Volume 1
Capítulo 37: Vigília Noturna
O capitão da guarda jazia deitado no chão do escritório do prefeito. Demorou quase um minuto para recobrar a consciência e se levantar. E, quando o fez, lançou um olhar recriminador para a lutadora que o derrubou, e retornou cabisbaixo para seu lugar.
O clima tenso arrefeceu os ânimos das outras lideranças presentes no cômodo. Sob o silêncio dos oficiais da guarda, dos líderes de caça e dos líderes comunitários; Ragnar, Julie e o prefeito debateram táticas de enfrentamento a uma possível invasão da seita.
Com o passar do tempo ficara nítido que a melhor estratégia seria capturar um espião deles. A invasão poderia ocorrer a qualquer dia e a qualquer hora. E seria demasiado cansativo se todos precisassem ficar em alerta durante vários dias.
Mas com a captura de um espião, eles poderiam extrair a data e a hora exata do ataque, assim como as táticas a serem empregadas. Mas para tornar isso realidade seria necessário capturá-lo vivo, algo difícil de se fazer, mas não impossível.
Quando essa ideia foi sugerida por Ragnar, tanto ele quanto Julie relembraram com saudosismo dos dias áureos de Dark Age, das guerras travadas entre nações e das vezes que precisaram raptar figuras importantes de Nova Avalon para desestabilizar os territórios controlados por seus rivais.
E quando esses devaneios acabaram, o prefeito se levantou da cadeira e caminhou até a estante no canto direito do escritório, onde retirou um grande rolo de papel amarelado. Em seguida foi até a grande mesa no canto esquerdo da sala e desenrolou sobre ela o papel em suas mãos.
Um mapa de traços toscos e tortos, porém precisos, abriu-se diante dos olhos dos seis jogadores. Nele era possível ver uma planta do vilarejo e os seus arredores.
— Aventureiros. — A voz de Joshua exalava cansaço. — Deixarei a vigília noturna a cargo de vocês. Pedirei para os guardas ficarem dentro do vilarejo durante essa noite, mas os deixarei prontos para a ação no caso de um possível ataque. Dessa forma vocês poderão se esgueirar pela mata sem que um soldado meu possa acabar espantando o espião.
A atenção do prefeito foi aos líderes sentados a sua esquerda.
— Capitão, você está de acordo?
O capitão da guarda estalou a língua e balançou a mão em um sinal de “tanto faz”. Joshua se afastou da mesa e parou em frente à janela com visão ao oeste, com calmaria em sua voz sugeriu aos aventureiros:
— Bravos aventureiros, o sol irá se pôr e qualquer momento.
— Entendido — disse Ragnar.
— Nós iremos vasculhar cada pedra das redondezas em busca do espião — complementou Julie.
O prefeito se aproximou da dupla liderando o grupo de jogadores e estendeu a mão para a lutadora.
— Nós formulamos um plano, mas agora é com vocês.
Ela apertou-lhe a mão e agradeceu. Em seguida, Joshua repetiu o gesto para Ragnar e depois para o resto do grupo.
Os convidados se levantaram e saíram do escritório. Ragnar e Julie diminuíram o passo até ficarem para trás no principal corredor da prefeitura.
— Tenho medo de que o espião não retorne mais. — Ela expressou sua preocupação. — Talvez já é tarde demais.
— Eu sei, isso também me incomoda. — O druida se solidarizou. — Mas o que podemos fazer a respeito disso?
— Nada…
Julie amargou a derrota e eles pararam a poucos metros da porta frontal da prefeita. Os demais convidados se aglomeravam ao redor do prefeito revirando os bolsos à procura da chave.
— Há! — Joshua comemorou erguendo a chave retirada do bolso.
Em seguida inseriu-a no buraco da tranca da porta, girou e puxou a maçaneta. A porta abriu-se para dentro. Os rostos ansiosos de centenas de moradores emergiram diante deles. O grupo foi recebido com um silêncio parcial, quebrado vez ou outra por cochichos em voz baixa.
