Volume 1
Capítulo 29: Depois do Golpe
No fim de tarde daquela segunda-feira, o escritório onde Daniel trabalhava estava mergulhado no silêncio que precedia o fim do expediente.
Faltava pouco para as seis horas da tarde. Daniel estava exausto, mentalmente esgotado após criar e editar dezenas de planilhas. Mas agora que as tarefas do dia foram finalizadas e faltava pouco para ir para casa, ele pegou o celular e checou as notificações.
Dezenas de mensagem surgiram na tela. O rapaz correu os olhos por elas e verificou serem todas de Artic e Niki. Eles exigiam a devida parte do ferro roubado na incursão à Fortaleza Toca dos Lobos.
Ler tantas mensagens escritas com fúria e frustração o fizeram esboçar um sorriso. Daniel se recostou na cadeira e descartou as mensagens.
Entretanto, uma pequena travada fez os ícones dos aplicativos desaparecerem, permitindo que a imagem de fundo brilhasse em seu esplendor, sem nada a obstruindo.
Ver a imagem que tirou junto de Júlia o fez relembrar dos bons momentos do fim de semana, perdendo-se em devaneios. De tão distraído que estava acabou não ouvindo o ruído das rodinhas de uma cadeira de escritório deslizando pelo piso.
O ruído cessou, e uma voz falou:
— Que lindos. Ela é sua namorada?
O susto que tomou fez o celular escapar de suas mãos, caindo no chão, quicando e deslizando para trás, em direção à passagem entre as baias do escritório. Por sorte a capa protetora do aparelho absorveu o impacto, protegendo de maiores danos.
Ao virar-se para trás, deparou-se com sua supervisora, Samara, apanhando o celular caído. Ela ligou a tela e observou a foto por um momento antes de devolver.
— Toma.
— Obrigado — Daniel agradeceu e pegou o aparelho. Em seguida respondeu a pergunta que o assustou: — Ela é minha… amiga.
A expressão na face de Samara demonstrava suspeitas.
— Uma foto dessas de papel de parede… de uma amiga… meio suspeito, hein?
Aos poucos os demais funcionários se levantaram de seus cubículos, iniciando conversas paralelas que dificultaram a comunicação entre os dois. Quando os olhos de Daniel voltaram para sua superior, ela perguntou:
— Onde você mora?
— Perto do shopping, não muito longe daquele condomínio de luxo.
Samara o olhou com espanto, como se houvesse assumido que ele morava naqueles prédios luxuosos. Ao perceber isso, ele se manifestou:
— Eu moro em um prédio comum, mas que fica perto desses que está pensando.
Samara balançou a cabeça antes de prosseguir:
— Fica no caminho. Eu posso te dar uma carona.
Ele estava pronto para inventar uma desculpa quando ela o cortou.
— Ou vai me dizer que prefere pegar o ônibus?
O rapaz suspirou e acabou aceitando a oferta. Samara voltou para seu cubículo, guardou suas coisas na bolsa, pegou as chaves do carro e caminhou rumo à saída.
Daniel a seguiu até a porta do escritório, então virou-se para trás e apagou as luzes do escritório, pois eram os últimos a sair.
***
O motor do carro roncava conforme o veículo avançava pelas ruas de Florianópolis. Daniel estava no banco do passageiro, observando os pedestres transitando nas calçadas enquanto curtia a batida eletrônica saindo dos autofalantes do carro.
O volume da música diminuiu pela metade de uma vez só. Daniel virou o rosto para o aparelho e viu Samara soltando o controlador de volume.
Ela o olhou de relance, então voltou sua atenção para a estrada, os lábios grossos dela se abriram para dizer:
— Conte-me mais sobre aquela sua amiga.
Daniel respirou fundo.
— É a minha ex…
Ela assoviou em um tom sugestivo.
— E você ainda tem uma foto dela de papel de parede?
— Nós ainda somos amigos…
— Mas vocês não brigaram quando terminaram? — Samara perguntou e pressionou o botão do carro para sinalizar que iria mudar para a faixa da esquerda.
