O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 32: Fazendo as Pazes

A confusão na estalagem Amigos da Morte acabou quando os Patas Negras foram derrotados por uma espadachim e humilhados por uma lutadora. As duas estavam em pé, lado a lado, em meio à bagunça causada pelo confronto.

Havoc ergueu o olhar e contemplou sua velha amiga, a Lâmina de Salazar, feliz por tê-la recuperado.

A arma era um presente da Pata Negra, por isso a entregou aos capangas quando o líder do grupo pediu, mas então eles a atacaram, fazendo o sistema do jogo entrar em ação, marcando-os como potenciais Matadores de Jogadores. E isso os afligiu com uma das penalidades mais temidas do jogo: a chance de perder itens ao morrer, e isso aconteceu quando Julie entrou na taverna.

— É uma bela espada — comentou a lutadora, olhando do cabo à ponta da arma.

— Obrigada — Havoc agradeceu.

Julie apontou para uma mesa nos fundos do estabelecimento, mas quando se puseram a andar, três jogadores se levantaram de uma mesa e acabaram bloquearam o caminho da dupla. O da frente, um cavaleiro trajando uma armadura pesada, abriu a boca para falar, mas travou por alguns segundos até conseguir dizer:

— Júlia, eu… é… so-sou … muito fã seu. P-posso tirar foto com você?

Ao lado dele estava uma sacerdotisa, que tremia e se agarrava ao seu cajado como se o objeto pudesse fugir de suas mãos a qualquer momento. Já o ladrão ao lado dela nem piscava.

A lutadora virou-se para Havoc, que ficou sem entender o que deveria fazer.

— Você se importa? — Julie falo.

Havoc coçou a nuca para disfarçar a vergonha.

— Não, claro que não.

Julie se aproximou do trio de fãs. O cavaleiro pulou de alegria ao ver que seu pedido fora atendido, mas o nervosismo ainda o fazia gaguejar, mas agora com um sorrindo de felicidade, assim como a sacerdotisa, e até o ladrão que, mesmo calado, demonstrava alegria em seu semblante.

Porém, a demanda dos fãs não acabou com aqueles três, outros grupos de jogadores perceberam a boa vontade da profissional e aproveitaram para aporrinhá-la. Em menos de um minuto formou-se uma aglomeração que se estendia pelas mesas da estalagem.

Enquanto isso, os funcionários limpavam a bagunça da confusão. Havoc ficava mais e mais desconfortável a cada fã que se aproximava. E o desconforto logo se transformou em incômodo.

Julie tinha a salvado da morte, consequentemente, das doze horas de penalidade, mas deixá-la esperando por vinte minutos parecia demais. Mas em um momento de reflexão, Havoc relaxou, pois, a lutadora era uma de suas inspirações, um talento de nível internacional, por isso decidiu esperar indo até a mesa que Julie sugeriu minutos atrás.

Os fãs satisfeitos retornavam as suas mesas, mas para cada um que se afastava de Julie, dois entravam na fila, e cada vez mais gente entrava na estalagem. Após dez minutos a mente de Havoc já divagava sobre os assuntos mais aleatórios, seu olhar embaçado fixara-se em um pilar de madeira da estalagem.

— Olá — disse alguém. — A casa tá cheia… posso me sentar com você?

Havoc virou o rosto para encarar o sujeito que veio incomodá-la, era apenas um druida descabelado.

— Aham — murmurou, desinteressada.

O coração então parou quando a imagem dele foi processada pelo seu cérebro. Naquele instante ela olhava para aglomeração ao redor de Julie. Devagarinho ela virou o rosto em direção ao druida folgado que já se largou no banco a sua frente.

— O que você faz por aqui? — ele perguntou em um tom amistoso, como se fossem amigos.

— O que VOCÊ faz aqui? — Havoc retrucou.

O druida esticou o braço e apontou em direção à Julie, seu movimento subido quase derrubou a bandeja de um vampiro garçom passando com pressa entre as mesas.

— Mil desculpas — Ragnar se desculpou.

Havoc esperava ouvir um xingão por parte do vampiro, mas quando ele parou, encarou o descabelado e caminhou a passos lentos até sua mesa, ela temeu pelo que estava por vir.

— É você… — disse o vampiro garçom.

Não, não, não! Por favor, não me diga que ele também roubou a cerveja dessa estalagem. Havoc já pensava no pior cenário, mas seu queixo foi ao chão quando o vampiro se ajoelhou em frente a Ragnar, como se ele fosse um santo.

Que merda é essa?

— É você! É você, sim! Ó grande druida. Você não sabe o quão grato eu sou ao senhor. Seu filtro solar divino hoje me permite viajar até Skyspear sem mais temer os raios malignos do Sol. Agora eu posso ver minha filha todos os finais de semana.

Só faltava o vampiro chorar de emoção. Mas para Havoc, a melhor parte foi ver a cara de bunda que Ragnar fazia diante da situação.

— Não precisa agradecer assim, amigo. Basta comprar meus produtos, isso já é gratificante que chega para mim.

