O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 31: Confusão na Estalagem

A estalagem Amigo da Morte era um dos estabelecimentos mais movimentados da cidade de Salem. O ambiente espaçoso, a decoração bem arranjada, a bebida de boa qualidade e os funcionários bem-humorados eram os pilares que sustentavam a fama do local.

E era em sua taverna localizada no térreo que um conjunto musical formado por bardos e cavaleiros tocava uma empolgante melodia de guerra para a clientela.

Em uma mesa solitária no canto esquerdo sentava uma jovem de cabelo loiro e com uma expressão melancólica no rosto. Ela buscou se distrair observando um dos cavaleiros da banda se empolgar no tambor enquanto o bardo ao seu lado se esforçava para acompanhá-lo em seu xilofone.

Mas por mais que tentasse, a memória da derrota ainda a atormentava. Apesar de tanto treinar e se esforçar para melhorar, foi humilhada duas vezes por um druida de nível baixo, parecia havia um abismo entre os dois.

E se não bastasse as derrotas, também foi expulsa da guilda que a acolheu. Mesmo que nunca fosse com a cara de Zed, ele presentou a bela espada que agora encontrava-se embainhada em sua cintura.

E foi graças a Lâmina de Salazar que conseguiu dar cabo dos dois cúmplices que acompanharam o druida ladrão. O cavaleiro e a assassina, ambos não lutaram mal, mas precisavam treinar mais para chegar ao seu nível.

— A senhorita gostaria de mais um caneco? — disse um dos funcionários da taverna, um esqueleto vestindo um terno azul combinando com a decoração moderna do estabelecimento, mas que berrava de discrepância quando comparado ao cenário europeu medieval de Salem.

— Sim, por favor — disse ela, se esforçando para não transparecer sua melancolia.

O esqueleto garçom se afastou da mesa e dirigiu-se para o balcão do outro lado da estalagem. Havoc olhou para o ambiente ao seu redor. Mesas lotadas de grupos de amigos, todos felizes no Happy Hour do mundo virtual.

Eram em momentos contemplativos como este que sua mente se desligava do mundo de fantasia que a cercava para relembrar da solidão do mundo real. Do emprego monótono e das amizades superficiais que cultivava no ambiente de trabalho.

Ela lembrou de Malorn, o feiticeiro da Pata Negra; e de Tonks, o vice-líder da guilda, seus melhores amigos, mas agora ex-amigos. Graças a incompetência de Zed essas amizades morreram. E para piorar, ainda foi acusada de ser a responsável pelo roubo do ferro.

Essa sequência de decepções amargou suas expectativas de melhora. Havoc teve vontade de sair do jogo para deita-se na cama e esperar o tempo passar.

Mas quando abriu o menu do jogo e esteve para confirmar sua saída, cinco pessoas pararam em sua frente.

— O que vocês querem? — disse ela ao ver que todos eram membros de sua antiga guilda.

— Zed quer que você devolva a espada — disse o paladino no centro grupo.

— E precisava enviar cinco pessoas? Bastava me mandar uma mensagem, eu devolveria sem problema algum.

Alguém se aproximou dos cinco. Havoc viu o esqueleto garçom abrindo caminho entre o espadachim e o sacerdote à esquerda do grupo.

Os recém-chegados protestaram, mas o funcionário do estabelecimento se curvou e se desculpou com sinceridade, então se aproximou da mesa e serviu a bebida de Havoc.

— Aqui está, senhorita. É por conta da casa.

— Obrigado.

Mas antes de beber, ela desequipou a Lâmina de Salazar, contemplou a lâmina prateada uma última vez, e a jogou-a contra os cinco.

— Toma!

A espada caiu nos braços do paladino, e por pouco não a deixou cair no chão. Com a arma em mãos, esboçou um sorriso maquiavélico e trocou olhares com o espadachim ao seu lado antes de o entregar a espada.

— Obrigado por facilitar nosso trabalho, tenente.

A Lâmina de Salazar foi desembainhada pelo espadachim. Os demais integrantes do grupo também sacaram suas armas. O garçom vampiro servindo a mesa ao lado foi o primeiro a notar a confusão que estava para irromper. Ele pediu licença aos clientes que servia e se aproximou do grupo encrenqueiro, para repreendê-los:

— Se querem brigar, briguem lá fora! — disse apontando para saída.

Mas sua fala enérgica apenas atraiu a atenção dos clientes ao seu redor, e logo depois a dos mais distantes conforme a fofoca foi circulando pelas mesas. Os clientes mais distantes então correram para perto afim de acompanhar a escalada da confusão.

— Eu não quero lutar — disse a garota.

Mas sua fala apenas aflorou os espectadores. E de algum canto, alguém berrou:

— Briga, briga, briga.

Seu clamor contagiou os aventureiros na taverna, que o acompanharam:

— Briga, briga, briga!

