O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 47: O Druida que Copiava

Na manhã da quarta-feira, sentado em seu cubículo no escritório em que trabalhava, Daniel não conseguia parar de pensar nos dois eventos que aconteceriam na noite daquele dia: a invasão da seita ao vilarejo e o confronto de Torvell e Hardgart no santuário.

Para sua tristeza, precisava escolher um dos eventos na esperança de restar-lhe tempo para participar do outro. E sabendo que Julie e seus amigos iriam participar da defesa da vila, optou pelo evento em que sua presença causaria mais impacto: intervir no duelo dos ursos para salvá-los do próprio orgulho.

Durante a manhã inteira ele não conseguiu tirar os dois eventos da cabeça. Cada hora do dia demorou uma eternidade para passar, mas após muito esperar, o expediente chegou ao seu inevitável fim.

Daniel se apressou pelos corredores do prédio, avançou pelas ruas da cidade com pressa e nervosismo até chegar ao ponto de ônibus, onde sentou do lado de duas estudantes. O pé não parava de bater no chão.

A respiração acelerou e o monstro da ansiedade começou a devorá-lo por dentro. Quando notou que o ônibus se atrasou um minuto, fez algo que não fazia há muitos anos, começou a roer as unhas.

E pela milésima vez conferiu o celular, bufou por não ver mensagens novas, então enviou uma para Júlia, perguntando se o ataque já havia começado.

A resposta foi: “Tudo tranquilo por aqui.”

Toda sua concentração estava na tela do aparelho, por culpa disso notou quase muito tarde que as pessoas ao seu redor já levantaram e formaram a fila de embarque para o ônibus chegou sem ele nem perceber.

O coração palpitou forte e em alta velocidade.

E se der errado? Perguntou-se após embarcar, então afastou a negatividade para longe e deixou-se levar pela paisagem urbana passando pelas janelas.

De volta em casa, tomou banho, trocou de roupa, jantou e limpou a cozinha em tempo recorde. Quando se acomodou na cápsula de imersão, o coração já estava para sair pela boca.

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***

Na forma de urso negro ele vagou pela floresta carregando toneladas de ferro nas bolsas presas em suas costas. E por conta do peso que carregava, suas patas grossas revestidas de ferro afundavam alguns centímetros no chão a cada pisada dada.

Cada bolsa estava abarrotada com centenas de barras de ferro obtidas no roubo à Fortaleza Toca dos Lobos. Entretanto, não havia apenas as duas mil unidades de sua quota do saque, mas o dobro, pois no dia anterior reuniu-se às pressas com Skiff, Artic e Niki para ofertá-los a compra do ferro que ainda possuíam em custódia.

E qual não foi sua alegria ouvir Skiff dizer que ainda possuía toda a sua quota de ferro. Mas para compensar, o cavaleiro e a assassina tinham em posse metade das mil unidades cada um.

No fim, a compra de ferro consumiu 4/5 das economias de Ragnar, e assim se foi quase todos os rubros adquiridos com a venda de filtros solares ao vampiro Sinistro de Salem.

E todo esse investimento poderia ir abaixo caso o plano falhasse. Com isso em mente, tomou cuidado para não chamar atenção dos predadores perambulando pela floresta.

Quase uma hora se passou até ele pisar fora da mata. Com alívio caminhou pela estrada de terra contornando o refúgio. Quando chegou na entrada do santuário, um urso pardo, menor do que Hardgart, o recebeu com um comentário:

— Saudações, Druida. Veio testemunhar o grande confronto?

— Pelo contrário, vim interrompê-lo.

O urso exibiu seus dentes, avançou um metro e flexionou levemente as patas da frente.

— Calma — apaziguou Ragnar. — Meu objetivo é fazer o que Bjorn não fez cem anos atrás.

A fera relaxou a postura, mas o olhar denotava cautela. Ele quis saber:

— Como?

— Você confia em mim?

— Confio! — disse o urso, sem parar para pensar. — Você descobriu o pecado de Torvell e ficou do nosso lado quando o acusamos. Quanto a minha postura de antes… eu estava apenas cumprimento meu dever como guardião enquanto Hardgart se prepara para o confronto.

Assim que terminou ele abriu passagem para Ragnar. O druida deu alguns passos para dentro, mas logo se virou para agradecer:

— Obrigado. Quando começar a relampejar, compareça ao Platô Cerimonial, pois se tudo der certo, terei um presente para você.

— O que é?

— É segredo. — Ragnar piscou o olho direito e entrou no santuário.

O arco de pedra surgiu no horizonte, indicando que se aproximava do interior do refúgio. Ele arfava a cada passo, vapor quente exalava de seu focinho durante a reta final.

Um grupo de ursos vermelhos se aproximou, e o maior entre eles falou:

— Ragnar, você precisa de ajuda?

— Obrigado, mas não é necessário.

Ele seguiu acompanhado dos três, e juntos percorreram o caminho até o Platô Cerimonial. Conforme passavam pelos corredores, salões e passagens, ursos de todas as espécies se juntaram a ele após serem acometidos pela curiosidade de saber o que carregava nas costas e o que planejava fazer com aquilo tudo.

