Volume 1
Capítulo 44: Ponto de Ruptura
Ragnar saiu da cripta acompanhado por Mikken.
Hardgart e os outros três líderes vieram atrás, discutindo o que deveria ser feito a respeito da violação da cripta. E sem perceber por estavam concentrados na conversa, acabaram acelerando o passo, obrigando Mikken e o druida a fazerem o mesmo.
Com isso o pequeno ficou para trás por conta da pata debilitada. Vendo-o nessa situação. Ragnar se transformou em urso de ferro e se ofereceu para transportá-lo em uma das bolsas de couro.
O pequeno comemorou e, mais uma vez, entrou na mais próxima da cabeça dele. Graças a isso não demorou para todos os seis chegarem área interna do santuário.
Um grupo de onze ursos pardos, vermelhos e rajados transitavam pelos corredores. E quando viram os seis que se aproximavam, abaixaram-se e abriram passagem para os seus líderes.
— Venham conosco, nós precisamos de vocês — ordenou Hardgart.
Knudsen, líder dos vermelhos; Troel, dos Cinzentos; e Inga, dos rajados, endossaram as palavras do líder dos ursos pardos;
Os onze acataram o pedido e se colocaram atrás de Ragnar. Situações semelhantes se repetiram conforme avançaram pelas construções. Cada vez mais ursos os seguiam. Então chegou o momento em que o grupo se tornou uma grande tropa de 41 feras.
Ragnar analisou os ursos que os acompanhavam. O nível médio deles era 30, alguns estavam no 32, enquanto apenas os líderes chegavam ao 35. E se a memória não o traía, todos os ursos de ferro estavam acima do nível 40.
Apesar da vantagem de nível pesar em favor dos de ferro, ele torcia para que a vantagem numérica da união das espécies fosse o fator determinante caso o pior viesse a acontecer.
O grande grupo se aproximou da construção onde Torvell costumava ficar junto de seus irmãos mais próximos. Hardgart, entretanto, parou a poucos passos da entrada.
— Irmãos e irmãs — anunciou em alto e bom tom. — Peço para que todos prestem atenção no que tenho a dizer. Há poucas horas nós descobrimos alto aterrador…
Suas palavras transmitidas mentalmente atiçaram a curiosidade dentro de cada um.
— A cripta do necromante foi violada, e o corpo, roubado. Mas o que nos trouxe até aqui foram as suspeitas de quem pode estar envolvido nisso…, pois a primeira trava, o mecanismo da pata de ferro, está intacta; enquanto a última, a da aranha, foi destruída
Dezenas de rosnados reverberaram pelo corredor. Ragnar testemunhou em primeira mão o aflorar do ressentimento que nutriam por seus colegas privilegiados. Quando os ânimos se acalmaram, Hardgart continuou:
— Como bem sabemos, o maldito Bjorn confiou a segurança daquela cripta aos nossos primos de ferro, mas eles falharam conosco. Então eu preciso saber se poderei contar com vocês caso o pior aconteça.
Rugidos emocionados pontuaram a posição favorável que nutriam por Hardgart. O apoio maciço ao urso pardo preocupou Ragnar, pois a teoria de uma ruptura de poder era cada vez mais provável.
E tudo isso é culpa minha, preocupou-se em pensamento.
Eu sou o herdeiro do druida de ferro. Eu deveria trazer paz a este lugar, mas cá estou eu revelando o crime dos ursos a qual tenho uma relação direta. O que acontecerá comigo se a guerra virar este santuário de cabeça para baixo?
Sentiu o nervosismo o corroer por dentro. Quando terminou de refletir, Hardgart e seus irmãos já adentravam na grande sala.
Preciso fazer minha parte. Resguardar a paz é meu dever como herdeiro.
Mais de cinquenta ursos estavam presentes no interior do salão principal. Quarenta e um acompanhavam Hardgart, enquanto dez ursos de ferro protegiam Torvell da ameaça que se aproximava.
— O que vocês fazem aqui? — perguntou o urso regente.
— O que aconteceu na cripta? — Hardgart inquiriu, pondo-se à frente de seus aliados.
Os olhos vermelhos de Torvell recaíram sobre Ragnar.
— Druida. Você sabe do que ele está falando?
Ragnar caminhou com o coração acelerado. Todos aqueles olhares raivosos e indignados acompanharam seus passos. Parou entre os dois grupos, ficando a pouco mais de cinco metros de Hardgart e de Torvell.
— É uma longa história — disse olhando nos olhos vermelhos de Torvell —, mas tentarei ser breve. Dias atrás eu estive investigando uma seita necromante chamada Caminho da Aurora…
Notou como os olhos de Torvell se contraíram ao ouvir aquele nome. Prosseguiu:
— Dias antes, uma amiga minha encontrou um diário escrito por um sobrevivente de um massacre da autoria desse grupo. Nesse diário constava o relato de um membro da seita comentando a outro sobre sacrificar inocentes para trazer Mergraff, o rei dos necromantes, de volta ao mundo dos vivos.
Parou um momento e contemplou as faces intrigadas de todos ali presente. Demorou quase um minuto até perceber que Mikken agora estava ao seu lado, com o mesmo olhar curioso de seus semelhantes, porém, com um tom brincalhão.
Não posso me distrair, pensou e retomou o relado de onde parou:
— Nós conseguimos capturar um membro da seita. Ele confirmou o plano de ressureição que constava no diário. Em seguida vim a este santuário para consultar o espírito do druida que derrotou o rei dos necromantes. Bjorn ficou chocado com a revelação e, na oportunidade, revelou a mim que o corpo de Mergraff foi sepultado aqui, no solo sagrado desse santuário druídico.
