Volume 1
Capítulo 6: O genuíno e o falso, parte 1
“Melhor deixar isso para depois.” Em silêncio, Moacir largou seu lápis, pegou seu almoço e levantou da carteira para ir até ao lixinho perto da entrada da sala de aula, amassando suas confusas anotações . No caminho, seus pensamentos voaram em meio às conversas dos colegas . Tão logo, sua expressão relaxou.
“E pensar que faz tão poucos dias que tudo aquilo aconteceu. Eu nem percebi eles passando. Ainda assim, os poderes da Anna, a força daquele homem, a relação entre eles ainda me perturbam um pouco. Não é como se eu, porém, pudesse do nada perguntar para ela ‘A propósito, o cara que quase me matou é o que seu?’” Pensativo, ele jogou sua tentativa de fazer sentido da matéria no lixo.
— Ei, diz aí: Se vocês fossem se confessar para alguém agora, quem seria? — Um jovem barulhento abriu a discussão com os amigos ao sentar com um pulo sobre a carteira no meio da roda.
— Claro que seria a Anna! — declarou um dos jovens prontamente. — Um anjo tanto em aparência e quanto em jeito, uma cabeça que vai ficar no topo das notas da escola e ainda por cima desastrada em esportes? Pode vim!!
“Essa última parte não é exatamente positiva, no entanto…” Incerto de como se sentir sobre o comentário, Moacir levou a atenção para a dita jovem .
Ela estava cercada de colegas, os quais respondia com um sorriso contido, mantendo as mãos em reza junto ao peito.
— Ela é certamente popular… — murmurou ele, desviando o olhar distante ao passar a mão na nuca.
— Curioso você ter omitido os “volumes” dela — provocou o jovem de cabelo cinza e óculus, moldando duas bolas no peito um com as mãos.
— Porquê é o óbvio, né Thomas? Hehe. — Riu o jovem ao pegar o celular.
Sem hesitar, ele abriu a câmera do aparelho e apontou para Anna, que apertou as mãos com firmeza ao notar. Tudo que ele conseguiu capturar, porém, foi a palma áspera de Moacir agarrando a câmera no último segundo. Sem um ruído, ele parecia ter se materializado na frente dos colegas.
— Mas que!? — Exclamou o jovem, quase caindo da cadeira.
O jovem tentou puxar o celular de volta, mas a mão do colega estava soldada nele. Moacir apertou o olhar sério e penetrante contra o grupo, deixando até os alunos atrás incertos de onde pisar.
— Quer briga, emo? — questionou Thomas num tom irritado ao pegar na gola dele.
Entre aqueles que fingiam não ver e os que eram segurados pelos amigos para não se envolverem, todos observavam o que os semicerrados punhos ali fariam a seguir.
— Moacir, vamos almoçar? — convidou Anna casualmente ao se aproximar dos dois.
Os músculos dos envolvidos relaxam, porém mantém a pegada, virando para Anna com uma expressão confusa. Seus ombros não estavam mais tensos e ela destinava um sutil mas vívido sorriso para Moacir. Ao encontrar seus olhos com os dela, não havia mais apreensão ali.
— Claro — respondeu ele de bom humor ao largar o colega.
Thomas soltou Moacir e o grupo acompanhou com os olhos franzidos e bocas semi abertas os dois saírem da sala lado a lado com um tênue rubor em suas bochechas.
— Como… — Thomas vocalizou os pensamentos de boa parte da sala.
…
— Assim terminamos a idade antiga. Envolvente, não foi? — perguntou Laura para a classe num tom excessivamente animado.
Recebendo apenas vários olhares tortos, a professora foi salva do constrangimento pelo sinal.
— Muito bem — continuou ela com um sorriso torto, juntando as mãos. — Antes de vocês irem, lembrem-se de avisar seus pais da reunião de pais e mestres neste final de semana. É muito importante, está bem?
Recebendo o aviso, os alunos logo começaram a arrumar suas coisas enquanto abriam conversa com os colegas próximos, seja sobre o que fariam no que restava do final de semana ou sobre o que seria aquela reunião.