— Mas você não entende o quanto isso é importante para mim, minha filhinha só tem 40 anos — ao finalizar, lágrimas escorriam de seus olhos.

A atenção da taverna voltou-se para o vampiro ajoelhado no chão. Não muito longe de onde estavam, em meio a uma aglomeração de jogadores, Julie espichou o pescoço para ver o que estava acontecendo nesse canto da taverna. E quando viu a pessoa envolvida, ela anunciou aos fãs:

— Acabamos por hoje, pessoal. Obrigado pelo apoio, sigam-me nas redes sociais e, até a próxima.

Ela terminou assoprando um beijo aos fãs não atendidos. Os mais fanáticos tentaram persegui-la até a mesa em que se dirigia, mas foram impedidos por um grupo de admiradores.

Julie avançou a passos rápidos até a mesa, e quando parou em frente a eles, indagou:

— O senhor está atrasado. — Depois virou-se um instante para Havoc: — Desculpa a demora.

Ragnar deu uns tapinhas de conforto nas costas do vampiro e depois o ajudou a se levantar. Quando o chorão se afastou, voltou-se para Julie.

— Um druida nunca se atrasa, muito menos se adianta, nós sempre chegamos na hora exata.

As palavras de Ragnar fizeram Julie semicerrar os olhos.

— Primeiro: eu peguei a referência; segundo: se a hora exata for uma hora depois do combinado, então devo concordar.

A lutadora empurrou o druida para que pudesse se sentar à mesa, ficando de frente para Havoc, que os encarava com olhos arregalados.

— Vocês se conhecem?

Eles trocaram olhares, esperando que o outro se manifestasse. E suas respostas saíram ao mesmo tempo:

— Nós já … — começou o druida.

— Não! — Julie o cortou erguendo a voz e desferindo uma pancada na mesa. — Ele é um fã, e dos bem chatos.

Havoc encarou Ragnar, esperando que confirmasse as palavras dela, sua resposta foi um dar de ombros seguido de um:

— Errada ela não está, sempre fui fã. — Sua expressão brincalhona adquiriu um tom surpreso. — Você não é mais da Pata Negra?

A espadachim sacudiu a cabeça em negação.

— Por sua culpa eu fui expulsa.

Ragnar se preparou para se justificar, mas quando abriu a boca, Havoc desabafou:

— Mas isso tudo é passado. Sua traição no fim acabou abrindo meus olhos. Zed era um escroto. Aquela guilda não tem futuro enquanto ele estiver no comando. — Ela bufou — Quer saber? Foda-se, eu não faço mais parte dela, então vou dizer a verdade: a Pata Negra só parece forte porque faz parte de uma aliança poderosa, liderada por uma guilda influente chamada Rosa-Espinho. Mas como eles conseguiram a Fortaleza Toca dos Lobos? Bem, ela foi tomada por essa aliança, depois foi entregue de mão beijada a Zed, pois naquele momento a Pata Negra era a única guilda da aliança a não controlar um território.

O druida esboçou um sorrisinho e coçou a nuca.

— Eu já imaginava algo do parecido desde que conheci esse líder em pessoa.

Julie olhava de um para o outro, com uma face confusa.

— Vocês dois se conhecem?

Havoc relaxou na cadeira e cruzou os braços.

— Ele e seus amigos roubaram todo o ferro da minha velha guilda.

— É mesmo? — Julie fingiu que ele não contou essa história na noite do memorável do fim de semana.

— Uhum — Havoc murmurou, incomodada por relembrar de todo aquele drama. — No fim eu levei a culpa, mesmo quando ficou claro que o nosso líder era o verdadeiro responsável pela brecha que permitiu o roubo.

Julie balançou a cabeça.

— Sei muito bem como é estar na guilda de um líder megalomaníaco, daqueles bem egocêntricos — finalizou dando uma olhadela no druida. Então, de repente ela estremeceu quando algo bateu em sua canela. — Aaai!

— Perdão, eu só queria ajeitar minha postura. Não era minha intenção chutar a sua perna — disse Ragnar.

A lutadora reagiu lançando um olhar incriminador contra ele. Para sorte de ambos, Havoc permanecia alheia à clara relação entre os dois em sua frente, pois estava empolgada demais por estar na mesma mesa que uma jogadora profissional de alto nível.

Ela se conteve para não parecer uma fã maluca. No fundo queria inundá-la com perguntas pessoais e profissionais, sem falar da quantidade de elogios que gostaria de tecer e das dicas que gostaria de obter de alguém experiente.

Julie, por outro lado, sentia-se grata pela garota e pelos clientes da taverna não a atazanarem com aquele tipo de coisa. E nesse momento ela decidiu trazer à mesa aquilo que de fato importava. Julie abriu o inventário, selecionou um caderno, tomou-o em mãos e o jogou sobre a mesa.

— Esse é o relato do NPC que testemunhou o massacre do vilarejo.

Ragnar se inclinou para frente e puxou o objeto para mais perto. Com a mão direita abriu o caderno enquanto coçava o queixo, então iniciou a leitura. As duas garotas se olharam. Julie esboçou um sorriso simpático que deixou Havoc sem jeito, forçando-a a virar o rosto para o palco onde a banda de bardos e cavaleiros tocava uma melodia empolgante.

