O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 36: O Destino da Vila

Diante da notícia do possível ataque da seita, o prefeito da Vila Torino convocou Ragnar e Julie para uma reunião emergencial na prefeitura. Os três avançavam a passos rápidos pela rua principal, seguidos por centenas de moradores ansiosos e preocupadas com as revelações.

Ragnar aproveitou o momento para chamar seus amigos de volta usando a função de comunicação de grupo. Havoc e Skiff apareceram em poucos minutos, cruzando a esquina da rua principal a dois blocos de distância.

A dupla aguardou a multidão se aproximar e, ao avistarem o druida e a lutadora, juntaram-se a eles.

Havoc os cumprimentou com uma boa notícia:

— Descobrimos um lugar suspeito.

Ela falou colocando-se à direita da lutadora, que perguntou:

— Onde?

— Na mata ao leste. Um dos guardas da torre jurou ter avistado um estranho atrás de uma moita.

— E quando foi que ele avistou esse suspeito? — perguntou o druida.

— Depois do pôr do sol — foi Skiff quem respondeu.

— Faz sentido — disse Ragnar. — Eles devem estar aproveitando os últimos raios de sol para enxergar o movimento da cidade. Assim teriam tempo de fugir durante a noite. Vocês dois fizeram um bom trabalho.

— Foi ele quem conseguiu convencer o guarda — Havoc falou apontando para Skiff. — O desgraçado não ia abrir a boca de jeito nenhum porque estava desconfiado de nós. Então, Skiff ficou puxando papo até ganhar a amizade dele. Eu estava para arrancar meus olhos de tanta conversa fiada, mas no fim, tudo deu certo. O guarda riu tanto que abriu a boca.

Ragnar arqueou as sobrancelhas. Ao contrário de suas impressões iniciais, o caçador se mostrou um candidato valioso para a futura guilda. Alguém capaz de ganhar um NPC na conversa poderia ser um investimento com ótimas projeções de retorno.

— Mandou bem, Skiff — agradeceu.

— Só fiz a minha parte — o caçador falou coçando a nuca.

Os quatro continuaram seguindo o prefeito. Não demorou para enfim chegarem à prefeitura, uma construção de pedra cinzenta com três andares.

Em cima da larga porta de madeira de duas folhas estava estendida a bandeira do vilarejo: um fundo branco com os três pares de chifres de Megalotauro.

O prefeito enfiou a mão direita no bolso da calça e retirou uma chave. Com essa chave ele abriu a porta, mas permaneceu parado no batente por alguns segundos, depois girou nos calcanhares e contemplou a multidão em sua frente.

— Meus caros amigos. Eu peço para que entrem na prefeitura apenas os oficiais da guarda, os chefes comunitários e os líderes de caça.

Ragnar simulou uma tosse nada convincente.

— É claro que vocês também estão convidados — Joshua finalizou e cedeu espaço para os convocados entrarem.

Quando o último deles entrou, o prefeito caminhou para dentro e depois trancou a porta da prefeitura.

O toque de uma notificação despertou Ragnar de seus devaneios. Era uma mensagem de Niki, perguntando: “Onde vocês estão?”.

E ele respondeu enviando as coordenadas junto à mensagem: “Na prefeitura”.

Instantes depois, Niki escreveu: “Nós estamos bem na frente dela, mas não conseguimos entrar. Esse bando de ***** não deixa a gente passar!!!”.

Ragnar se dirigiu ao prefeito Joshua, que estava parado em pé ao lado da porta, com uma face cansada e pensativa.

— Senhor prefeito. Lá fora tem dois amigos meus que acabaram de chegar. Eles também contribuíram com a investigação, então… creio que seria muito produtivo se eles participassem da reunião.

— Tudo bem.

O prefeito destrancou a porta e abriu apenas uma das folhas. Era difícil discernir quem era quem entre tanta gente se aglomerando. Ragnar parou ao seu lado e apontou para a assassina e o cavaleiro em meio à multidão.

Joshua ergueu a voz e suplicou para dispersassem. Sua influência era tamanha que todos obedeceram. E dessa forma, Niki e Artic adentraram na prefeitura com tranquilidade.

