopa?

Com visível tristeza, ele sacudiu a cabeça em um não.

— É melhor vocês ficarem me esperando aqui.

Igual a vez na prefeitura, eles sentaram e aguardaram. 

Ragnar entrou na cozinha comunitária tomando cuidado para não esbarrar ou interferir no trabalho dos cozinheiros e cozinheiras. Artic estava de costas para ele, em uma mesa descascando e cortando uma pilha de vegetais.

A curiosidade fez Ragnar parar onde estava para observar melhor o amigo cavaleiro. Ele descascava e cortava com movimentos rápidos e precisos, dignos de um profissional. 

— Você é muito bom — disse ao se aproximar e parar ao lado esquerdo dele.

— Obrigado, mas não sou bom, só sei me virar na cozinha — Artic respondeu sem tirar os olhos da mesa.

Um silêncio momentâneo tomou aquele canto da cozinha. Apesar da concentração empregada na preparação da comida, o amigo parecia distante.

— Está tudo bem? — Ragnar quis saber.

— Uhum…

A resposta atiçou a desconfiança em Ragnar, que insistiu:

— Se tiver alguma dúvida ou quiser dizer alguma coisa, é só falar.

Artic parou um momento, olhou para ele, balançou a cabeça de leve e respondeu:

— Tudo bem. — E voltou a preparar a comida.

Ragnar foi tomado por um princípio de frustração, mas decidiu não insistir em tentar descobrir o que afligia o amigo cavaleiro. Talvez fosse uma boa ideia conversar com Niki, afinal, ela parecia ser muito próxima a ele. Por outro lado, a batalha contra a seita Caminho da Aurora poderia ocorrer a qualquer momento. 

Respirou fundo e pensou no que fazer a seguir. Não tardou para perceber a ausência de música ressoando pela praça central. O palco agora estava vazio, dezenas de pessoas conversavam ao seu redor. 

Em um desses grupos se destacava um sujeito conversando muito alto. Não foi necessário chamá-lo, seus olhares se encontraram, Skiff agarrou o alaúde que deixou em cima da mesa e foi até Ragnar.

— Porque pararam de tocar? — O druida quis saber

— Paramos para fazer uma pausa, logo eles voltarão a tocar.

— E você não pretende voltar?

Skiff coçou a bochecha antes de falar:

— Eu imaginei que você teria algum plano agora que estamos todos aqui.

— Mas eu tenho um plano… continuem fazendo o que já estão fazendo. Cada um de vocês está contribuindo à sua maneira. Niki e Havoc estão reparando os equipamentos dos soldados; nosso amigo Artic está preparando uma sopa deliciosa para o pessoal e você estava elevando a moral de todos com uma bela performance musical.

— É sério?

— Mas é claro. Como deve imaginar, existe um atributo em cada NPC chamado moral. Ele é autoexplicativo, quanto maior a moral do NPC, melhor ele irá lutar e menor será a chance de fugir de medo em uma batalha difícil. Há algumas maneiras de levantar a moral das tropas, a música é uma delas. Eu adoraria que todos os soldados estivessem aqui para curtir sua música, infelizmente, é impossível porque eles já estão posicionados para a invasão.

Artic, que esteve alheio a conversa até o momento, largou a faca sobre a bancada e disse:

— Terminei. Agora preciso ir resolver um probleminha, não vou demorar.

— Certo, mas volte logo. A seita pode atacar a qualquer momento — Ragnar falou e o amigo cavaleiro sumiu na multidão. 

O fluxo de gente trabalhando na cozinha havia diminuído. A maioria dos panelões fumegantes descansavam sozinhos, sinalizando que o preparo da comida estava na etapa final. 

Esse cenário era ideal para Ragnar pôr em prática uma tática que cozinhava em sua cabeça desde que chegou à cozinha comunitária. 

— Skiff, você sabe onde as bebidas foram estocadas?

— Eu vi um monte de gente saindo daquela tenda com garrafas de rum. — Finalizou apontando para uma barraca de lona azul e branca ao lado do palco.

Ragnar foi até a barraca, Skiff o seguiu. Lá dentro se depararam com caixas e mais caixas de bebidas e um homem de meia idade sentado em um banquinho com uma espada embainhada sobre o colo.

— Precisamos de quatro caixas para a cozinha — Ragnar disse com confiança.

— Desculpe, mas a comandante e o prefeito proibiram servir bebidas junto às refeições. Não podemos ter soldados embriagados em uma noite como essa, não é mesmo?

Maldita seja você e sua precaução, Júlia. Ragnar pensou, frustrado porque seu plano consistia em adicionar uma pequena dose de álcool na sopa. Isso faria os soldados entrarem em um leve estado de embriaguez que iria aumentar sua euforia, logo, também aumentaria a moral e os faria lutar com mais voracidade, evitando assim uma deserção precoce das tropas mais acovardadas.

Ragnar tentou primeiro convencer Julie a liberar a compra de bebidas para ele, mas foi negado porque estava muito ocupada no momento, então não haveria tempo dela vir até a barraca para autorizar. Restava-lhe então duas opções nem um pouco éticas e morais. 

Eles caminharam para fora da barraca.

— E agora? — Skiff queria saber.

— Ou a gente suborna ele… ou… a gente subtrai a bebida.

— O quê, roubar? Você está falando sério?