— Foi uma decisão mútua — respondeu Daniel, enquanto o carro se deslocava para a outra pista.
Samara acelerou o carro e ultrapassou o veículo a sua direita. Ao fim da manobra ela soltou uma risada.
— Duvido muito que foi um término mútuo…
Faltou muito pouco para Daniel não a mandar encostar o carro, mas como era sua chefe, sua tolerância para esse tipo de comentário era maior, então virou o rosto em um sinal de que não estava afim de continuar com o papo.
Mas Samara percebeu que tinha passado dos limites quando parou o carro diante de um sinal vermelho. Ela suspirou e tirou as mãos do volante.
— Ai, Samara, você não se controla mesmo. Daniel, me desculpe, não era minha intenção falar esse tipo de coisa. É que… a gente não fala de outra coisa além de trabalho. Então… sei que deve haver um bom motivo para vocês ainda serem amigos.
Não era o pedido de desculpas que Daniel gostaria de ouvir, mas já era alguma coisa.
— Obrigado — disse ele, vendo o sinal verde da sinaleira brilhar, mas Samara estava distraída se desculpando.
Quando estava para abrir a boca para alertá-la, o carro de trás buzinou. Em um estalar de dedos o sorriso de Samara se desmanchou. Ela baixou o vidro do carro e mostrou o dedo do meio para o senhor na caminhonete.
Daniel temeu pela sua vida naquele instante.
— Buzina não, arrombado! — finalizou Samara antes de acelerar o carro. — Só tem motorista sem noção nessa cidade.
— Uhum — concordou para não a irritar mais.
Nesse clima intimidante a viagem prosseguiu por quase um quilômetro, até a chefe quebrar o silêncio.
— Eu sei sobre você. — Ele quase teve um ataque do coração. — Eu sei que você era um jogador profissional. Fiquei sabendo quando o Mário veio falar comigo a respeito do nosso novo colaborador. Ele é seu fã, sabia?
Daniel ficou sem palavras. Não sabia se deveria estar feliz ou preocupado, pois nos dias de hoje, 99,9% de seus antigos fãs e admiradores falariam mal ao seu respeito para quem perguntasse.
— Você vai mesmo continuar trabalhando com a gente? — ela quis saber.
— Só até eu juntar uma grana. Quero fundar uma organização esportiva.
— Mas isso é caríssimo. Eu administro as finanças de alguns empreendimentos desse tipo em nossa firma. — Ela desacelerou o carro, então olhou para ele. — Você não deveria ser rico? — Depois voltou a olhar para a estrada.
— Eu perdi uma ação judicial — disse Daniel após expirar suas frustrações para fora. — Tive que pagar uma fortuna para aquele… filho da mãe.
Ao longe ele avistou o condomínio luxuoso, e pediu para ela parar na frente dele.
— Eu posso te dar uma mãozinha se precisar de ajuda financeira no futuro. Conheço uns bons financiamentos que podem te ajudar nessa nova empreitada.
O carro parou em frente à portaria do condomínio de luxo. Daniel respirou fundo e agradeceu ela do fundo do coração:
— Obrigado pela carona. Eu… eu adoraria conversar futuramente com você sobre essas oportunidades, podemos marcar lá para o… final desse ano ou começo do próximo?
— Claro — disse ela. — Só que você vai precisar me lembrar disso até lá.
— Deixa comigo — disse ele ao sair do carro. — E obrigado mais uma vez. — Então fechou a porta.
Daniel caminhou para a entrada do condomínio de luxo, mas no meio do trajeto ouviu o berro de Samara:
— Espera! Você mora NESSE condomínio? Você falou que morava em um mais simples, seu mentiroso de araque!
Daniel caminhou de volta até o carro dela.
— Agora entende porque precisei arranjar um emprego depois de tudo aquilo? Ainda falta pagar algumas parcelas bem salgadas. Eu tive até que vender meu carro, e olha que ele não era lá grande coisa.
— Sua situação é pior do que eu imaginava, mas… pelo menos você mora num apê lindo de morrer.