— Bem-vindos de volta — disse Ragnar.

A dupla cumprimentou os presentes e caminhou para perto de Julie, Skiff e Havoc. O prefeito trancou a porta outra vez, e olhou para cada um ali dentro antes de se manifestar.

 — Sigam-me, por favor. Vamos conversar em um local mais apropriado.

As dezoito pessoas ali reunidas, incluindo os seis jogadores, atravessaram o corredor até pararem em frente a uma porta de madeira escura. O prefeito a abriu e pediu aos convidados que entrassem.

Ragnar passou pela porta e deparou-se com um escritório espaçoso, com fileiras de cadeiras nas laterais; um grande tapete arroxeado que servia de passagem até a mesa de madeira do outro lado do cômodo, onde Joshua se sentou, cruzou as pernas e apontou para a fileira de cadeiras a sua direta.

— Chefes comunitários, sentem-se por favor.

Os chefes eram três mulheres e dois homens que pareciam estar na casa dos quarenta anos de idade. Eles vestiam roupas de couro e lã, e estavam sujos por conta do longo dia de trabalho. Os cinco ouviram as palavras do prefeito e sentaram na fileira indicada.

Em seguida, Joshua apontou para as cadeiras a sua esquerda.

— Líderes de caça, oficiais da guarda, fiquem à vontade.

Os dois homens e a mulher do grupo de caça vestiam trajes de couro grossos e reforçados. Na cintura portavam bainhas lâmina de médio porte, como espadas e facões, mas todos traziam consigo apenas facas. E semelhante aos chefes comunitários, eles agradeceram, e se sentaram onde lhes foi indicado.

— Vocês podem se sentar onde quiserem, mas eu adoraria se ficassem em minha frente. — O prefeito falou aos aventureiros, oferecendo as quatro cadeiras em frente a sua mesa. Ragnar e Julie sentaram nas duas do meio.

As outras duas duplas se entreolharam e, sem que uma palavra fosse dita, Havoc se sentou à direita de Julie, enquanto Artic ocupou a cadeira à esquerda de Ragnar. Portanto, Niki e Skiff ficaram em pé, cada um em um extremo.

— Ragnar, se o que você nos contou for verdade — começou Joshua —, então nós estamos diante de uma ameaça terrível, e nunca antes vista na história de meu vilarejo. Nós precisamos unir forças para proteger o vilarejo dessa seita macabra. Portanto… darei ouvidos a quaisquer sugestões.

Ragnar se levantou, caminhou para trás da fileira de cadeiras onde sentara com seus amigos, e parou atrás de Skiff.

— Este meu amigo caçador — falou apoiando a mão no ombro do referido. — Descobriu que um solado da guarnição já se deparou com uma figura suspeita espionando o vilarejo.

Quando terminou, os olhares se voltaram para o capitão e o tenente da guarda.

— Como um de seus homens pôde omitir uma coisa dessas? — Joshua inquiriu detrás de sua mesa.

O capitão se levantou com rispidez, ameaçando avançar contra o prefeito, porém. Niki agiu por instinto, utilizando a agilidade de sua classe para se erguer, virar e saltar sobre a cadeira com toda a destreza e velocidade que possuía.

Quando sua bota tocou o chão, avançou com a habilidade Passos da Sombra, materializando-se em fumaça negra, e voltou a forma normal, ficando cara a cara com atacante, mas com os dedos de suas mãos pressionando a empunhadura das adagas.

— Sente-se agora mesmo, garota, ou irá se arrepender — O capitão espremeu os olhos castanhos e alisou a barba ruiva.

— Isso foi uma ameaça? — Niki falou puxando devagarinho suas lâminas.

Ragnar correu até eles.

— Calma, sua doida. — E puxou ela de volta para o grupo.

O prefeito os encarava com uma sutil decepção. Ragnar manteve-se firme e prosseguiu sem se deixar abalar com o descontrole da amiga.

— Como estava dizendo, meu amigo, Skiff, extraiu uma informação muito valiosa de um dos guardas da torre leste. Este soldado teria avistado um suspeito escondido em uma moita, espionando o vilarejo durante o pôr do sol. Portanto, acredito que seu objetivo fosse aproveitar os últimos raios de luz para fazer o reconhecimento do vilarejo, e depois fugir em meio a escuridão da noite.