— Então… Havoc, de onde você é? — Julie perguntou.

Ouvi-la pronunciar seu codinome provocou uma sensação agridoce.

— Santa Catarina…

A face já radiante de Julie adquiriu ainda mais entusiasmo.

— Não me diga que você também é de Floripa.

Ela sacudiu a cabeça.

— Não, Blumenau.  — Ao finalizar sua resposta, algo no comentário da lutadora chamou sua atenção. Havoc decidiu questionar: — Também de Floripa? Você não está morando em São Paulo agora que joga na Red Crows?

Julie congelou por alguns segundos, deixando Havoc preocupada, pensando se não tinha passado dos limites com suas perguntas inquisitórias. Mas uma sequência de grunhidos abafados chamou sua atenção.

Ela virou-se na direção dos grunhidos e deparou-se com o Ragnar abafando uma risada, a mão esquerda na boca, enquanto a direita virava a página do caderno, seus olhos não saiam do papel.

— Eu me confundi. Na verdade, ainda estou me adaptando à mudança. A Dark Age foi minha casa durante anos. Foi lá que cresci como profissional. Nosso primeiro time a gente nunca esquece — Julie em fim se manifestou, tentando despistar o fato de que mencionou Floripa porque o druida sentado à sua direita morava lá.

Como se tratava de Júlia, a jogadora que já venceu o Campeonato Brasileiro e até disputou uma semifinal do mundial, Havoc não desconfiou da gafe. Na verdade, essa confusão a deixou mais à vontade na presença dela. E quando ela baixou a guarda, um baque altíssimo a fez pular da cadeira.

— Perdão, não queria te assustar — Ragnar respondeu balançando o livro que acabara de fechar com força.

Ela apenas bufou.

— Minha ideia era ir ao santuário para ter uma conversa com o espírito — Ragnar tentou falar à Julie sem entregar seu segredo à espadachim enquanto ela ainda não fizesse parte de sua guilda. — Mas acho melhor a gente se apressar para esse Vilarejo dos Touros.

— Esse era meu plano, mas será que um druida nível baixo como você vai servir de alguma coisa? — provocou Julie.

Ragnar relaxou os ombros.

— Meu dano pode ser baixo, mas posso ajudar com minha cura e também posso prender os asseclas da seita com minhas raízes.

— O avatar dele pode ser fraco — começou Havoc. — Mas ele me derrotou duas vezes… então não acredito que um grupo de NPCs nível 30 ou 40 possa derrotar vocês dois juntos.

— Você gostaria de nos acompanhar? — Julie perguntou se endireitando na cadeira.

— C-claro! — A espadachim mal podia acreditar que fora convidada por ELA para participar de uma aventura.

— Quanto mais, melhor — disse Ragnar, que logo abriu sua lista de amigos e anunciou: — Olha só, mas que coincidência agradável, os três patetas estão online.

— Três patetas? — perguntou Julie.

— Aqueles seus amigos? — Havoc quis saber.

— Eles mesmos — Ragnar, depois virou-se para sua amada: — Um deles é um caçador gente boa, uma verdadeira figura; o outro é um cavaleiro mal-humorado que lembra bastante do Cris; e a terceira é uma assassina meio pirada das ideias.

— Entendi — Julie disse ao se levantar da mesa. — Convide quantos amigos quiser, mas não quero ver fãs malucos ou puxa sacos em meu grupo.

— Fique tranquila, eles são todos crescidos. — Ragnar já se arrependia de suas palavras.

— Então vamos indo? Não temos tempo a perder.

O druida e a espadachim se levantaram. Julie tomou a liderança do grupo caminhando para fora da taverna e, mais uma vez, um grupo de jogadores se levantou da mesa para pedir algo à lutadora:

— Posso tirar uma foto? — perguntou enquanto a acompanhava até a saída.

Ela aceitou meio que a contragosto. A foto foi tirada e o óbvio aconteceu, como uma parte da clientela tinha entrado após o confronto com os Patas Negras, eles não sabiam que a lutadora pedira a todos para deixá-la em paz, para que pudesse se reunir com seus amigos sem ser interrompida a cada minuto.

Mais de vinte jogadores se aproveitaram da boa-vontade demonstrada por ela ao fã, para correrem e implorarem por fotos, vídeos ou para enchê-la de perguntas.

— Agora não, pessoal, desculpa, mas estou de saída — ela respondeu à massa que havia se aglomerado em sua frente.

Porém, um fã se colocou entre os três e a saída do estabelecimento.

— Por favor, só videozinho — implorou.

— Agora não! — Julie fechou a cara para ele.

— Mas…

Havoc arregaçou as mangas, andou a passos firmes na direção dele, pegou-o pela jaqueta e o empurrou para fora da estalagem.

— Ela já disse que não, cai fora!

O fã fez uma careta, mostrou o dedo do meio aos três, e foi embora.

Julie virou-se para Ragnar, e disse:

— Gostei dela.


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