A respiração de Torvell estava pesada, acelerada e fora de ritmo.
É agora que vou morrer, Ragnar pensou antes de prosseguir:
— Em seguida Bjorn também revelou que, para um druida adentrar na cripta, era necessário possuir duas formas animais distintas. A de urso de ferro: para descer até a antessala, e a de aracnídeo: para ativar o mecanismo que trancava a sala do túmulo. Porém… quando desci até a sala, acabei me deparando com um rombo na parede justamente onde deveria estar o último mecanismo. E o túmulo…? Bem… foi destruído e escavado. Não havia corpo algum lá dentro.
Torvell comprimiu os olhos vermelhos em raiva e exibiu os dentes afiados antes de rugir:
— Mentira!
— É verdade — manifestou-se Inga. — Eu e os demais líderes de raça também visitamos a cripta, então podemos atestar que o druida disse a verdade.
— Torvell, admita! — Hardgart se impôs.
— Nunca! — Foi a resposta que obtiveram do acusado.
— Então você está admitindo a culpa… — Ragnar falou devagar e pausadamente. — Torvell, seu silêncio o incrimina, diga a verdade.
Os ursos comuns, com a vantagem de números que possuíam, cercaram Torvell e os dez ursos negros de ferro que o protegiam.
— Ah, mas é claro. Você quer tomar meu lugar, não é mesmo, Hardgart?
O grande urso pardo avançou dois metros.
— Nós queremos a verdade. Vocês foram escolhidos pessoalmente pelo antigo druida de ferro. É dever de vocês zelar pela segurança do refúgio e, principalmente, pelo corpo daquele maldito necromante. — A entonação raivosa transitou para um tom calmo. — Chega de mentiras, nós exigimos a verdade.
— Torvell — Ragnar o chamou e se aproximou com um passo de cada vez. — Por favor, nos diga o que aconteceu. O futuro de não apenas este santuário, mas de toda Avalon corre perigo.
Os olhos arregalados de Torvell brilharam. Ele está comovido, Ragnar comemorou, certo de que iria admitir a culpa e revelar o que aconteceu, mas o urso negro soltou um rugido poderoso que extravasou parte de sua ira.
— Vocês querem a verdade? Eu os ajudei, sim! Eu permiti que aqueles fanáticos recuperassem o corpo daquele desgraçado. E sabem por quê? Porque não há muito de nós, de ferro; e vocês são todos são fracos. Eles são muitos, nós quase nada. Este santuário nunca iria resistir a um ataque deles. Então eu fiz o que era melhor para mim e para vocês, eu permiti que entrassem e pegassem o corpo fedorento daquele desgraçado. — Houve uma breve pausa. — Vocês só estão vivos por minha causa.
— Covarde! — bradou Hardgart, em fúria, acompanhado pela cólera dos demais ursos ao seu redor, mas seu frenesi não findou em suas palavras. Ele avançou contra o regente, suas patas grossas pisaram no chão em seu avanço colérico. Torvell o viu se aproximar, sorrindo em desdenho, preparando-se para massacrar o chefe dos pardos.
Mas um urso de ferro se jogou contra Hardgart, cessando o avanço à força, derrubando-o no chão.
— Acalme-se — rugiu Ragnar em sua forma de urso, caído no chão por conta do impacto.
— Druida traidor, você está do lado dele! — afirmou o pardo, cheio de si.
— Não, Hardgart, eu estou do seu lado.
No centro do vasto salão, Torvell proferiu:
— Eu sabia. Você veio ao meu santuário para roubar o meu posto.
— Torvell — começou Ragnar. — Eu entendo a sua escolha.
— O quê? — agora foi Hardgart quem ficou incrédulo.
Mas o druida não se deixou abalar.
— Sim, é isso mesmo. Torvell escolheu proteger o seu povo, e isso é algo nobre. Mas você foi irresponsável em deixar seus irmãos no escuro, você deveria tê-los ouvidos. Essa era uma decisão que deveria ser tomada em conjunto.
— Insolente… — proferiu o regente.
— E fazendo essa escolha egoísta… — Ragnar preparou o golpe final. — Você condenou todos nós. Mergraff irá retornar. E era dever deste santuário impedir que isso acontecesse outra vez. Vocês deveriam ter lutado mesmo que em vão, ou ter preparado um plano para derrotá-los no futuro. Mas agora… graças a você, Torvell, o terror do passado irá se repetir por sua causa.
O líder dos pardos proferiu sua declaração:
— Eu, Hardgart, líder dos ursos pardos deste Refúgio, destituo Torvell da regência do santuário.
O maior urso vermelho solidarizou-se à causa:
— E eu, Knudsen, dos vermelhos, apoio a declaração de Hardgart.
A seguir, Troel e Inga também manifestaram apoio. E Torvell, ao ver o desenrolar da situação, dobrou a aposta:
— Então é assim? Estão achando que vou me render sem antes lutar?
— Acabou, você não tem mais apoio aqui dentro — disse Hardgart.
O urso de ferro recuou até se emparelhar aos seus irmãos no centro do salão. Eles formaram um círculo e começaram a debater entre si.
Ragnar os observou e ponderou sobre o que poderiam estar debatendo. Com toda a certeza discutiam maneiras de escapar daquela situação. Um respiro de racionalidade em meio ao caos que recaiu sobre eles.
Ao terminar, viraram-se em direção ao druida e ao urso pardo.
— Nós chegamos a um veredito.
Ragnar acenou para que se manifestasse. Torvell ergueu a cabeça e os encarou.
— Nós não iremos nos render as suas vontades. Defenderemos nossa honra até o fim, então iremos honrar nossos ancestrais lutando até a morte.
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