Joshua balançou a cabeça para cima e para baixo. Em seguida, Ragnar observou os chefes comunitários, aqueles que acreditava serem os mais espertos entre os moradores do vilarejo. E pela cara deles, pareciam estar em negação.

—  Que provas você tem disso tudo? — perguntou um senhor de barba e cabelos pretos, mas com inúmeros fios grisalhos.

— O testemunho do guarda — Julie respondeu olhando para trás.

— Aposto que foi o Matt — disse a única mulher entre os líderes de caça. — Ele não bate bem da cabeça. É melhor ignorarmos.

Os outros dois caçadores concordaram.

— É verdade. Ele vive dormindo em serviço. Deve ter visto este tal suspeito em seus sonhos — disse o capitão da guarda, provocando risadas entre os presentes, exceto com o prefeito e os jogadores.

— Capitão — disse Joshua. — Os aventureiros trouxeram evidências. Venha até aqui, pegue este caderno e veja com seus próprios olhos.

E foi o que o capitão fez, ele andou até a mesa do prefeito, pegou o caderno e leu cada linha em uma velocidade excruciante de tão lenta.

— Mentira, isso é tudo mentira. Qualquer um pode ter escrito uma coisa dessas. Aposto que eles mesmo escreveram tudo isso — disse ao terminar de ler.

O tenente, os líderes de caça e os chefes comunitários, concordaram.

— O caderno foi encontrado no vilarejo massacrado — argumentou o prefeito.

— Com todo o respeito, mas eles não são daqui — o capitão falou apontando para os seis aventureiros. — Nós não sabemos quase nada a respeito deles. Então quem aqui pode provar que eles não são pilantras aproveitadores?

— E por que eles fariam uma coisa dessas? — o prefeito perguntou.

— Não sei, e eu também gostaria de saber — o capitão finalizou e retornou para sua cadeira.

Joshua juntou as mãos e abaixou a cabeça. A possibilidade de ele estar caindo na lábia daquele sujeito preocupou Ragnar.

O druida olhou para seus amigos. Niki cerrava os dentes; Havoc batia o pé no chão; Julie estava com as mãos na cabeça, pensando. Já Skiff arregalava os olhos, incrédulo, enquanto Artic via aquilo tudo com uma estranha serenidade.

Ragnar levou a mão ao rosto. Tentou pensar em alguma maneira de convencê-los, mas pelo tom da conversa, seria impossível. Os líderes estavam convictos de que tudo não passava de um mal-entendido.

Um ruído agudo reverberou pelo cômodo. Julie havia se levantado, o barulho fora causado pelo arrastar de sua cadeira. Ragnar conhecia aquela face determinada, ela iria tentar convencê-los.

— E se vocês estiverem errados? E se esse guarda que vocês tanto zombam estiver certo? — ela falou com firmeza na voz.

— Ha! — berrou o capitão da guarda. — Impossível.

— Então me diga uma coisa: se você sobreviver ao massacre, teria coragem de pedir desculpas a ele? Ou se acovardaria como está fazendo agora?

Tudo aconteceu muito rápido. O capitão puxou a faca em seu cinto e avançou contra a lutadora que o desafiou, seu olhar assassino visava o coração do alvo. Ele avançou um, dois, três passos, e, quando ergueu a perna direita para dar o quarto passo, um vulto preto e vermelho o derrubou.

Ele foi de costas ao chão. Julie estava agachada, a perna esquerda dobrada e a direita estendida. Ela se levantou, ajeitou o traje marcial, e deu as costas ao capitão que se contorcia no chão, sem ar. Depois caminhou até a mesa do prefeito, parou em frene a ele, juntou as mãos, curvou-se para frente, e desculpou-se:

— Perdão pela confusão.

— Está tudo bem, ele mereceu.

Julie agradeceu e voltou para seus amigos. Um chiado metálico ressoou pelo cômodo. Os cinco jogadores olharam para a fonte do ruído e se depararam com Havoc deslizando a espada de volta para a bainha.

— Que foi? — disse ela. — Eu me assustei quando ele sacou a faca.


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