Joshua deu um passo para o lado, cedendo espaço para que seus convidados pudessem sair. O primeiro foi o capitão da guarda, seguido por seu tenente; ambos com a cara emburrada. Depois saíram os caçadores e os chefes comunitários, suas faces preocupadas preocuparam ainda mais a população já ansiosa.
Restava agora os aventureiros e o prefeito.
— Primeiro os senhores e as senhoritas. — Joshua era pura educação.
Niki foi a primeira deles a pisar na rua, a seguir veio Artic, Skiff e Havoc. Ragnar e Julie saíram por último, e quando puseram os pés para fora, ouviram o ruído da tranca da porta.
Joshua depositou a chave no bolso e deu uma boa olhada na multidão em sua frente. Então respirou e contou o que foi planejado em seu escritório.
— A reunião foi longa, e por isso peço desculpas, mas ela também foi muito proveitosa. Em virtude dessa terrível ameaça nós vamos redobrar a segurança da vila. Iremos dobrar o número de patrulhas diárias, vamos estabelecer novos postos de vigília e também iremos convocar moradores hábeis para integrar o esforço. Além disso tudo, estes aventureiros se ofereceram para nos ajudar — falou gesticulando para os seis aventureiros a sua direita.
A multidão aplaudiu. Ouviu-se gritos de empolgação e de encorajamento. O prefeito se dirigiu aos jogadores, e complementou:
— Nós continuaremos o trabalho de dentro da muralha. Nossa guarda estará a sua disposição se assim for necessário. Mas como a noite se aproxima, estaremos torcendo por todos vocês.
— Muito obrigado, senhor prefeito — falou Skiff. — Você pode contar conosco.
— É melhor irmos logo — adiantou Julie, com o olhar voltado para o sol prestes a se pôr.
— Mas vamos ir todos juntos como uma família feliz ou vamos nos dividiremos como fizemos antes?
— É melhor nos separarmos — disse Ragnar. — Vocês querem manter as duplas de antes?
Niki e Artic se olharam, e concordaram. Havoc deu de ombros e Skiff fez um positivo com a mão.
— Não — Julie interveio. — Dessa vez nós estamos caçando o suspeito, então é melhor formarmos duplas mais equilibradas para combate. É possível que ele seja forte e tente resistir aos nossos esforços. Também não sabemos se ele estará sozinho.
— Faz sentido — Artic foi o primeiro a reagir.
Julie parou um momento para pensar nas duplas que deveriam formar, porém Ragnar se antecipou:
— Julie, talvez seja melhor você fazer dupla com a assassina. Eu posso ir com a espadachim, então o Artic e o Skiff formariam a última dupla. Com esse pareamento cada dupla terá uma classe tanque e outra para causar muito dano ou oferecer suporte. O que acham?
Julie lançou um olhar sugestivo para Niki, e se manifestou:
— Por mim tudo bem.
Em seguida, Skiff se aproximou de Artic.
— Vamos nessa, cavaleiro?
Artic soltou um grunhido impaciente e desafiou o caçador com o olhar.
— Vamos, mas quero ver você me acompanhar quando a chapa esquentar.
Ragnar não pôde deixar de sorrir ao ver seus amigos se entrosando. Mesmo com todo o progresso realizado até o momento, ainda havia muito chão para percorrer até conseguir estabelecer uma guilda e fazê-la prosperar.
Após uma olhada rápida em cada um dos cinco ao seu redor, Ragnar falou:
— Eu e a Havoc ficaremos responsáveis pela floresta ao leste. Julie, como a missão é sua, você e a Niki podem ficar com o norte. Já Artic e Skiff, o oeste é todo de vocês.
— Mas e o sul? — perguntou o caçador.
— O sul é uma área muito aberta para que alguém se esconder — respondeu.
