O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 45: Crise no Santuário

A guerra foi declarada no Refúgio dos Ursos de Ferro. E, Torvell, junto de seus irmãos de ferro, estavam dispostos a morrer em batalha para não sofrer a humilhação do exílio.

Os onze estavam acuados no centro da maior construção do santuário. Quarenta e um ursos de outras espécies os cercavam. No meio estava Ragnar, olhando de um lado para o outro, com a mente fervilhando, procurando por pistas que pudessem ajudá-lo a encontrar uma solução pacífica para o massacre que se desenhava diante de seus olhos.

Mas a raiva das feras aumentava a cada segundo de hesitação.

— Papai, não faça isso, por favor — implorou Mikken, o pequeno urso manco.

Mas Hardgart, que estava a dez metros de Torvell, ignorou seu filho e ergueu-se se nas patas traseiras para soltar um rugido poderoso em desafio aos onze ursos negros.

Mikken caiu de bunda no chão, um par de lágrimas solitárias brotaram em seus olhinhos negros, mas logo foram absorvidas por seus pelos quando escorreram.

Ragnar se apressou para o lado dele, e ordenou:

— Para trás!

Seu protesto foi inútil, o pequeno continuou implorando ao pai para que parasse. E àquela altura, Hardgart e Torvell estavam a poucos passos um do outro. O druida sabia que, se não fizesse algo, Mikken poderia se ferir caso a situação escalasse para uma guerra civil.

Ele correu até o pequeno urso, envolveu-o em seus braços e o levantou até as patas virarem para cima, exceto a fraturada, que ficou apontando para o lado. Em seguida, apoiou as costas do animalzinho em seu ombro direito e o carregou para um canto do salão.

— Me larga! Me solta! Papai, Papai! — berrava o ursinho chorão repetidas vezes.

Olhando por trás do ombro e julgando estar a uma distância segura, Ragnar se agachou e pousou o pequeno no chão.

— Mikken, me escute. Esse lugar é perigoso demais tanto para mim, quanto para você e até mesmo para seu pai. E eu nunca iria me perdoar se algo acontecesse a você. Então confie em mim, eu prometo que farei o possível para que nada de ruim aconteça, está bem?

— Mas…, mas… meu pai — Mikken choramingava. — Tá, mas você promete? — terminou com uma fungada.

— Prometo.

O ursinho balançou a cabeça e olhou assustado para as feras se desafiando no centro do salão. Seus olhos marejados voltarem-se para Ragnar, que acenou confiante. E acreditando nas palavras dele, mancou para fora da zona de perigo.

Ragnar respirou aliviado por se livrar de algo que poderia distraí-lo em um momento tão sensível para a história do santuário. Retornou para o centro da confusão passando entre os ursos pardos que cercavam os poucos de ferro motivados a morrer em batalha.

Dois rugidos se sobressaíram entre todos os outros, advindos de um urso de ferro e um pardo que engajaram em um duelo isolado. Aquela visão temível congelou o druida com o temor da guerra civil.

Por instinto, avançou até os dois, empunhou a lança e mirou um feitiço embaixo do pardo. Três raízes brotaram do chão e se prenderam no pelo marrom ao mesmo tempo que avançou em forma de urso contra o de ferro, derrubando-o no chão.

Em seguida, olhou ao redor e viu a face embasbacada e confusa de todos ao seu redor.

— O que está fazendo? — exigiu Hardgart, que se aproximou para acudir o irmão preso às raízes.

— Poupando vidas, seus imbecís! — retrucou, categórico, mantendo a forma animal.

Torvell veio para perto do irmão caído para ver se estava vem, e após a confirmação, voltou-se para o druida, para repreendê-lo:

— Sua transformação pode fazê-lo se parecer conosco, mas você não passa de um intruso. Saia daqui, agora! Os problemas deste refúgio não são da sua conta.

— Vocês são orgulhosos demais — disse olhando para Torvell, depois para Hardgart. — E esse orgulho os trouxe até a eminência de uma guerra entre irmãos. Não me entendam errado, o que você fez, Torvell, foi inadmissível, então mantenho meu apoio a sua destituição da regência. E como você mesmo disse, eu ainda não conheço os costumes desse lugar, mas tenho certeza de que podemos encontrar uma solução pacífica para essa situação.

— Estou de acordo — o líder dos pardos manifestou sua opinião.

Knudsen, Troel e Inga, os líderes das demais espécies, se aproximaram e também manifestaram apoio ao parecer de Ragnar.

Só falta ele, pensou olhando para o pivô do caos.

Sem que alguém se manifestasse, Torvell andou até ficar de frente para Hardgart. A atenção de todos se voltou para aqueles dois, se encarando com seriedade, sem demonstrar ódio ou qualquer coisa do tipo. O silêncio perdurou até o urso negro se manifestar:

— Nós, de ferro, jamais iremos aceitar os seus desmandos, Hardgart. Esse santuário é nosso, ele nos foi confiado pelo mestre desse druida fajuto que está ao seu lado. Portanto, se estão achando que iremos aceitar suas demandas, vocês estão completamente enganados.