“Uma reunião,não é… E como sempre é meu pai que vai ter que ir….” Moacir se debruçou, deixando o olhar cair sobre Anna, que escutava o anúncio com atenção. “Me pergunto como é a família dela…”
Após observar a reação vívida da turma, que já começava a guardar os pertences, a professora mostrou uma estufada caixa de papelão aos seus pés.
— Com isso resolvido, preciso de alguém para… — Poucos olhos receosos viraram para ela. Menos ainda pararam as mãos.
No que o olhar da mulher baixou e apenas resquícios do pedido escorriam de sua boca, o som de uma carteira arrastando os força a se erguer no susto.
No centro da atenção da confusa sala, Moacir se encontrava de pé junto à carteira, o ar agradável como fumaça de diesel da sala bloqueando o que iria dizer. No que pesava, ele notou Anna discretamente acenar a cabeça para ele, uma das mãos sobre o peito ao sorrir. As palavras retornaram à língua.
— Posso ajudar, professora? — Disse ele de peito aberto.
— C-claro, Moacir — respondeu ela, recuperando um semblante de compostura— Bom final de semana para os que vão.
Com isso, os alunos vão embora em grupos ou sozinhos enquanto Moacir foi botar a grande de caixa nos ombros sem muito esforço, para a surpresa da professora, Anna e alguns outros colegas próximos, logo ele se despediu de Anna e acompanhou Laura até a sala dos professores.
No caminho ela lia um dos seus livros com os ombros tensos, como se estivesse com uma arma na cabeça.
“É como a Ume mencionou outro dia.” Recordou Moacir da observação que a amiga fez quando entregaram um trabalho para a professora ao ver notar aquilo. — Então… Como você está, professora? — perguntou Moacir num tom calmo.“Seja o que for que ela está pensando, é melhor distraí-la disso um pouco.”
— Hum… Ainda estou me acostumando com a cidade, mas de resto até que está tudo bem — disse ela, pondo os livros junto ao peito.
— Você também se mudou há pouco para cá? — perguntou ele num tom curioso.
— Também? De qualquer forma,sim. Eu me mudei para cá faz um mês para cuidar do meu primo depois que… bem… os pais dele morreram. — Seu olhar desabou.
— Droga… — murmurou ele ao desviar o rosto — Meus pêsames, desculpe.
— N-não precisa se preocupar! Eu nunca fui muito próximo deles. Além disso, meu primo tem a sua idade, então não é muito trabalho… — despejou ela ao balançar a mão freneticamente na frente do rosto.
— Se você diz, está tudo bem… — respondeu Moacir, retornando olhar preocupado para uma segunda tentativa — A propósito, tem um tópico na última aula que eu não entendi muito bem.
— É mesmo? Espere um pouco… — Ainda agitada, mas com a cabeça voltando ao lugar, a professora folheou o livro até achar um diagrama — Qual é sua dúvida?
Ela explicou a matéria da aula a partir do livro para o aluno. Para a surpresa de Moacir, ela esclareceu sua dúvida com exímio.
Tão logo que terminaram a revisão, eles chegaram ao destino. A professora guiou Moacir até uma mesa no meio da bem iluminada sala, onde ele cuidadosamente botou a carga.
— Com isso posso começar a trabalhar. Obrigada pela ajuda. — agradeceu ela com uma postura mais relaxada.
— Não tem de que. Obrigado por me explicar a matéria.
— Disponha. Está dispensado.
— Nesse caso, até segunda.
Após se despedir, Moacir andou em direção à porta com passos, confortavelmente repousando a mão no peito preenchido de leves sensações ao sorrir de leve.
— Moacir! Mais uma coisa — Ela chama o aluno, que virou-se com uma expressão confusa — Sabe, eu sempre tive dificuldade em lidar com pessoas, então sou muito grata por se importar de conversar comigo, mesmo que tenha sido só para me confortar. Só queria que soubesse disso — confessou ela.
Ela abriu um genuíno sorriso, mais brilhante que luz do sol a entrar pelas janelas e mais caloroso que o distante astro.
— Ora, você me pegou — brincou Moacir, coçando a bochecha levemente corada. — Fico feliz em ajudar. Não hesite em pedir ajuda de novo.