Enquanto isso a multidão se dispersava. Restava apenas os seis jogadores e um punhado de guardas naquela parte do vilarejo. Ragnar respirou fundo antes de começar:
— Pessoal. Muito obrigado a cada um de vocês por continuarem comigo nessa missão e…
— Lá vai ele discursar — Julie zombou cruzando os braços.
O comentário provocou risadas no grupo. Àquela altura cada um já teve de aturar uma dúzia de discursos dele. E, apesar de não desgostarem das palestras de Ragnar, ouvir alguém apontar isso na cara dele acabou fazendo-os rir.
Ragnar fechou os olhos e balançou a cabeça.
— Enfim — ele retomou a palavra. — Obrigado por estarem aqui comigo. E vamos torcer para que essa missão nos recompense com muitos tesouros.
— É isso aí! — Niki se empolgou. — Vamos encontrar esse espião filho da puta.
— É assim que se fala — disse Ragnar. — Mas chegou a hora, não podemos enrolar mais. Vocês estão prontos para patrulhar as áreas designadas?
Todos concordaram. As duplas se reuniram e se despediram das outras, partindo para suas respectivas áreas de cobertura. Havoc levou a mão à boca para tapar um bocejo, depois espreguiçou-se e encarou o druida.
— O que você está olhando?
Os olhos dele estavam fixados em uma dupla que acabou de partir.
— Nada não, vamos indo? — ele falou.
A espadachim estranhou a reação, mas não encontrou motivos para ir afundo, então aceitou a sugestão e o acompanhou para fora do vilarejo.
A caminhada foi calma e pontuada por algumas conversas. Em poucos minutos atravessaram o portão leste e colocaram os pés do lado de fora da Vila Torino.
Ragnar virou-se para trás e olhou mais uma vez para os três pares de chifres de Megalotauro decorando o arco de entrada.
Aquela visão trouxe de volta as recentes lembranças dos dias que foi rival da garota que agora o acompanhava. Mesmo tratando-se de uma memória recente, uma princípio de nostalgia se alastrou em seu âmago.
— Está tudo bem? — ela perguntou, o cenho franzido denotava estranheza.
— Estou sim, só lembrei de algumas coisas.
— Às vezes você é estranho — Havoc comentou e voltou caminhar.
Eles avançaram pela estrada, se distanciando do vilarejo até quase perdê-lo de vista, pois assim, se o integrante da seita estivesse os espionando naquele momento, ele acreditaria que os dois não passavam de aventureiros indo em direção à próxima aventura.
— Já não caminhamos que chega? — ela perguntou.
— Sim — Ragnar concordou virando-se para trás. — Vamos nos embrenhar na mata devagarinho, sem fazer barulho. E lembre-se, nada de tochas, itens ou magias de iluminação. Nós vamos nos guiar pela luz do luar.
— Eu sei… — Havoc resmungou por ouvir uma lição óbvia.
Eles saíram da estrada e se embrenharam na grama alta precedendo o bosque. O local era repleto de mato e pontuado por árvores de folhagem farta.
O que não faltava eram locais propícios para um espião se esconder.
O toque de uma notificação fez Ragnar parar um momento. Era uma mensagem de Havoc, dizendo: “Como você conheceu a Julie? Vocês são amigos?”.
Esperta, Ragnar pensou. Sua parceira de missão se comunicou com uma mensagem para não falar em voz alta e acabar alertando o espião.
Será que o Skiff ou Niki pensariam nisso? Ragnar se perguntou imaginando aqueles dois fazendo algazarra. O pensamento o fez quase dar uma risada, por isso parou um minuto para se acalmar, e só depois respondeu:
“É uma longa história. Quem sabe eu te conto depois que se juntar a minha guilda”.
Não demorou para ela reagir:
“Você não desiste…”.
E ele insistiu:
“Já dizia o ditado: brasileiro não desiste nunca. Agora falando sério, você toparia se juntar a minha guilda?”.
“Talvez. Ela já tem nome?”.
“Ainda não, mas estou aberto a sugestões”.
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