Por mais que os funcionários tentassem abrandar os ânimos, os esforços desprendidos não levaram a lugar algum. A única ação de boa vontade demonstrada pela turba de jogadores foi quando recuaram e empurraram as mesas mais próximas para longe, para formar uma arena circular onde os seis pudessem lutar. Havoc não estava surpresa com a ousadia dos cinco, pois enviar capangas para eliminar inimigos era uma ação típica que Zed tomaria para demonstrar sua força.

Porém, o que mais a irritou foi ver a Lâmina de Salazar nas mãos de um espadachim mimado. Mas ela não a entregou na esperança de que fosse poupada do que estava por vir, e sim porque não iriam parar de caçá-la enquanto portasse aquela arma.

Apesar disso, desejou que a sorte sorrisse apenas uma vez.

A face dos cinco exibiam a confiança de quem estava certo da vitória. O primeiro a agir foi o sacerdote, ele recuou alguns passos e disfarçou uma conjuração, porém Havoc captou uma parte da espiral luminosa fluindo pelo braço dele.

Em movimentos rápidos ela abriu o inventário, equipou sua espada secundária, recuou-a e a bateu com a lateral da lâmina no caneco de cerveja. O objeto se deslocou como um projétil, atingindo em cheio o ombro esquerdo do paladino, ricocheteando na face do espadachim que empunhava a Lâmina de Salazar.

A bebida no caneco respingou para todos os lados. Os cinco da Pata Negra cambalearam para trás e para os lados. Havoc aproveitou que estavam distraídos e saltou sobre a mesa e a utilizou para impulsionar um salto potencializado com a combinação das habilidades Investida e Corte Redemoinho.

A investida a impulsionou para trás dos cinco, e o timing do Corte Redemoinho a fez girar três vezes durante o impulso, cortando os cinco de uma vez só, e pisando graciosamente no chão com o finalizar do último giro cortante.

A multidão foi à loucura.

A lâmina da espada adquiriu um tom azulado quase imperceptível, indicando que a habilidade passiva Maestria da Espada atingiu cinco acúmulos, aumentando a agilidade da espadachim em 5 pontos, o equivalente a um nível inteiro investido em um atributo.

Porém, cinco acúmulos era uma quantia insuficiente para ajudá-la em sua atual situação.

A Maestria da Espada era uma habilidade que recompensava um estilo de luta metódico, com pouco espaço para erros, pois ganha-se acúmulos atingindo inimigos com golpes de espada, e perde-se ao ser atingido. Porém, bloqueios não deduziam pontos enquanto aparos bem-sucedidos geravam acúmulos.

Havoc imaginou se os 21 pontos concedidos pelo máximo de acúmulos dessa habilidade poderiam salvá-la da chuva de ataques que iria receber.

O espadachim da Pata Negra foi o primeiro a se recompor. Ele empunhou a Lâmina de Salazar e avançou. Havoc desviou dos primeiros ataques sabendo que bloquear golpes da sua antiga arma era uma péssima ideia.

No momento que o oponente levou a espada para trás, Havoc previu a habilidade a ser utilizada e recuou alguns passos. Mas quando achou estar livre do perigo, uma segunda espada atingiu seu ombro, empunhada pelo paladino que aproveitou o momento de distração.

O golpe a fez cambalear para trás, mas conseguiu se recuperar e se jogar para a esquerda a tempo de esquivar da escudada do paladino. Havoc vislumbrou a lâmina de sua espada, o brilho azulado havia desaparecido.

Em sua frente, paladino e espadachim avançaram com raiva nos olhos, enquanto atrás, os mago, o sacerdote e o ladrão miravam cajados e balestra em sua direção, em preparação para um ataque em conjunto da qual não havia escapatória.

Sua força de vontade se esvaiu por completo. Não tinha motivos para continuar lutado, pensar em uma saída dessa situação parecia uma perda de tempo. Além do mais, as doze horas de penalidade agora não pareciam o fim do mundo. Talvez fizesse bem ficar um tempo fora do jogo.

Havoc aceitou sua morte. Mas quando fechou os olhos e deixou suas esperanças se esvaírem, uma rajada de ar quente a inundou da cabeça aos pés. Ao abrir os olhos, deparou-se com as costas de um avatar desconhecido, mas um tanto familiar.

A figura trajava um conjunto que remetia aos uniformes de artes marciais chineses, um traje preto com detalhes vermelhos, com uma faixa comprida e avermelhada amarrada a um palmo abaixo dos seios. As mãos e parte do antebraço estavam envolvidos por uma energia flamejante.

Havoc reconheceu aquele olhar arregalado e aquele nariz fino, mas quanto tentou vasculhar suas memórias, a lutadora avançou contra o paladino. A energia acumulada no punho direito foi desferida em um soco concentrado contra o escudo que foi erguido.

