Volume 1

Capítulo 5: O terceiro elemento

— Hum… O que será que vai ter hoje para o jantar? — falou Moacir consigo mesmo, um sorrisinho bobo em seu rosto.

Sob aconchegante aconchegante luz laranja de final de tarde ele empurrava sua bicicleta ao se deixar soprar pelos suaves ventos da cidade, as peças recém colhidas do ferro velho adornando o momento a melodia com seu chacoalhar.

— De qualquer forma, entrei com um pedido de desculpas a fazer e saí com uma pessoa boa como Anna como amiga. Faz tempo que não tenho um dia com um saldo tão positivo — continuou ele ao refletir em voz alta, olhando para a cheia mochila. — Devo fazer algo especial para quando eu levar ela lá?

— Pode parar por aí! — Um grito hostil à distância rompeu as reflexões de Moacir, que logo abriu a base.

Averiguando que não a ordem não era para ele, sua curiosidade ganhou do mal pressentimento e ele seguiu o berro por um beco próximo. Chegando à uma cerca de madeira, ele encostou a bicicleta e espiou por um burraco nela.

Cercado por oito meliantes mal encarados, todos com jaquetas de motoqueiro, estava um homem gigante, altura e largura para fazer bodybuilders parecerem crianças. Ele alongava o grosso pescoço ao manter os grandes ombros no lugar, segurando um par de sacolas de mercado cheias com os musculosos braços. As hienas animadamente brincavam com as armas ao o beliscar com o olhar, porém ele não demonstrou qualquer sentimento em específico, mantendo-se a encarar o horizonte à frente com seus olhos azuis escuros e opacos como um abismo.

“É ele!” O corpo de Moacir solidificou, as lembranças do ataque do homem mais frescas em sua mente que o almoço da Anna. Com o coração ameaçando aumentar a marcha, ele fez o possível para segurar as rédeas da respiração e assistir o incidente a germinar.

— Você com toda certeza é novo por aqui, ein. Eu lembraria se já tivesse visto alguém tão grande! Não é, rapazes? Hahaha! — Um homem obeso com uma bandana vermelha na cabeça riu em escarno, seus capangas juntando-se ao coral.

— Vamos te vender um conselho, meu chapa: Você realmente deveria tomar mais cuidado. Afinal, não importa o quanto os tiras se gabem, eles não podem ficar de olho em cada cantinho dessa cidade — disse um dos bandidos, alinhando o pescoço do homem com a lâmina do canivete.

“Essa deve ser a gangue que minha mãe comentou outro dia…” apertando a coxa, ele sentiu a presença violenta dos criminosos escorrer pelos cando de seus olhares maliciosos. Furtivamente, ele pegou seu celular e digitou “190” nele. Porém, antes que ele completasse a ligação, o homem fez todos ali recuarem um passo ao pôr o pé a frente.

— Ei, ei, ei! Pode parar por aí, vagabundo! Você não entendeu a merda em que você está?! — disse o líder do bando, arrancando lascas do asfalto ao bater o taco no chão.

O homem encarou o bandido com uma expressão séria porém indiferente, tomando alguns segundos para si ao processar o que ouviu antes de retomar o passo como se num passeio, pondo as sacolas da mão esquerda na direita.

“O que ele está fazendo!? Ele parece forte, mas ainda assim são 8 contra 1 e eles estão armados!” Desorientado por aquela decisão, Moacir cobriu a boca com a mão ao se preparar para o pior ao ver os criminosos erguerem as armas com firmeza, um deixando a mão livre próxima à cintura.

— Você… é um idiota!? Está fazendo pouco da gente!? Chega! A gente ia só te roubar, mas agora é melhor se preparar para virar uma carca-

Nesse momento o homem afundou o pé direito no chão, criando grossas rachaduras com estrondo de um trovão. O barulho atordoou aqueles ao redor e uma das fissuras seguiu como um torpedo contra o pé direito do líder.

No instante que ela encostou, a perna e metade do quadril direito dele implodiram num segundo estrondo visceral. Ossos, músculos, nervos e gordura esmagados contra si mesmos deixaram metade da perna sangrenta da calça vazia durante a queda do obeso homem. Quando o líder registrou o que aconteceu ele já estava no chão, com vários pares de olhos espantados sobre ele.

— Aaah! Minha perna! — exclamou ele ao desesperadamente agarrar o membro o mais forte que conseguia. Porém, era inútil: Ela não mais registrava os ventos a alisar a rua.

Tão rápido quanto a queda do líder, o clima do local mudou. O ar gelado com gosto de chumbo pesou sobre os pulmões dos presentes. O homem, a fonte daquele temor, continuou pressionando o pé contra o solo ao encarar o gordo aos gritos. Nem um único músculo de sua face contraiu.

“É aquela sensação!” Moacir se encolheu, seu peito voltando a arder ao sufocar naquele ar corrompido.

No centro daquele fenômeno, o homem então cerrou o punho esquerdo, a contração evidenciando ainda mais sua abnormal musculatura. O que restava da confiança dos homens evaporou.

