O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 35: A Primeira Pista

Após se distanciarem do grupo, Ragnar e Julie pararam para formular um plano de investigação do vilarejo. E após uma longa conversa recheada de teses, antíteses e momentos acalorados, eles chegaram a uma conclusão. 

A maneira mais eficiente de encontrar pistas sobre a seita Caminho da Aurora consistia em localizar e questionar as figuras mais importantes da Vila Torino, pois a chance dessas pessoas terem visto, ou saberem de alguém que viu os integrantes da seita, era maior que a de um morador comum.

A dupla, entretanto, não descartou a possibilidade de um camponês comum ter a resposta. E para cobrir essa parte da população, optaram por adentrar e conversar com os NPCs nas principais construções do vilarejo, como as lojinhas, oficinas, armazéns, açougues e residências oficiais.

Porém, o tempo passou e nenhuma pista foi encontrada. Julie foi perdendo as esperanças a cada vez que agradecia um morador por reservar um tempo para responder as suas perguntas. Cabisbaixa e desesperançosa, parou em frente a uma casinha de madeira e sentou em um barril de madeira castanha ao lado da porta.

— Precisamos apelar, vamos ter que interrogar cada morador na rua.

Ragnar se recostou na parede da casa. Seus olhos estudaram cada uma das dezenas de pessoas caminhando sobre os paralelepípedos da rua principal.

— Faltou visitar alguma construção importante?

Julie abriu o mapa e o ajeitou para que ele pudesse olhar junto. Com o dedo indicador apontou para dois pontos vermelhos em lados opostos do vilarejo.

— As torres leste e oeste da guarnição.

Ragnar alisou o queixo e ponderou sobre as alternativas.

— Acho melhor delegarmos essa vistoria aos nossos amiguinhos.

— Faz sentido. Eles estão muito mais pertos dessas torres do que nós. Assim podemos nos dedicar a questionar o restante dos moradores.

— Exatamente.

Ele estalou os dedos e se preparou para enviar uma mensagem as outras duplas, mas Julie foi mais ligeira e acionou o comando de comunicação de grupo primeiro, então falou para todos os membros do grupo:

— Galera. Nós vamos precisar de um favorzão de vocês. Precisamos que cada dupla vá a uma dessas torres para questionar os guardas. Obviamente, cada dupla fica responsável pela torre mais próxima.

Em seguida extraiu as coordenadas das torres e as enviou para cada dupla. Ragnar admirou o talento e a naturalidade dela em manipular um mapa. Isso foi sempre um ponto forte dela.

— Nós já questionamos todos os guardas da torre oeste. Ninguém lá viu gente estranha ou suspeita nos últimos dias. — A voz de Artic ressoou em seus ouvidos.

— Entendido, mas continuem procurando — respondeu Julie.

Em seguida ouviram a voz de Havoc:

— Okay, iremos para essa torre agora mesmo.

— Obrigada, e boa sorte — Julie finalizou fechando a comunicação de grupo.

— Isso é preocupante, estamos ficando sem muita escolha — disse o druida.

Julie virou o rosto em sua direção, mas graças ao capuz cobrindo a maior parte de seu rosto, era difícil dizer o que estava sentindo naquele momento.

— Não se preocupe, vai dar tudo certo — ela disse em um tom calmo.

Ragnar estalou os dedos outra vez. Sua face expressava a empolgação de alguém que formulou uma ideia brilhante.

— Jú, você poderia descer do barril?

Ela resmungou, mas acatou o pedido. Ragnar se agachou e agarrou o barril, então fez força, sua face ruborizou e se contraiu a um nível grotesco que causou repulsa na lutadora.

— O que tem dentro desse barril? Chumbo? — reclamou e largou o objeto, depois olhou para a amiga com um olhar de dar dó. — Jú. Me ajuda, por favor?

— Só se você implorar.

— É sério que você vai me sacanear agora?

Ela deu de ombros e Ragnar fuzilou-a com um olhar. E decidido a não se render aos caprichos da garota, surpreendeu-a transformando-se em urso de ferro.

A população na rua estarreceu com a aparição repentina da fera, a maioria não titubeou e saiu correndo por suas vidas, já os demais foram se afastando devagar, evitando provocar a ira do grande urso negro de olhos vermelhos com patas de ferro.