Um baque reverberou pela taverna. O paladino cambaleou, quase perdendo o equilíbrio. A lutadora avançou, o agarrou pela gola da camiseta que vestia por baixo da armadura e o levantou do chão.

Quantos pontos de força ela tem? Pensou Havoc.

A artista marcial arremessou o paladino contra o espadachim que vinha em sua direção. Os corpos se chocaram, caindo no chão de tábuas da estalagem.

Ao mesmo tempo que isso acontecia, o ladrão disparou sua balestra. O projétil zuniu no ar, indo em direção à lutadora. Os olhos dela moveram-se na direção do autor do disparo. Ela estendeu o braço e deu um tapa na seta com as costas da mão enluvada em sua manopla.

A seta voou para a outra extremidade da estalagem, um segundo depois, ouviu-se o barulho dela chocando-se contra a parede. O mago e o sacerdote da Pata Negra estavam atônitos, com as conjurações prontas para serem disparadas, mas em um piscar de olhos a lutadora já estava a um palmo de distância.

Ela segurou a nuca de cada um e as aproximou aplicando uma força descomunal. Os crânios se chocaram, produzindo um baque forte que reverberou pelas paredes da estalagem. Mesmo dentro de um jogo, testemunhar um golpe daqueles ainda provocava calafrios.

As duas vítimas estavam atordoadas e vulneráveis ao próximo ataque, mas antes que a lutadora pudesse finalizá-los, uma voz anunciou:

— Não! Nós… nós nos rendemos.

Ela olhou por trás do ombro e viu o paladino em súplicas.

— Me desculpe, mas o karma que vou ganhar por matar vocês é bom demais para deixar passar.

— Não, por favor! — ele implorou, mas a lâmina de uma espada atravessou seu peitoral.

O paladino caiu de joelhos, sem vida. Havoc não perdeu tempo e finalizou o espadachim enquanto ele tentava se levantar. A lutadora seguiu seu exemplo e zerou os pontos de vidas do ladrão, do mago e do sacerdote.

Aplausos eclodiram da multidão, entretanto, podia-se ouvir os xingamentos vociferados pelo gerente e funcionários da estalagem. Havoc curou-se à plateia em agradecimento, em seguida, caminhou até a lutadora, para agradecê-la.

— Obrigada… — E analisou as informações do avatar a sua frente. — Julie.

— Você sempre desiste assim tão fácil? — foi o comentário que recebeu.

— Não, é que…

Quando tentou se explicar, Julie esticou o braço e bagunçou seu cabelo.

— Eu estou brincando.

Havoc deu um passo para trás e, após olhar a face da garota em sua frente, finalmente a reconheceu.

— Você é a Juliet, da Dark Age. Você namorava o Dante, né?

A face brincalhona e radiante da profissional se desmanchou quando ouviu a última parte do comentário. E ela retrucou tentando disfarçar um princípio de rancor:

— Eu também era vice capitã da equipe…

O coração de Havoc parou um momento, pois percebeu que acabara de reduzir uma de suas inspirações a um mero interesse romântico.

Sua mente foi inundada por um turbilhão de pensamentos. Tentou pensar em uma desculpa a tempo de minimizar sua gafe.

— Me perdoe, de verdade. Eu… eu não quis te diminuir dessa forma. Posso imaginar como é frustrante ser tão talentosa, se dedicar tanto e ainda ser reconhecida por… você sabe.

Havoc ergueu o rosto e notou que a lutadora já não parecia mais zangada.

— Tudo bem, eu te perdoo.

Julie deu as costas para ela e caminhou entre os corpos dos cinco avatares, então se agachou ao lado do espadachim derrotado e pegou a espada largada ao lado do corpo, ela estava embainhada. Sem avisar, Julie arremessou a arma para Havoc.

A espadachim assustou-se com o arremesso, seus olhos acompanharam o arco de trajetória, e então ergueu os braços para pegar sua velha espada de volta.

— Obrigada pela ajuda — agradeceu após curvar-se em respeito.

Julie retornou até ela, estendeu o braço e tocou no ombro da garota.

— Eu estava esperando um amigo chegar quando ouvi uma algazarra. Curiosa como sou, decidi investigar. E qual não foi minha surpresa quando pisei nessa taverna e vi cinco patetas se engraçando para cima de garota inocente? Aí eu não resisti, agi por instinto e acabei me intrometendo.

Havoc sentiu um calor reconfortante dentro de si. O avatar da Julie agia exatamente como a Júlia que conhecia das dezenas de entrevistas que viu, dos vídeos que assistiu e das competições que tanto torceu desde que começou a jogar.

— V-você quer…

— Você paga? — Julie adiantou-se.

— Aham — Havoc confirmou com um murmúrio e um aceno de cabeça.


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