— Uh, uh, uh, ghaaa! — Num grito manicomial, um dos bandidos se jogou contra o homem.

A arma despedaçou como se feita açúcar ao acertar a nuca do oponente.  Em resposta, uma simples cotovelada de costas na cara atirou criminoso, ainda em pleno ar, para trás, cada impacto contra o chão pintando novas sinalizações vermelhas no asfalto.

Num dominó, os outros bandidos partem num ataque desvairado mas duro, como se as juntas perdessem todo o óleo. Cercado por berros intraduzíveis, os pés do homem passaram a se mover. No que um pedaço de cano arremessado acertou o nada, o capanga mais próximo do homem já estava com um cruzado encaminhado para a cabeça.

Vendo o colosso colar nele no tempo que fechou os olhos, o capanga se fechou por reflexo, apenas para ser ter os pés tirados do chão por um uppercut  na boca do estômago. O homem então agarrou o pulso inimigo com o braço sujo de sangue e baba e o projetou sobre a cintura sobre o terceiro oponente logo atrás, apagando ambos.

Alertado da investida do quarto oponente por um grito de guerra franzino, o homem imediatamente virou de frente para mandar o pé direto no rosto dele ao inclinar o tronco para trás, evitando o canivete que voou da mão dele. Daquela posição ele então fitou os três oponentes remanescentes e puxou a  perna de volta a fim de investir contra eles, a escuridão em seus olhos a saltar. 

Um dos bandidos puxou um três-oitão da cintura, mas antes sequer de deduzir onde atirar para parar a ameaça ela já era capaz de cheirar o salgado do suor a cobri-lo. Um passo largo para o lado e uma cotovelada firme no flanco do quinto, um passo à frente e um gancho preciso no queixo do sexto e, por fim, um firme martelo diretamente no topo do crânio do sétimo ao girar, cada movimento fluindo sem falha para o próximo.

Um largou o revólver e desabou agonizando com sangue na boca, outro é lançado para trás com o queixo quebrado e o último tem os pés afundados alguns centímetros no chão antes de cair sobre os próprios joelhos, sangue escorrendo das orelhas.

Derrota absoluta.

O combate acabou em menos de 6 segundos e um único homem obliterou, sem contar o líder, 7 outros apenas com o braço esquerdo e carregando compras, sem que a respiração flutua-se por um instante.

Diante a algo que imaginou possível apenas na ficção, os olhos de Moacir estavam secos e os pulmões agonizavam com o fôlego preso. No entanto…

— Belo — murmura ele, soltando o ar que prendia.

O homem moveu os olhos na direção de Moacir, que se abaixou e fingiu não existir com toda a força. Em poucos segundos ele perdeu interesse no som, voltando a atenção para o bandido do revólver. Voltando a espiar após alguns segundos, Moacir vê o homem carregando lentamente arrastando o mole criminoso até o líder da gangue. Com a mão, ele o forçava a segurar o revólver engatilhado com o dedo no gatilho.

— Não, por favor… — disse o líder de barriga para cima com a voz bamba, escoriando os braços no asfalto ao tentar se arrastar dali. —  O que você quer? Dinheiro? Droga? Eu arranjo pra vo-

Bang

Um zumbido ressoou dentro do ouvido direito do bandido, um diferente do que ecoava pelo seu esquerdo. No que o sangue escorreu dos restos de cartilagem do lado da cabeça dele até o pescoço, seus outros sentidos desligaram. Tão logo, apenas o homem e Moacir restavam de pé.

— Ugh… — gruniu Moacir com as mãos na boca, sentindo uma pincelada ácida em sua garganta.

Ainda oculto, ele observou o homem largar o capanga e tirar um celular tipo flip preto bem gasto do bolso da calça. Ele então o abriu, encarou a tela por alguns segundos, resmungou e por fim o pôs de volta no lugar. Sem reservar mais uma olhada para a cena do crime que criou, o homem dividiu as compras entre as mãos e seguiu seu caminho, seu raciocínio oculto por trás de sua máscara de pedra.

 Após confirmar que ele não voltaria, Moacir pulou a cerca e andou até o líder da gangue, observando a violência ao redor com uma expressão pesada. Um toque no pescoço confirmou que o coração do criminoso ainda funcionava.

— Bem, pelo menos é uma coisa a menos para minha mãe se preocupar… — falou Moacir com o vento, soltando para ele o estresse que acumulou.

Com nada mais a fazer ali, Moacir deixou uma ambulância e uma viatura sabendo do desfecho da gangue antes de guardar o celular e voltar para pegar a bicicleta, seguindo direto para casa.

Naquela noite Moacir deitou cedo, mas não consegui dormir. Sentindo que testemunhou um pequeno fragmento do céu e do inferno com tão poucas horas de diferença, ele removeu  dúvidas novas e antigas até levantar da cama e se sentar à sua bancada depositando aquela energia nas peças que colheu do ferro velho. Ao terminar uma escultura de coruja, diferentes pássaros já o desejavam bom dia pela janela.

 



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