Ragnar abriu a boca e exibiu seus dentes enormes de urso para Julie, que reagiu cruzando os braços e o olhando com uma expressão entediada. Decido a não se dar por vencido, Ragnar deu uma patada no barril, derrubando-o no chão, e começou a rolá-lo em direção ao centro do vilarejo.

— Você sabe que eles vão fugir enquanto estiver nessa forma — ela alertou ao se pôr a caminhar.

O urso parou, voltou a forma humana e esperou Julie se aproximar. Ainda dava para ouvir os gritos apavorados daqueles que fugiram minutos atrás. A lutadora estacou em frente ao barril largado no chão, então se abaixou e o colocou em pé.

— Decidiu ajudar? — Ragnar perguntou.

Ela ficou calada, e, em um movimento só, ergueu o barril e o apoiou sobre o ombro esquerdo.

— Vamos? — disse ela.

Ragnar concordou, e juntos voltaram a caminhar pela rua. Fazer ela carregar um barril pesado daqueles poderia não ser a atitude mais nobre a se tomar, mas era melhor do que espantar a população com a forma de urso.

A dupla chegou em um espaço aberto, adjacente à intersecção da rua principal com duas secundárias.

— Jú, você faria o favor de largar o barril ali no meio? — falou apontando para o centro da intersecção, a área mais movimentada do local.

Ela fez o que foi pedido e depois virou-se para perguntar:

— E agora?

— Agora eu vou apelar ao sensacionalismo.

Ragnar subiu no barril com um salto, assustando três transeuntes curiosos que decidiram parar para ver o que iria fazer. Em seguida, passou um minuto testando o palco improvisado.

Ele pisou com força, se balançou para frente, para trás e depois para os lados. Um sorriso se formou em seus lábios. O barril era estável como uma rocha, então poderia gesticular à vontade, sem medo de ir ao chão

Cada vez mais pessoas paravam para ver o que iria fazer. Ele olhou ao redor, para o seu público, para as construções de madeira, daquela altura era possível espiar o fluxo de pessoas transitando pelas vias laterais.

Ele torceu para encontrar Havoc, Skiff, Niki ou até mesmo Artic, mas não teve sorte. Em vez disso, um comerciante encostado em sua carroça resmungou em voz alta:

— Ei, você do barril! O que pensa que está fazendo?

Ragnar girou nos calcanhares e se deparou com uma figura magérrima, de cabelos longos e com poucos dentes na boca. Em vez de responder, olhou para baixo, para Julie, que reagiu.

— Tá esperando o quê? Um abraço? — Finalizou dando uma puxada no capuz, ocultando ainda mais a sua face.

Centenas de NPCs se aglomeravam em sua frente, olhando-o com curiosidade, alguns tinham as mãos na cintura, outros no queixo. Ragnar decidiu se aproveitar da curiosidade insipiente. Primeiro ajeitou a postura, depois estufou o peito, e anunciou aos berros:

— Povo de Vila Torino, povo de Vila Torino! Um minuto de sua atenção, por favor!

O anúncio chamou a atenção dos transeuntes que o haviam ignorado até o momento. Muitos se assustaram com o grito proferido, outros já se prepararam para xingar o arauto.

— Escutem-me, por favor. Eu trago uma notícia preocupante, mas que precisa chegar aos seus ouvidos.

— Então fala logo! — berrou uma voz grave, feminina.

Por sorte eles pareciam dispostos a ouvi-lo. Cada vez mais gente se aglomerava em torno do barril. Ao longe viu dezenas de pessoas correndo em sua direção, alguns pareciam correr apenas por verem outras pessoas convergindo para aquele lugar.

Ótimo, quanto mais gente, melhor.

E esperou até não ver mais curiosos chegando, o que deixou muita gente nervosa. E para não perder o público, falou:

— Povo de Vila Torino. A notícia que trago é de extrema importância, então vos imploro, ouçam-me com o coração.