Ragnar pôs a primeira pata no morro e sentiu as gotículas de um princípio de chuva caindo sobre seu corpo avolumado. Um chiado fraco e ritmado acompanhou a chegada da chuva. A multidão de ursos rosnou insatisfeita, mas ninguém deixou de o seguir.

Perfeito, pensou quando um relâmpago brilhou ao longe.

Antes de iniciar a subida ao platô, deu uma boa olhada na legião de feras que o acompanhava. As expectativas estavam altas. E sabia que não poderia falhar com todos eles.

A subida teve início. A trilha ascendente era íngreme e traiçoeira. Por conta do peso descomunal que transportava nos sacos de couro de Megalotauro, as patas afundavam na lama sempre que parava por mais de um segundo.

E após muito perseverar, o cume surgiu em seu campo de visão, uma área plana com chão de pedras retangulares, delimitada por uma mureta de um metro de altura.

Não demorou para Torvell aparecer acompanhado dos seus irmãos de ferro. Com ares de superioridade ele se aproximou de Hardgart e Ragnar, para questionar:

— O que está acontecendo aqui?

O druida olhou ao redor, todos estavam ensopados das patas à cabeça graças à chuva.

— Irei conduzir um ritual — anunciou enquanto gotas d’água escorriam por seu rosto.

Torvell se aproximou até ficar a cinco passos de distância.

— Que tipo de ritual?

Ragnar respirou fundo e retornou à forma humana. As oito bolsas em suas costas caíram no chão. Ruídos metálicos de objetos se chocando causou um incômodo em todos ali reunidos.

A corda que selava uma das bolsas acabou afrouxando na queda, permitindo que duas barras de ferro deslizarem para fora.

— Não… impossível — começou Torvell. — Você não é forte o bastante para fazer o que penso que irá fazer. O ritual foi um acaso advindo do desespero de Bjorn. Eu sei que ele não lhe contou a verdade, pois era orgulhoso, mas Bjorn quase morreu durante o ritual.

Aquilo pegou Ragnar de surpresa.

— Como você sabe disso? — perguntou.

— Torhell, o primeiro urso de ferro e ancestral meu, contou a história daquele dia para seus filhos. E isso se tornou uma tradição de pai para filho.

Ragnar preparou um contra-argumento, mas quando tentou exteriorizá-lo, ouviu uma voz em sua cabeça dizer: Você está brincando com fogo

Ragnar conhecia aquela voz, por isso tentou se comunicar: Bjorn?

E foi respondido: Eu senti uma grande conturbação neste santuário, então estou me esforçando para me comunicar com você.

A gente pode se comunicar de qualquer parte do mundo? Ragnar queria saber

É claro que não, respondeu Bjorn. Apenas nas áreas onde a ligação com a natureza é mais forte, ou seja, neste Platô Cerimonial ou no Círculo de Convergência Natural.

Incomodado, Ragnar retrucou: Você não irá me impedir, não há tempo para convencê-los a lutarem comigo até a invasão de Mergraff.

E você acha justo pôr em risco o meu legado com esse experimento?

Seria um experimento se ninguém houvesse ousado fazê-lo antes, mas estou conversando com o espírito de alguém que já conseguiu.

Bjorn insistiu: Você é inexperiente demais. Use todo esse ferro para algo produtivo. Venda-o para a cidade, transforme-o em armas e armaduras, mas não tente repetir o meu ritual sem ter a certeza de que pode fazê-lo.

Ragnar então fez algo que poderia vir a se arrepender: permaneceu calado.

Bjorn tentou convencê-lo por mais um minuto, mas não tardou a perceber que não iria a lugar nenhum, por isso, no final, despediu-se com um aviso:

Espero que não se arrependa.

Ragnar engoliu em seco, interiorizou a bronca e tentou se esquecer dela organizando as 4.000 barras de ferro em uma grande pilha.

Perto de finalizar a base da estrutura, temeu que os ursos ficassem entediados e acabassem exigindo que os liberassem para o confronto, porém, surpreendeu-se ao vê-los ali, o esperando, enquanto colocava as últimas barras de ferro sobre a pilha.

Desde então Torvell se calou, mas para compensar, Hardgart apareceu com uma expressão desconfiada em sua face. Agora todos os ursos do santuário estavam reunidos no Platô Cerimonial.

— Você ficou louco? — disse Hardgart, parando ao lado de se desafeto.

— Deixe-o brincar — respondeu o líder dos de ferro.

— Inconsequente como de costume — retrucou o pardo. — O único Druida de Ferro em cem anos decide enlouquecer da noite para o dia e agora arrisca sua vida em um ritual de conto de fadas.

Ragnar pegou uma barra de ferro e virou-se para Hardgart.

— Eu não sei porque está reclamando. Se isso der certo, você sairá ganhando, mas se der errado, eu morro e vocês poderão se matar em paz.

Torvell deu um longo bocejo.

— Ele está certo.

E com aquelas palavras, a chuva cessou, mas os relâmpagos continuaram riscando o céu.