Ragnar confirmou que sim. Era uma escolha difícil e arriscada, mas valeria a pena se funcionasse. Em uma situação ideal de cerco, as tropas defensivas seriam compostas por soldados bem treinados e motivados. Mas nesse vilarejo, o que Ragnar viu foram moradores armados às pressas e acovardados pelo terror que se aproximava.

Entrou em contato com Niki e Havoc, perguntando se estavam ocupadas na oficina. Por sorte elas terminaram fazia cinco minutos e se dispuseram a vir encontrá-los em frente à barraca das bebidas. 

Como era perto, elas não tardaram a chegar e Ragnar atualizou-as da situação.

— Não estou acreditando que você já está planejando outro roubo. — Havoc admitiu um tanto decepcionada.

— Você é um safado — Niki emendou. — Mas eu entendo… e concordo. Os soldados daqui parecem que vão cagar nas calças quando aparecer o primeiro cultista do mal. Se embriagá-los um pouquinho vai evitar que fujam gritando pela mãe, eu aceito o trabalho. 

Ragnar arregalou os olhos, surpreso pela atitude da amiga.

— Obrigado, de verdade.

— Posso não ser uma ladra, mas assassina é a segunda melhor classe para o serviço. Mas se eu for pega e acabar na prisão, você vai pagar minha fiança. Também vou querer uma compensação bem gorda em dinheiro, combinado?

— Combinado, estou confiando em você. 

O que estavam para fazer era sujo, desonroso, mas desde que não fossem pegos, não haveria consequências. Situações como a da Vila Torino eram ideais para ladrões. A agitação pré-batalha abria inúmeras brechas de segurança nos estoques, armazéns e residências. Era um verdadeiro paraíso para ladrões.

— Venham — Ragnar os chamou e os levou até a mesa mais próxima.

O druida e a espadachim sentaram em um lado enquanto o caçador e a assassina sentaram do outro.

— O plano é simples, mas deve ser executado rápido e sem hesitação. Para nossa sorte tem apenas um guarda cuidando das bebidas, então eu, em forma de serpente, acompanhado da senhorita Plissken, conseguiremos atraí-lo para fora da barraca. Quando ele sair, você — disse olhando para Niki. — Entra usado sua furtividade e enche o inventário com toda a bebida que conseguir carregar. Havoc ficará de olho do lado de fora e irá sinalizar quando for seguro sair, caso a barra estiver limpa, você pode sair normalmente. Agora, caso ela sinalizar que não, você se esconde lá dentro e espera a furtividade voltar do tempo de recarga, pois só assim você conseguirá sair sem ser vista.

— E eu? — perguntou Skiff.

— Você fica por perto para distrair qualquer patrulha inesperada que se aproximar da barraca. Imagino que nenhum de vocês tenha participado de um roubo numa cidade lotada ainda, então saibam que: todo mundo estará exposto durante a operação, se eles desconfiarem de um, há uma grande chance deles desconfiarem dos outros, então tomem muito cuidado.

Havoc se levantou, pôs as mãos na mesa e encarou o druida nos olhos.

— Eu te admiro muito como profissional, mas sou contra esse plano. Nós estamos arriscando nossa participação na defesa do vilarejo caso seguirmos em frente com esse roubo. Se formos pegos, seremos presos, ficaremos impedidos de jogar por um tempo e nosso nome ficará sujo em toda região, e além disso…

Ela foi interrompida por Ragnar:

— Está tudo bem, não tem problema se você não quiser participar do…

Foi a vez de Havoc interrompê-lo:

— Não, tenho uma outra ideia.

Ragnar deu de ombros e permitiu que ela prosseguisse. Havoc se distanciou do grupo, adentrou na barraca de bebidas e só saiu quase dez minutos depois, acompanhada do guarda carregando nos braços uma caixa de rum. 

Com uma expressão feliz e triunfante no rosto, Havoc gesticulou para o grupo e conduziu o guarda até a mesa onde os outros três estavam lhe esperando. O sujeito colocou a caixa sobre a mesa, secou o suor na testa com a mão direita e lhes disse:

— Você poderia ter falado que iria usar a bebida NA sopa e não COM a sopa. Eu teria vendido as quatro caixas para você sem problema algum se soubesse que iria usar como ingrediente. Eu amo adicionar uma dosezinhade de álcool na sopa pra dar aquele gostinho mais forte.

— Às vezes o jeito correto é o mais fácil — Niki disse antes de saborear um gole da bebida. — Uau, isso é muito bom, vai ficar ótimo no ensopado.

Aceitando a derrota, Ragnar se levantou e se dirigiu ao homem:

— Quanto lhe devo?

— Nada, eu já combinei com a moça aqui — disse apontando para Havoc, ainda triunfante. — Se você realmente vai usá-la na sopa, ela é só mais um ingrediente que todos iremos saborear. Agora me dê licença, vou lá buscar as caixas restantes antes que alguém decida se aproveitar da minha ausência para furtar nossas bebidas.

Derrotado e humilhado, Ragnar curvou-se um pouco em agradecimento ao guarda e, depois que ele se afastou, repetiu o gesto à espadachim e falou:

— Obrigado pela intervenção, te devo uma.

Ela pôs a mão na boca para abafar o riso.

— Deixa de ser bobo, você só precisa parar de conspirar um pouquinho.


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