Volume 1
Capitulo 9: Honestidade e subterfúgio
Enquanto Rafael e Surya lutavam, algumas sombras se reuniram atrás do ginásio ainda cheio, munidos de celulares, câmeras e filmadoras.
— Então, tudo pronto? — perguntou uma sombra masculina com um tom sério para outra.
— Faltam apenas alguns ajustes. — respondeu outra sombra masculina.
— Ótimo. Todos já confirmaram presença? — perguntou a primeira sombra para a outra ao lado.
— Afirmativo. — respondeu ela, checando animadamente o celular — Mal posso esperar…
A primeira sombra então colocou a mão no ombro do comparsa.
— Não se esqueçam que teremos somente uma chance e que, se formos pegos, é capaz de sermos até expulsos — disse ela num tom cauteloso.
Apesar da pouca luz, era possível ver alguns ali mordendo os lábios ao ouvir a palavra “expulsâo”.
— Mas se obtivermos sucesso, teremos o paraíso em nossas mãos! — disse outra sombra num tom desbravador, erguendo o punho ao ar.
— Bem, se todos acreditam que a recompensa supera o risco, então não há mais o que se discu-
O jovem foi então cortado por estrondo seguido pelo som agudo de um alarme de carro à distância.
— Que merda é essa? Não importa. — A sombra balançou a cabeça, recuperando a atenção dos presentes. — Vamos nos separar. Ajam normalmente para não chamar atenção. Segunda é o grande dia.
As sombras concordaram com a cabeça e saíram do local sem deixar vestígios.
…
— Ela ainda não chegou… — disse Moacir para si mesmo ao observar o céu pacífico..
Era segunda de manhã e o brilho do sol encontrava pouca resistência. Enquanto os outros alunos adentravam a escola, ele aguardava a vinda de Anna.
“Espero que esteja tudo bem…” Ele olhou a hora no celular ao ferver a preocupação. Faltavam quinze minutos para a primeira aula começar. “Ficar parado não vai dar em nada…” Concluindo isso, ele adentrou a escola e seguiu para o jardim entre os muros do prédio principal.
Andando sem pressa pela trilha de pedras, ele se deixou apreciar as muitas cores naturais que o cercavam. Da casca rugosa das jacarandás às delicadas pétalas das hortências, das danças aéreas das borboletas ao frenético alimentar dos beija-flores, havia apenas beleza para onde quer que olhasse.
— Oh… Ela certamente amaria isso. Eu também não desgosto, no entanto — disse ele ao inspirar aquela pureza.
Nisso, algo a mais chama a atenção ao destoar do ambiente.
— Espera, aquele não é o Thomas? O que ele está fazendo? — pergunta-se Moacir, cobrindo o sol que batia no rosto para ver melhor.
O jovem de cabelo cinza carregava uma bolsa esportiva em seu ombro, olhando da esquina ao raspar sem parar os dedos na alça. Quando notou que o jovem ia olhar para trás, Moacir se escondeu atrás das árvores por instinto.
Não vendo ninguém, Thomas seguiu em frente com Moacir o seguindo à distância. Passando por trás das arquibancadas do amplo campo esportivo de terra, ele logo chegou até a parte de trás do ginásio.
“Ele sempre age tão confiante. O que será que está havendo?” questionou Moacir ao se aproximar.
Ouvindo várias vozes masculinas vindas de trás do ginásio, ele espiou pela quina. Dezesseis estudantes do sexo masculino dos três anos escolares reuniam-se ali, montando e limpando câmeras e filmadoras ao conversar entre si. Sua curiosidade é atiçada também por uma porta de metal enferrujada, grande o bastante para passar três pessoas, na parede ao lado deles com um papel de parede da cor do ginásio dobrado no chão.
Por falarem baixo, “Operação Paraíso” foi tudo que Moacir conseguiu distinguir. Entretanto, antes que ele pudesse fazer sentido da situação, ele é agarrado por trás pela gola.
O agressor tentou erguê-lo, mas Moacir forçou o corpo para baixo para se manter no chão. Ao olhar para trás, ele vê dois alunos do terceiro ano, um alto e largo, que o agarrava, e outro menor e mais estreito, ambos encarando-o com irritação.
Sem ter como fazer muita força naquela posição, ele é empurrado até os outros, pararam o que faziam. O aluno do terceiro ano menor então chutou as pernas dele enquanto o grande o empurra, o derrubando diante dos jovens.