— Vou manter isso em mente. Até — despediu-se ela novamente ao acenar.
Devolvendo o gesto, Moacir deixou o local, animado para contar à Anna sobre aquilo.
…
“Onde será que estou errando?” perguntou Laura, sem um pingo do bem-estar de antes em seu corpo.
Cercada de vários papéis a serem preenchidos e um porta comprimidos à sua frente, ela deixava os olhos viajarem pelo pequeno círculo branco que pinçava com os dedos.
Tanto o sol quanto vários alunos e professores remanescentes no prédio iam para casa após terminarem suas tarefas do dia. Enquanto isso, a caixa em sua mesa estava ainda metade cheia, com a responsável por ela se distraindo com outros estresses.
“Dois anos de cursinho, quatro anos de faculdade, centenas de reais em livros e eu não consigo provocar nos alunos nada mais que pena e vergonha. Não é como se fosse estranha a essas sensações, mas ainda…” Refletiu ela, apertando a cabeça para distrair-se do latejar em sua cabeça.
No que ela abriu a boca para tomar o remédio, a caixa tomou sua atenção mais uma vez. Nisso, a pequena lição particular com Moacir retornou à mente.
— Dito isso, tenho sorte de ter alguns bons alunos — consolou-se ao guardar o comprimido, os fracos lábios erguendo um pouco.
— Cansada, Laura ? — uma bem formosa voz masculina a agarra por trás, pelos ombros.
— Surya! — No espanto, ela escondeu porta-comprimidos entre as coxas — Eu já ia voltar a trabalhar! Eu só, só…
Por cima do seu ombro, ela viu um homem moreno de traços asiáticos, cabelos encaracolados e músculos olímpicos, destacados pela camisa de compressão de mangas curtas branca e short preto de bolinhas, chamando atenção para o apito e o cronômetro pendurados em seu forte pescoço. Entre o calor das mãos, o cegante sorriso branco, seu olhar confiante, a força da pegada e o suave cheiro de suor, o coração dela não conseguia escolher uma razão pela qual explodir.
— Fique tranquila, o início do ano letivo é carregado assim mesmo. Eu mesmo ainda tenho que terminar a papelada dos clubes esportivos — disse Surya num tom de linho — Além disso, eu sei que meu nome é um pouco difícil de falar, então pode me chamar só de “Su”.
— Obrigada… Su — respondeu Laura, desviando o rosto corado ao se encolher. “É tão confuso: Um homem deste calibre me ajudando desde que entrei mesmo com várias outras responsabilidades, tanto dentro quanto fora da escola, deveria me fazer sentir segura. No entanto…” Ela ponderou, apertando a inquieta barriga.
— Hahaha — riu ele descontraído, soltando-a — Tenho uma reunião com o diretor agora. Boa sorte e não crie rugas pensando demais, está bem?
Ela concordou com a cabeça antes de tirar uma ficha de dentro da caixa e penosamente voltar a trabalhar, enquanto o homem deu-lhe as costas vai embora de cabeça erguida, um satisfeito sorriso espalhado no rosto.
Entretanto, logo depois um estrondo bateu nas costas de Surya. Quando ele e os outros professores se viraram, Laura estava esparramada no chão junto com a cadeira.
Pálida e com cabelo eriçado, ela respirava de forma rasa e irregular pela boca semi aberta ao proferir ruídos intraduzíveis, os olhos esbugalhados fixos no nada.imediatame Surya se agachou junto a ela, sacudindo-a pelos ombros. Nenhuma resposta veio.
— Ei! Laura! — chamou Surya num tom vigoroso. — Abram caminho!
Os confusos professores obedeceram de imediato, e num instante o homem disparou para fora da sala com a colega nos braços como se ela fosse feita de isopor.
Na ficha que caira da mão dela se lia alguns nomes logo ao lado de uma foto 3x4 de Anna.
Aluno(a): Anna Álvares do semeador
Responsável(eis) legal(ais): Rafael Álvares do semeador
Mal consciente dos arredores, a mente de Laura afundou num abismo.