O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 30: Sombras do Passado

Na segunda-feira, os treinos da Red Crows se encerraram perto das sete horas da noite.

Júlia se despediu de seus alunos e deixou a sala de treinamento com um único objetivo em mente: finalizar a procura pelo evento insinuado na série Crônicas de Avalon.

O exército de mortos-vivos marchando rumo à cidade não saia de sua mente. Parecia que foi na semana passada que assistiu aquele episódio com Cristiano.

Ela deixou isso para trás e focou-se no presente, caminhou apressada pelos corredores, cumprimentando seus colegas e encerrando qualquer conversa que alguém tentasse puxar. Ofegante, parou diante da porta de seu quarto, e a abriu.

Adentrando em seus aposentos, vislumbrou a bagunça acumulada nos últimos dias. Camisas, calças, saias e peças íntimas se misturavam com aparatos eletrônicos e acessórios sobre o chão, sobre a cama, cadeira e escrivaninha.

Júlia esboçou um sorriso envergonhado, mas ignorou tudo aquilo e foi reto até a cápsula de imersão. Após se acomodar no assento, entrou no mundo do jogo e assumiu o controle de Julie, sua avatar.

A quietude de seu quarto no Centro de Treinamento da organização foi substituída pela sinfonia do caos que era a praça de Salem. Haviam jogadores e mortos-vivos para onde quer que olhasse.

Ela se apressou e chamou seu cavalo com um assovio. O equino veio correndo de uma viela, ela subiu no animal e disparou rumo ao Vilarejo de Pedrinhas, um dos últimos locais ainda não inspecionados.

Julie tinha decidiu que, se não encontrasse nada nesses vilarejos, partiria para a próxima província para continuar evoluindo seu avatar.

A comunidade ficava no extremo oeste da província de Salem, a centenas de quilômetros de Salem. E durante a viagem, um pensamento martelava em sua cabeça:

Não importa se eu não encontrar nada, só quero me livrar dessa jornada irritante.

O tempo passou devagar. E ela estava ficando farta. Enquanto o cavalo avançava a garota abriu o mapa e foi inundada por uma onda de felicidade ao ver que estava chegando.

Logo a sua frente podia ver a depressão que antecedia o vilarejo. Centenas de casinhas de madeira escura se aglomeravam dentro de uma alta, porém frágil, muralha de toras de madeira.

Havia um silêncio incômodo no vilarejo. Um calafrio a fez tremer da cabeça aos pés. Julie puxou as rédeas da montaria. O cavalo reduziu seu avanço até uma marcha lenta. E ela respirou fundo.

Por mais calmo que uma comunidade fosse, sempre haveria barulho durante o dia. Julie olhou para o oeste e encontrou o sol prestes a se pôr.

Então respirou fundo e acelerou o trote do cavalo em direção ao vilarejo. Parecia que, quanto mais se aproximava, mais silêncio fazia.

A poucos metros da entrada, desceu da montaria e olhou com desconfiança para o portão semiaberto. Após reunir coragem, entrou com o coração na mão.

Nada, ela não encontrou uma alma viva naquela área do Vilarejo de Pedrinhas. O nervosismo que a afligia era tão forte que a fez esquecer do porquê estava ali.

Julie adentrou na casa mais próxima, estava vazia, mas haviam sinais de confusão. Objetos espalhados pelo chão e móveis deslocados de posição eram alguns indícios que embasavam sua hipótese.

E isso a deixou preocupada, mesmo assim, continuou investigando. Em seguida foi para as casas adjacentes, todas se encontravam em situações parecidas.

Ao pôr os pés na rua ela se deu conta da escuridão que caiu sobre o vilarejo. O Sol tinha se posto por completo. E a luz vinda da lua era insuficiente para iluminar os arredores.

Julie abriu o inventário e retirou o lampião mágico que obteve em uma missão recente. O aparato era semelhante a um lampião comum, porém, a luz vinha de uma fonte mágica ilimitada. Era sem dúvida um item perfeito para incursões demoradas em ambientes escuros.

Ela então avançou com cuidado, iluminando o caminho e fazendo pausas para inspecionar o interior das casas com o lampião mágico, mas para seu azar, ou sorte, não encontrou uma pessoa sequer.