— E você achando que eu voltei a trabalhar só de sacanagem…
— Vai saber. Eu não faço ideia do que se passa na cabeça de um jogador profissional. Mas eu preciso ir agora. Meu marido vai ficar uma fera se eu fizer a gente se atrasar para a janta com os pais dele. Daniel, boa noite e… se cuida.
Ela se despediu com um aceno, acelerou o veículo e converteu para a outra faixa, cortando a frente de uma van cujo motorista revidou buzinando e xingando.
Daniel pôs a mão na nuca e agradeceu por ter uma chefe tão gente fina e pirada como Samara. Em seguida, quando o carro dela sumiu no horizonte, caminhou para a entrada do condomínio já pensando em tomar banho, jantar e entrar no jogo.
***
Após um longo e cansativo dia de trabalho, Daniel conectou em Nova Avalon perto das oito horas da noite.
Passaram-se alguns dias desde o assalto à Fortaleza Toca dos Lobos. E, como ele ficou com todo o ferro obtido, Niki e Artic não paravam de mandar mensagens exigindo a devida parte do espólio.
Para resolver o problema eles combinaram de se encontrar em Salem, na loja de itens mágicos do vampiro chamado Sinistro.
Ragnar foi o primeiro a chegar, e quando passou da porta o dono do estabelecimento o recebeu com um sorriso de satisfação no rosto.
— Você acreditaria se eu dissesse que já esgotou o estoque de filtro solar? — Sinistro falou cruzando os braços.
— Mentira! — Ragnar ficou estupefato. — Mas não fazem dois dias que entreguei o último lote.
— É verdade, é verdade. E por acaso você conseguiu produzir mais? É por isso que veio a minha loja?
Ragnar negou sacudiu a cabeça.
— Eu vim me reunir com meus amigos.
— Aquelas figuras da última vez?
O druida confirmou acenando a cabeça.
— Excelente. Vou preparar um chá para vocês.
O vampiro falou e se apressou para a cozinha nos fundos da loja.
Ragnar estudou o estabelecimento em busca de algum item que pudesse ajudá-lo, porém, tudo ali era restrito para aventureiros acima do nível 25.
Um tanto decepcionado, caminhou para o canto da loja onde encontravam-se as mesas. Como de costume, o local estava vazio, então Ragnar optou por se sentar na ponta da mesa, ficando de costas para a parede a um metro de distância.
Tilintares agudos e repetitivos anunciaram a aproximação de Sinistro, o ruído provinha do chacoalhar dos pires e das xícaras sobre a bandeja que trazia em uma das mãos, na outra, uma vasilha fumegante exalando um cheiro adocicado denunciava o seu conteúdo, chá de ervas docas.
Preciso aprender essa receita, pensou o druida.
O vampiro serviu o cliente e adiantou-se para arrumar os pires e as xícaras dos futuros convidados.
— Sinistro — Ragnar o chamou. — Seu chá é de uma qualidade excepcional, o que faz ele ser tão diferente dos outros?
O vampirou arqueou-se para trás e soltou uma risada.
— Boa tentativa, mas não será hoje, nem nunca, que alguém irá roubar minha receita.
— Quem não arrisca, não petisca — lamentou Ragnar, erguendo sua xícara para dar o primeiro gole.
Uma figura entrou no estabelecimento e jogou o capuz da capa para trás, revelando seu cabelo loiro e liso. Ele olhou para a esquerda, onde grande parte das vitrines se encontravam, e depois para a direita, onde ficava o canto com as mesas.
O recém-chegado sorriu, era Skiff. Ele se apressou para sentar-se à direita do amigo.
Niki e Artic demoraram alguns minutos até entrarem na loja, mas quando se sentaram à mesa, o chá preparado pelo vampiro havia esfriado.
Mas como Ragnar era o fornecedor de ouro do estabelecimento, Sinistro se prontificou a preparar mais daquela bebida tão cobiçada. Niki sentou à esquerda do druida, restando a Artic a cadeira em frente a ele.
— Nós queremos nossa cota do assalto — disse o cavaleiro assim que suas nádegas tocaram na madeira do assento.