— Q-quem é esse, Vitor? Ele está no plano? — perguntou um aluno do segundo ano, manchando a lente da câmera com as palmas úmidas.
— Não. E esse é o problema! — respondeu Vitor ao puxar o jovem até sua altura pela gola — Eu disse pra colocar alguém de vigia, não disse!?
Sendo repreendidos, os alunos abaixam a cabeça sem retrucar. Caído ao chão, Moacir percebeu um aluno do primeiro ano com um cabelo cinzento raspado dos lados o observando um largo sorriso no rosto retangular bruto.
— Olha se não é o meu emo favorito, Acir. Que surpresa ver você por aqui. Eu nem te notei por perto — disse ele como se reencontra-se com o cachorro de rua da vizinhança.
Sem olhar para ou respondê-lo, Moacir botou os óculos de volta e começou a se erguer, com o jovem o “ajudando” forçadamente com os braços grossos e pernas finas.
— Você conhece esse palhaço, André? — perguntou Thomas, retornando à atitude habitual.
— Claro! Nos conhecemos desde crianças e estudamos juntos no fundamental. Somos grandes amigos! — falou ele para todos ouvirem.
Colado no barulhento colega, Moacir suspirou ao empurrá-lo para o lado.
— Sigh… Está mais para o meu valentão pessoal — disse ele sem muita energia.
— Ei, não fale assim. Se esqueceu das vezes que te ajudei deixando sua carteira mais leve? — perguntou de bom humor com um tapa “amigável” nas costas.
Nem piscando com o tapa, Moacir finalmente se voltou à André, mostrando o ambiente com as mãos.
— De qualquer forma, que está acontecendo aqui?
— Tá vendo aquela porta? Ela dá para dentro do palco no ginásio, provavelmente uma entrada de manutenção esquecida. Nossos veteranos a encontram há alguns anos e desde então a colheita dos frutos da época virou tradição — explicou Hiroshi relaxadamente ao pôr a mão no ombro dele.
— Hum? Frutos? — perguntou ele ao coçar a cabeça.
— Melões, maçãs, limões pêssegos, todos prontos para aparecer logo hoje à tarde.
— Mas hoje à tarde é o nosso exame físico… — As engrenagens logo se conectaram — Vocês vão espionar as garo-
André tapou a boca de Moacir antes do grito sair, para o alívio dos presentes. Após olhar ao redor, ele mostrou as câmeras que tinham.
— Shi! Mas parabéns, você acertou — confirmou ele com sorriso descarado — Ver a coisa toda tão de perto que quase dá para sentir o calor e ainda conseguir guardar para sempre não é uma oportunidade que aparece todo dia. Mas isso de lado: Quer entrar nessa?
O repentino convite gera murmúrios cheios de dúvida entre os membros. Prontamente, Vitor afastou os dois “amigos” e abordou André de frente, apertando o lado do pescoço com força ao se conter.
— O que você tem na cabeça? Agindo como se a ideia fosse sua e ainda sair recrutando gente sem permissão!
— Qual o problema? Você mesmo falou que a gente precisava de um vigia — respondeu André, logo voltando a atenção à Moacir, parecia estar reiniciando o sistema — Não se preocupe,cara: Nós vamos mandar algumas fotos das melhores para você depois, tipo daquela loira da turma A…
— Eu não vou ajudar vocês — declarou Moacir sem levantar os olhos, num tom incisivo.
— Escute aqui você tamb-
No que Vitor ia agarrar a gola de Moacir, ele o ergue pelo punho de forma deixá-lo das pontas dos pés. Apesar dos grunhidos doloridos do líder e do aluno do terceiro ano mais alto o agarrar por trás pelo pescoço, o fitar de Moacir sobre André não perde a intensidade, fazendo os presentes recuar com passos instáveis. O jovem, porém, apenas estalou a língua, irritação tomando o rosto.
— Tsk! Você sempre se oferece para tudo com tanto ânimo, então pensei que pelo menos dessa vez pudesse ser útil…
— Droga, sabia que deveríamos ter economizado um pouco do orçamento. — disse um garoto do 2° ano para si mesmo, contraindo-se na própria tremdeira.
— Como assim? — perguntou Moacir ao apertar ainda mais o olhar.
— S-se não vai nos ajudar então quer dinheiro, não é? — pergunta o aluno, acuado.