Aos poucos foi se aproximando do centro do vilarejo. A ruazinha em que andava alargava-se a cada metro percorrido. Faltava pouco para colocar os pés na praça.

 Um ruído agudo, irritante e ensurdecedor assaltou seus ouvidos. O barulho a fez soltar o lampião para cobrir as orelhas com as mãos. A ferramenta caiu no chão, quicando no chão batido, pousando de lado e apagando-se em um estalar de dedos.

O ruído diminuiu, distorcendo-se até tornar-se inaudível.

— Cigarra-Dragão de merda! — ela praguejou aos berros, pouco se importando se alguém mal-intencionado a ouvisse. — Vai chiar assim na puta que pariu — terminou agachando-se no chão para tatear em busca do item derrubado.

Julie fora engolida pela escuridão, mas não se sentiu intimidada, pois a catarse a fez reunir coragem para enfrentar até o próprio demônio.

Depois de um minuto tateando no escuro, as pontas de seus dedos resvalaram no ferro e no vidro do lampião.

— Finalmente.

Ela tomou a ferramenta em mãos e trocou a pedra de fogo que alimentava a matriz de luz, a antiga fora esmigalhada com o impacto da queda.

— Ascenda! — Ela vociferou o comando.

Porém, em vez de sair um raio de luz direcionado do lampião, um verdadeiro canhão de luz irrompeu da pedra de fogo, iluminando toda a praça da cidade, e revelando uma cena macabra.

Dezenas de corpos ensanguentados jaziam no chão, dispostos lado a lado para formar um círculo. O coração de Julie disparou, mas ela manteve-se firme e caminhou devagar em direção aos corpos.

Chama Espiritual, ela pensou no nome da habilidade. Suas mãos, braços, pés e pernas foram envolvidos por chamas alaranjadas que queimariam apenas seus inimigos. Julie usou essa técnica porque não havia mais motivos para ser furtiva, afinal, o canhão de luz e o xingão vociferado já entregaram sua posição para quem por ventura estivesse se escondendo.

Ao se aproximar dos corpos, um cheiro nauseante a obrigou a cobrir o nariz.

Desativar cheiro realista.

O comando mentalizado removeu o cheiro pútrido, porém se houvesse mais alguém ali perto com esse parâmetro ativado, ele continuaria sentindo o odor ruim. E além dessa opção, Nova Avalon Online também contava com uma opção para desabilitar sangue, que por padrão já era ativada obrigatoriamente em contas de quem é menor de idade.

Apesar da cena macabra, a lutadora não se sentia incomodada pela quantidade exorbitante de sangue derramado.

As vítimas vestiam-se com roupas simples e surradas, Julie assumiu serem todos moradores do vilarejo.

Mas quem poderia ter feito uma coisa dessas? Ela se perguntou.

Ataques de bandidos e criaturas selvagens eram eventos comuns dentro do jogo, mas a forma como esse massacre foi realizado dava a entender que era algo planejado e com uma motivação específica.

Julie lembrou do exército de mortos marchando em Salem, do possível evento sugerido naquele episódio de Crônicas de Avalon. Ela tentou ligar os dois eventos, em como esse massacre poderia se conectar ao que viu no seriado.

Foi quase uma hora de investigação. Julie checou cada corpo e cada casa nas proximidades. E foi em uma das casinhas mais afastadas que encontrou algo curioso, uma espécie de caderno com anotações escritas aos garranchos.

Ela sentou em uma mesinha da casa, se debruçou sobre o caderno, e iniciou a leitura.