Para conquistar NPCs é necessário amaciá-los primeiro, repetiu em sua cabeça uma das leis que formulou para o jogo. Instantes depois, quando sua confiança aflorar, prosseguiu com o discurso:

— O que tenho a lhes dizer é o seguinte: existe um grupo de pessoas má intencionadas ameaçando esse vilarejo. Eles fazem parte de uma seita maligna chamada Caminho da Aurora. Mas não se deixem enganar por esse nome pomposo e bonito, pois ele esconde sua verdadeira intenção. Eles querem sacrificar vidas inocentes para ressuscitar o demônio, o rei dos necromantes, o trazedor da morte e de tudo que há de ruim… E as provas são claras como a água de uma nascente imaculada. Tudo indica que esse vilarejo será o próximo alvo deles — Ragnar desacelerou o ritmo de fala e aumentou o tom nas últimas frases.

O silêncio se arrastou por segundos intermináveis, então o inferno encarnou na terra. A população gritou de medo, de ódio. Muitos o xingaram e o amaldiçoaram sem pudores. Ele ouviu àquilo tudo sem dizer nada, apenas esperou os ânimos se acalmaram para poder continuar, mas no meio disso, sentiu algo apertando sua perna, era Julie.

— Mandou bem — ela zombou.

— Está tudo sob controle.

— Estou vendo.

A gritaria perdeu força. Alguns começaram a exigir que se explicasse. Ragnar se preparou para apresentar as evidências, mas neste meio tempo, um sexagenário caminhou pela multidão proferindo cumprimentos e palavras carinhosas para cada um em seu caminho. Sua postura altiva e seus cabelos grisalhos bem penteados o concediam uma imponência que transpirava serenidade e respeito.

Era alguém importante, Ragnar e Julie perceberam de imediato.

— Você poderia descer do barril, por favor? — o senhor pediu com todo o respeito ao se aproximar do dois.

O druida fez o que foi pedido.

— Agora poderia me dizer o seu nome, e por que está causando tanto tumulto?

Um longo assovio zombeteiro deu o tom da encrenca em que havia se metido, Ragnar virou-se a tempo de ver Julie com os lábios contraídos. Ao ver que foi pega no flagra, ela apenas sorriu, acenou com discrição e ocultou a face puxando o capuz. Ragnar voltou-se para o senhor em sua frente, e se explicou:

— Meu nome é Ragnar, eu sou um druida, e vim a este vilarejo para lhes alertar do grande perigo que se aproxima.

— É mesmo? Bem, como você foi educado, irei retribuir o favor. Meu nome é Joshua, sou o prefeito desse vilarejo, apontado pessoalmente pelo duque Van Clóvis de Salem. Agora me diga, de que perigo é esse que você veio nos alertar?

Ragnar virou-se na direção de Julie.

— Agora é com você. — E piscou o olho esquerdo.

Ela cerrou os dentes, desencostou do barril, se aproximou do prefeito e curvou-se em respeito. O senhor grisalho aprovou o gesto com um menear sutil de cabeça. Sem perder tempo, Julie abriu o inventário, tirou o caderno do sobrevivente que encontrou no vilarejo massacrado, abriu-o na página correta e o entregou ao prefeito.

Ela e Ragnar aguardaram o prefeito finalizar a leitura. O cenho franzido dele transparecia sua preocupação com o relato. E quando terminou de ler, devolveu o caderno e verbalizou suas intenções:

— Eu acredito em vocês. Foi na manhã de hoje que recebi a notícia do ataque àquela vila. Um paladino de Salem foi o primeiro a relatar o massacre, mas parece que a inspeção dele foi falha, pois retornou afirmando que não haviam vestígios do autor do ataque. Felizmente eu posso contribuir para a investigação, alguns dos soldados da guarda avistaram figuras estranhas caminhando à noite pela floresta aqui perto. Agora as peças se encaixam. Nós podemos estar diante de uma grande catástrofe, e eles podem atacar a qualquer momento. Irei agora mesmo alertar a guarda do vilarejo. Nós precisamos proteger a vila.

Era assustador como aquele senhorzinho conseguia manter a calma nessa situação. A maioria das pessoas ali reunidas ficaram apavoradas. Homens, mulheres e crianças choravam, temendo por suas vidas.

O druida olhou para os morros do oeste, faltavam algumas poucas horas para o sol se pôr. A noite estava chegando, e, com ela, o temor de um possível massacre apenas aumentava.


Página do Facebook onde você pode ficar por dentro dos lançamentos e também poderá interagir com o autor.

Página do Padrim para quem quiser contribuir mensalmente.

Chave PIX[email protected]



Comentários