— Vocês receberão sua parte, prometo — tranquilizou-os Ragnar. — Mas antes eu gostaria de saber o que pretendem fazer com todo esse ferro.
— Eu usaria para evoluir minha profissão de ferreiro — disse Artic.
— Forjaria uma adaga para mim, e uma espada e escudo para esse cavaleiro. — respondeu Niki. — Acho que então venderia o resto para comprar um cavalo.
Em parte, Ragnar sentia-se aliviado em saber que Artic usaria o ferro de forma produtiva. A primeira frase de Niki fazia sentido, forjar equipamentos era uma ótima maneira de atualizar o seu arsenal e o de seus amigos, mas vender um dos minérios mais usados no jogo para comprar uma montaria básica, isso era loucura.
E quando ele explicou isso a ela, a garota baixou os olhos e murmurou:
— Queria tanto um cavalinho.
— Fique tranquila — tranquilizou Ragnar. — A primeira montaria a gente pode ganhar como recompensa de uma missão.
Ela ergueu o rosto e o encarou com um olhar assassino.
— É bom mesmo, senão…
Enquanto isso, Skiff reclinava-se na cadeira, com a mão apoiada no queixo, apenas observando o decorrer da conversa.
— No fim das contas o ferro é de vocês — disse Ragnar. — Portanto, aproveitem como bem entender.
Ele olhou para os três e, de uma só vez, enviou um pedido de troca para cada um. Eles aceitaram.
Três janelas de trocas foram abertas uma do lado da outra, Ragnar abriu seu inventário, dividiu as 5.000 unidades de ferro em: um montante de 2.000 mil e três montantes de 1.000 unidades.
Após conferir a divisão das pilhas, moveu um montante de 1.000 para cada janela de troca.
Ao ver o número de unidades que apareceu em sua janela, Niki protestou:
— Você vai ficar com o dobro?
— Niki, deixa ele… É uma divisão justa considerando tudo que ele fez…
Ragnar jamais imaginou que as palavras do cavaleiro o fariam sorrir em gratidão.
— Obrigado, Artic — finalizou confirmando a troca com os três companheiros. — Feito, agora cabe a cada um de vocês decidir o que fazer com todo esse material.
Eles agradeceram e a conversa fluiu para assuntos corriqueiros do mundo virtual. O clima descontraído os fez perder a noção do tempo. Em um piscar de olhos já era quase meia-noite.
Ragnar percebeu ao se despedir dos amigos que agora não havia mais um objetivo claro em sua mente.
O ferro fora roubado e distribuído a todos os envolvidos. Resta-lhe apenas bolar algum método para alcançar o nível 20 antes do cavaleiro e da assassina.
Mal sabia ele que uma sombra do passado poderia voltar para ameaçar Nova Avalon.
Avisos
Olá, meus queridos.
Primeiro: gostaria de agradecê-los pelo apoio e pelos comentários no último capítulo. Fico muitíssimo feliz em ver que tenham gostado, pois vocês não fazem ideia do cagaçado medo que tive de publicar aquilo.
Segundo: agora temos também uma chave PIX por onde vocês poderão contribuir com a quantia que puderem. Por favor, não se sintam pressionados em colaborar. Eu sei muito bem como todos nós brasileiros estamos passando por uma fase muito difícil. Mas quem puder ajudar, seja bem-vindo, tenha certeza de que sua contribuição me estimulará a escrever cada vez mais.
Chave PIX: [email protected]
Detalhe: quem contribuir com R$10,00 ou mais pode sugerir nome de jogadores, NPCs e etc…
Terceiro… já tenho em mãos as ilustrações de Daniel e Júlia, isso mesmo, os dois na vida real. Mas só irei postar quando as contribuições baterem um todal de R$200,00. No momento estamos com R$15,00 embolsado, isso sem considerar a contribuição do Padrim desse mês, essa entrará dia 1º do mês que vem, quando a transferência for realizada.
A novel possui uma Página do Facebook onde você pode ficar por dentro dos lançamentos e também poderá interagir com o autor.
Página do Padrim para quem quiser contribuir mensalmente.
Chave PIX: [email protected]