“Eles mataram todo mundo, não importava se era homem ou mulher, jovem ou adulto. Eles mataram todo mundo. E agora eu me escondo acovardado. Eu sei que meu destino está selado. Eu sei que irei morrer, mas entre lágrimas de desespero eu escreverei neste caderno tudo que ouvi. Posso não ser um bravo guerreiro como meu pai e irmãos, mas eu cresci e estudei para ser um Sábio. Eu ouvi alguns fragmentos de conversas entre estes assassinos. Um deles disse que hoje era um dia de glória para o Caminho da Aurora. Eu me pergunto se ‘Caminho da Aurora’ é o nome do grupo a qual eles pertencem. Em outra conversa ouvi um nome ser sussurrado com solenidade e temor, mas também com profundo respeito: Mergraff. Parece que estão tentando ressuscitar esse Mergraff. Eu me pergunto repetidas vezes se essa figura é algum líder ou deidade desse Caminho da Aurora. E a última informação que consegui escutar foi o nome da próxima comunidade a ser vitimada, a Vila dos Touros, uma comunidade recém-estabelecida ao norte. Mas quando o Caminho da Aurora irá para lá? Disso eu não sei. Se os deuses forem bondosos comigo, esse caderno cairá nas mãos de alguém justo e bondoso. Então saiba de uma coisa, esses assassinos vestem-se como cavaleiros e falam como verdadeiros nobres da corte, mas suas capas são decoradas com a imagem de um sol nascente.”

Esse foi o trecho mais importante do caderno, depois o autor finalizou relatando seu medo de ser descoberto e acabar sofrendo o mesmo destino de seus amigos e familiares.

Julie então fechou o caderno e o guardou em seu inventário. Algo a incomodava, era aquele nome, Mergraff, ele trazia lembranças. E ela tentou se lembrar de onde o conhecia.

— Dani! — falou dando uma porrada na mesa.

Mergraff era o vilão da história do santuário onde o amigo conseguiu a classe lendária. E pelo que lembrava, ele foi alguém muito poderoso e importante na História Antiga de Nova Avalon.

— Se esses malucos do Caminho da Aurora ressuscitarem esse Mergraff, a marcha dos mortos terá início.

Ela vasculhou a lista de amigos e selecionou um dos nomes.

— Ele precisa saber disso — finalizou esboçando um sorriso de empolgação, pois seus esforços finalmente renderam frutos.

***

Ragnar estava na Rua dos Artesões, em Salem, quando recebeu as mensagens de Julie. E quando leu o nome Mergraff, estacou inerte como uma estátua em sua estação de trabalho, pois perdera-se em pensamentos.

Um cheiro podre espalhou-se pela oficina. Os alquimistas nas proximidades protestaram enojados e foram a fundo na procura da fonte do fedor.

— Você está tentando matar a gente? — disse o avatar de um senhorzinho para Ragnar.

O druida virou-se e, só então, deu-se conta de que deixara uma solução alquímica passar do ponto de fervura.

Não demorou para o funcionário da oficina sair de sua salinha para averiguar o que estava acontecendo. Seus olhos acusatórios caíram sobre Ragnar, já imaginando que era o culpado por conta da confusão da última vez.

O funcionário se aproximou, desenrolou uma das folhas de papel que guardava em seu cinto, estendeu-a sobre a mesa e fez uma anotação. Quando seu lápis riscou o último traço, ele empurrou o papel na direção de Ragnar.

Era uma multa de 500 rubros por atrapalhar os demais alquimistas. Ragnar tentou livrar-se da penalidade com sua lábia, mas o funcionário alisou o longo bigode e chacoalhou a cabeça em negação.

Apesar de contrariado, o multado pagou a multa e voltou para sua estação de trabalho.

Mergraff, será que a Jú não se confundiu? Será realmente o mesmo Mergraff da história de Bjorn? Acho que é melhor eu ir ao Refúgio dos Ursos de Ferro para consultar o espírito.

Ragnar se levantou e começou a arrumar sua estação de alquimia, no meio do processo, quando ia guardar o frasco com a solução fedorenta, Julie enviou uma nova mensagem:

“Estou voltando para Salem neste exato momento. Precisamos nos encontrar o mais rápido possível. Eu temo que a seita assassina possa estar planejando atacar o próximo vilarejo a qualquer momento.”

Ragnar compartilhava da mesma preocupação, então avisou-a que estaria lhe esperando. Ele caminhou para fora da oficina, incomodado por não ter tempo para ir consultar Bjorn sobre o possível retorno de Mergraff.

Mas parando para pensar, se a seita atacasse o vilarejo, existiria a possibilidade de encurralar e interrogar um de seus membros.

Então um sentimento inquietante afligiu Ragnar, pois, se Mergraff retornasse a Nova Avalon, ele com toda a certeza iria descontar sua ira no herdeiro de Bjorn.


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