— Preparem-se. O ritual irá começar — anunciou o druida, torcendo para o ritual não sair pela culatra.

***

O vilarejo havia se tornado um formigueiro, pois nem a chuva torrencial e nem o estalar de relâmpagos foram capazes de arrefecer a pressa dos moradores e dos aventureiros que se preparavam para a invasão.

Se o suspeito falou a verdade, a seita pode atacar a qualquer momento, Julie pensou enquanto caminhava em direção à forja da vila. No meio do caminho, uma voz a chamou:

— Julie! — Era Havoc.

A espadachim se apressou para perto e já emendou uma pergunta:

— Então… como foi a reunião com o prefeito?

— Nada demais. O plano continua o mesmo. Vamos concentrar nossas forças no portão leste com um destacamento de quatrocentos soldados. Já nos demais portões, decidimos deixar em torno de cinquenta, além de alguns esquadrões menores fazendo vigília nos pontos intermediários da muralha.

Havoc balançou a cabeça várias vezes enquanto relatava a reunião, os olhos dela estavam arregalados e um sorriso acompanhava toda a empolgação. Julie imaginou se ela estava assim porque iria vê-la em ação.

— Sabe se aconteceu algo com o cavaleiro? — perguntou.

— Eu perguntei isso pra Niki, já que ela é muito amiga dele, mas ela também não sabe.

— Estranho… — Julie soltou um longo suspiro. — Talvez eles tenham brigado.

— Pode ser — Havoc deu de ombros. — E o druida? É para ele vir, né?

— Não, nosso camarada preferiu evoluir sozinho fazendo suas missões super secretas e especiais.

— Que estranho… jurava que ele não era esse tipo de pessoa.

Julie virou-se para ela.

— Nem eu. — E voltou a caminhar.

Em poucos minutos as duas chegaram na forja do vilarejo. Niki se encontrava em uma das seis estações de forja, batendo o martelo contra uma chapa de ferro. Ao lado dela, sentado sobre uma bancada, Skiff tagarelava sem parar.

— Prontos? — Julie perguntou assim que se aproximou.

Skiff desceu da bancada e afirmou balançando a cabeça.

— Quase— Niki anunciou um tanto incomodada.

Mas antes que Julie falasse o que tinha a dizer, dois soldados se aproximaram da assassina, que já se adiantou dizendo:

— Só um momento.

Niki foi até a bancada onde Skiff ficara sentado momentos atrás e tirou de dentro dois embrulhos de couro. Nas extremidades dos embrulhos, Julie conseguiu discernir a ponta e o cabo de espadas e facas, além da ponta de flechas e machados no outro embrulho.

Havoc se adiantou e ajudou a amiga, pegou um embrulho e o entregou aos soldados, repetindo o processo para os outros cinco volumes.

— Obrigado, garota, você não tem noção de como isso irá nos ajudar — agradeceu um dos soldados antes de irem embora.

— Agora sim, estou pronta — disse Niki.

Os quatro se puseram a caminhar até o portão leste do vilarejo.

— Nenhuma notícia do Artic? — Havoc perguntou à amiga.

E ela respondeu sacudindo a cabeça negativamente, complementando:

— Estou ficando até preocupada, já mandei umas vinte mensagens, mas não consigo entrar em contato com ele de jeito nenhum… — E parou de caminhar.

Ensopada da cabeça aos pés por conta da chuva, Niki olhava para suas botas enlameadas.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Skiff.

— Ele acabou de conectar — ela falou sussurrando.

Julie riu da coincidência, mas quando olhou para o caminho adiante, gelou da cabeça aos pés. Um cavaleiro em armadura cinzenta estava parado no meio da rua. As gotas de chuva respingavam nas placas de aço. O elmo fechado lhe ocultava a face, mas analisando-o com mais atenção, viu o seu nome: Artic; e também o seu nível: 20.

Niki correu para perto dele e o recebeu com um abraço afetuoso, então se afastou dois passos e deslizou a mão direita sobre a ombreira esquerda da armadura, descendo para braço e terminando no meio do antebraço. Mas ainda ficou um tempo admirando aquela armadura com os olhos, até finalmente dizer:

— Ela é linda.

— Obrigado — Artic agradeceu.

— Você está nível 20, nós vencemos a aposta — ela enfim percebeu e comemorou.

Mas ele sacudiu a cabeça em negação.

— Na verdade, não.

Ela arregalou os olhos, sem entender, então abriu a janela de amigos e selecionou o perfil de Ragnar.

— Nível 21…, mas como? Ele não estava no 19?

— Sim, estava, mas de alguma maneira ele saltou para o 21 antes de chegar ao 20.

— Então você estava evoluindo sozinho? — Niki o acusou com o olhar.

— Eu não queria perder para ele, por isso mudei meu status para offline e continuei jogando sozinho depois de você me ignorar aquele dia.

Enquanto os dois conversavam como melhores amigos: Julie, Havoc e Skiff ficaram apenas observando.

Niki chegou mais perto do cavaleiro, e disse em um quase sussurro:

— Ei, Artic! Nós vamos jogar na guilda de um profissional! — Mal conseguia conter sua felicidade.


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