Foi como dar meio passo para frente e cinco para trás. Todas as esperanças construídas nos últimos minutos desapareceram diante de seus olhos. Mas Ragnar não iria se dar por vencido.

— E você vai deixar seu orgulho mergulhar o refúgio em um mar de sangue? Prefere que dezenas de seus irmãos morram em uma guerra sem sentido para preservar o seu nome? Torvell, eu tenho certeza de que podemos chegar a algum acordo, a guerra não pode ser a única opção.

Os dez ursos de ferro se voltaram para seu líder, fazendo Ragnar acreditar que ele poderia ser persuadido a aceitar uma resolução menos belicosa.

— Existe sim outra opção, uma menos sangrenta, mas vocês não irão gostar dela.

Hardgart se preparou para protestar sem saber do que se tratava, mas Ragnar gesticulou a mão para deixar o urso negro falar. E ele falou:

— Se todos vocês realmente se preocupam com as consequências de uma guerra, então nós poderíamos resolver essa contenda como antigamente, invocando uma antiga e sangrenta tradição de uma época em que nossas espécies brigavam entre si: um duelo até a morte. Cada lado escolhe seu campeão. Eu, obviamente, irei representar a minha. E vocês, quem irá representá-los?

O grande urso pardo expôs o óbvio:

— Nós estamos em maior número, por que aceitaríamos enfrentá-lo?

— Porque nós, de ferro, somos individualmente mais fortes do que vocês. Então, mesmo com a vantagem de números que possuem, muitos morrerão de ambos os lados, independente de quem vencer. Agora, se aceitar lutar comigo até a morte, prometo que, se eu perder, o refúgio será de vocês.

Os outros ursos de ferro manifestaram apoio. Torvell prosseguiu:

— Mas, se eu vencer, tudo continuará como estava antes, mas não aceitaremos mais que nossa autoridade seja questionada por espécies inferiores.

A última palavra provocou Hardgart e seus aliados. Tomados por ódio, se aproximaram de seus oponentes. O recinto parecia um barril de pólvora prestes a explodir. E, Knudsen, rodeado por seus irmãos vermelhos, disse:

— Nós recusamos sua proposta absurda.

— Nós também — apoiou Inga, seguida por Troel.

— Faço minhas as palavras dela.

Hardgart, pensativo, parecia flertar com a proposta do urso negro. E sua resposta foi breve, repentina, e pegou a todos de surpresa:

— Eu aceito o duelo. Serei o representante das espécies comuns do santuário.

— Ótimo! — Torvell comemorou, surpreso. — Resolveremos nossas diferenças amanhã à tarde, no Platô Cerimonial, de acordo?

— De acordo— confirmou Hardgart.

Ragnar se aproximou do líder dos pardos para confrontá-lo, os demais ursos que não eram de ferro fizeram o mesmo.

Uma discussão acalorada tomou a construção central do refúgio. E Torvell, junto de seus irmãos, observaram seus desafetos brigarem entre si, satisfeitos com o resultado da provocação.

No local mais acalorado, Inga virou-se para Hardgart, e indagou:

— Você está louco? Nós recusamos o duelo.

— Vocês não têm o direito de recusar — um urso pardo de idade avançada, sentado ao lado de Hardgart, se intrometeu. — Nós somos a maioria neste santuário, então a nossa vontade prevalece sobre a minoria.

As palavras do urso pardo afloraram ainda mais os ânimos de seus irmãos. Ragnar continuava atônito, sem compreender porquê Hardgart aceitou o desafio sabendo que as chances de perder eram enormes.

Sentia que precisava fazer alguma coisa, porém nenhuma solução pacífica vinha em mente. O duelo poderia ser uma alternativa melhor do que a guerra civil, mas ela culminaria na vitória de Torvell, o que por sua vez resultaria na manutenção do Status Quo, mas dessa vez com os ursos de ferro ainda mais fortes dentro do refúgio.

Eu preciso corrigir o erro de Bjorn. A questão é: como eu vou trazer equilíbrio ao santuário com esses ursos cabeça dura querendo se matar? Pensou, logo se intrometendo na reunião dos líderes das espécies comuns?

— Hard… — Mas foi cortado por Hardgart.

— Ragnar, eu serei eternamente grato por tudo que fez por nós, mas não há mais nada que possa fazer. A traição de Torvell será resolvida entre mim e ele, e mais ninguém. Eu prometo que a justiça prevalecerá.

Duvido muito, Ragnar pensou ao compará-lo com o grande urso de ferro. Ele poderia ser grande e forte para um espécime comum, mas Torvell era o maior dos ursos de ferro.

— Está bem — finalizou, aceitando que perdera a batalha.

Percebeu que seria inútil tentar argumentar por uma solução pacífica. O diálogo não era o forte daquela espécie animal. O melhor que poderia fazer era se distanciar, refletir sobre o ocorrido e formular uma solução própria, e que de preferência não dependesse de animal algum.