— Quê?! Claro que não!
O grito incontido fez alguns dos alunos baterem a cabeça na grade atrás, mas deu a chance para o aluno do terceiro ano maior soltar o líder ao forçadamente abrir os dedos de Moacir.
— Qual é o problema então? — perguntou Vitor por entre os dentes ao segurar o pulso — Não é como se ninguém fosse se machucar ou coisa do tipo. E como elas não vão ficar sabendo — ele cutucou a própria cabeça com as mãos — é como se nunca tivesse acontecido.
As palavras do veterano fazem os alunos relaxarem um pouco, alguns abertamente concordando com a cabeça. Vendo esse desenvolvimento, Moacir pôs o queixo sobre os dorsos dos dedos ao organizar suas palavras.
— Ainda sim, isso é um crime. E mesmo se não fosse, ainda não seria certo…
— E? — questionou André com toque de impaciência na voz, cruzando os braços.
Junto com ele, os outros alunos ficam em silêncio, esperando Moacir continuar. Pressionado por dezenas de olhos, Moacir sentiu a pouca eloquência que tinha caído ainda mais.
“Quando mais óbvio algo parece mais difícil é para explicar. A Anna estar envolvida torna isso ainda pior"
Sentindo a paciência da plateia diminuir, ele escolheu apenas falar do coração.
— Eu não sei quanto sentido isso faz para vocês, mas a intimidade é uma das coisas mais importantes para uma pessoa — continuou Moacir, pondo gentilmente a mão sobre a franja que cobria o olho — Seja o corpo nu, os pensamentos pessoais ou sentimentos mais profundos, essas são coisas valiosas para nós, para quais compartilhamos com poucos ou ninguém. Sabendo disso, não há, pelo menos para mim, como justificar invadir a intimidade de alguém sem um bom motivo, muitos tratá-la como troféu, como vocês estão fazendo.
Escutando em silêncio, os alunos se entreolham como se tentassem ler a mente uns dos outros. Nisso, o líder e o terceiro anista maior explodem em gargalhadas, que passam para os outros alunos como se conectados por uma mente de colmeia. O comediante no meio não conseguiu fazer nada além de apertar ainda mais a franja e abaixar a cabeça ao suspirar.
— Hahaha! Essa foi boa, cara! Mas, sério? Intimidade? Sentimentos? Se nos importássemos com essas coisas, nós não estaríamos aqui em primeiro lugar!
Sem nada para o rebater, Moacir se calou, um mal-estar tomando o peito. Após, o líder ergue a mão, fazendo os outros alunos se calarem e o aluno do terceiro ano maior estalar os punhos.
— Agora, o que vamos fazer com você? Não podemos arriscar sermos expostos. — declarou ele com olhar hostil.
No que o veterano maior se aproximou, Moacir pisou para trás e ergueu os punhos, lembranças desagradáveis de situações parecidas dividindo espaço com o debate entre lutar ou fugir em sua cabeça. Nesse momento, André, recuperando o sorriso bem-humorado, botou o braço ao redor do pescoço dele.
— Calma, gente. Não há com o que se preocupar. Esse cara não vai fazer nada. Afinal…
Por um momento, o sorriso dele se desfez e o calor de brasa por sua boca.
— Ele não tem direito de fazer algo — disse ele no ouvido do antigo amigo.
Com aquelas secas e espinhosas palavras abrindo caminho pelo seu interior, Moacir deixou os punhos caírem.
O líder trocou olhares com o aluno do terceiro ano. Apesar de manterem a expressão mal humorada, os dois abriram caminho. André então deu um tapa nas costas de Moacir, botando-o em seu rumo.
— Se mudar de ideia, a gente te dá uma foto depois — diz Hiroshi num tom provocativo .
Moacir foi embora a passos lentos enquanto os membros da operação voltavam a trabalhar. Antes, porém, de chegar ao terreno esportivo, Moacir parou perto de uma das paredes. Após segundos em completo silêncio, ele subitamente cerrou os punhos, contraiu a expressão dolorosa e desferiu uma cabeçada contra a parede de concreto, causando rachaduras nela.
— Se ele não estivesse ali, seria tudo tão mais simples… Que droga — murmurou ainda pressionando a cabeça contra a parede, deixando seu sangue escorrer por ela.
Ele, porém, falhou em expelir a agonia que se instalava nele.