Os ânimos se acalmaram no grande salão. Apesar dos ursos vermelhos, cinzas e rajados ainda contestarem o aceite de Hardgart ao desafio, a maioria já havia se conformado com a escolha.

A ameaça de uma guerra civil perdeu força, mas ela ainda pairava sobre o refúgio, pronta para retornar com a menor insinuação de uma das partes.

— Nós nos veremos amanhã. Que o mais forte vença — Hardgart falou dando as costas para seu rival.

Torvell, por sua vez, encarava Ragnar com um olhar de repulsa.

— Não pense que sairá impune, druida. Eu terei minha vingança assim que o fracote do Hardgart cair morto no chão desse santuário.

Ragnar se conteve para não conjurar um raio bem no meio do focinho dele.

— Boa sorte no duelo, estou torcendo pela sua derrota… — Deu-lhe as costas e foi embora junto de seus aliados. Caminhou pelo corredor escuro.

No gramado do lado de fora, deparou-se com uma discussão entre as espécies comuns. Os pardos, que formavam o maior bloco, defendiam a decisão de Hardgart em querer enfrentar Torvell no duelo.

O coração de Ragnar derreteu ao ver o pequeno Mikken agitado, tremendo ao lado do pai, implorando com uma voz chorosa:

— P-pai, p-por favor… não lute com ele. Não faz isso, favor, paai…

De frente para Hardgart, seu filho e seus irmãos pardos; os líderes Knudsen, Troel e Inga voltaram a insistir para que esquecessem o duelo afim de enfrentarem os de ferro.

— Você está jogando nossa vantagem no lixo! — esbravejou Inga. — Nós podemos vencê-los com nossos números.

— Não seria uma vitória, seria um massacre.

— E você acha que pode derrotá-lo em um duelo até a morte?

— Eu não irei lutar… — A resposta de Hardgart estarreceu a todos, e ele continuou: — Se Torvell quiser me matar, que assim seja.

Ragnar arrastou os pés pelo gramado, roçando a coronha da lança entre as folhagens.

— Parece um bom plano. — Sua voz esbanjava ironia. —  Mas Torvell não tem escrúpulos. E por acaso você pensou no seu filho caso…

— Eu sou o líder dos ursos pardos, não posso me acovardar diante do perigo.

Ragnar admitiu:

— Quem dera Torvell pensasse dessa maneira. Mas nos diga uma coisa: e se o pior vier a acontecer?

— Se a solução pacífica falhar, então Torvell matou alguém que não revidou, ele terá passado dos limites, e a guerra será a única opção restante, mas eu terei morrido fazendo o que julguei ser o certo.

O plano até fazia sentido. A primeira fase buscava derrotar moralmente o grande urso de ferro, pois ele precisaria eliminar um Hardgart comprometido a não revidar.

Agora, se o pior acontecesse e Mikken ficasse órfão, a cena forte da execução sensibilizaria os demais ursos do santuário para a segunda fase, a guerra civil, onde a vitória era provável, mas o custo, incalculável.

— Você é maluco — falou na cara de Torvell.

Então se abaixou em frente ao pequeno urso manco deitado e encolhido ao lado do corajoso pai. Após um comando mental, a lança voltou ao inventário, e com a mão direita agora livre, afagou a cabeça do pequeno.

— Mikken, eu prometo que farei o possível para que nada aconteça ao seu pai.

Hardgart, sentado ao lado do filho, virou a cabeça e o encarou.

— O que você está planejando?

Ragnar se levantou.

— Seu plano é uma merda, mas não te ajudar se vocês realmente querem se matar. Por isso estou pensando em uma solução definitiva para todos os nossos problemas.

O grande urso bufou e se voltou para os demais ali reunidos.

— Agora nos resta esperar — finalizou e se levantou nas quatro patas, pondo-se a caminhar pelo gramado em direção à área onde sua espécie residia. Mikken se levantou em seguida e seguiu o seu pai, cabisbaixo e deprimido.

Ragnar olhou para o céu estrelado e refletiu outra vez: estou sentido que vai dar merda, eu preciso pensar em alguma coisa, e rápido.

E se deu conta de que estava ficando tarde, era melhor se preparar para dormir, pois no dia seguinte teria que conciliar o grande duelo com a invasão da seita à Vila Torino.

Ele acreditava que o duelo entre Hardgart e Torvell aconteceria antes, ainda de tarde, enquanto a invasão deveria ficar para a noite, havia a chance de os dois convergirem no mesmo horário.

Se as suas expectativas fossem cumpridas, a invasão à vila seria algo grande e com ótimas recompensas caso conseguissem protegê-la. Por outro lado, a disputa de poder no Refúgio dos Ursos de Ferro era algo pessoal e que o envolvia como o druida herdeiro de Bjorn.

As recompensas apontavam para a vila, já o dever de sua classe sinalizava para o santuário. E sob a luz do luar, fez sua escolha.

Jú, me perdoe.

Ele desconectou do jogo, saiu da cápsula de imersão, e se preparou para dormir.


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