Volume 1

Capítulo 3: A sós - parte 1

“Eu fiz questão de não ser seguido, sem falar que não tem nada para ver aqui. Nem a pau isso é coincidência” Moacir determinou ao assistir Anna descer os degraus, o encarando-o enquanto pressionava a mão livre contra o peito.

No que considerou levantar sua atenção é presa pelo brilho dos fios de ouro de seu cabelo sobre a luz do sol, que emolduravam o olhar apreensivo. “Eu devia estar em alerta agora, no entanto…” O pulso pisando no freio, ele viu a mente ficar mais límpida apesar de menos sangue chegar à cabeça, cujas bochechas estavam coradas. “Isso é uma oportunidade para me desculpar. O problema é o que dizer.” Confrontado, ele franziu a testa e desviou o olhar ao apoiar o queixo sobre o dorso dos dedos de ambas as mãos.

Ele rearranjou letras, sílabas, palavras, frases inteiras pelo que parecia minutos sem que nada que bom o bastante surgisse. Nisso um pedido finalmente foi lançado ao ar, porém não vindo de sua boca. 

— Me… Me... Me desculpe! — disse Anna num só exclamar após juntar forças, sentada sobre os calcanhares logo ao lado dele já há vários segundos.

Pego desprevenido pela dupla surpresa, ele virou o rosto na direção da garota, que levantava o seu próprio ao abrir com com cautela os olhos para checar sua reação. Com os rostos a uma moeda de distância, o rubor no rosto de Moacir parecia uma queimadura solar. Dos suaves lábios rosados ao corado rosto gracioso adornado pela a atração principal, os grandes olhos límpidos, uma nova certeza cristalizou em seu raciocínio: Aquela era a garota mais bonita que já viu, seja no mundo real ou na ficção.

Após alguns segundos hipnotizado, Moacir finalmente recuou ao mesmo tempo que ela, processando o que lhe foi dito.

— Espera! Não! Você não tem porque…! Fui eu que…! — Moacir falava o que vinha a mente, sem ideia o que fazer com as mãos até que guardou o sanduíche na sacola e agarrou firme os ombros da garota — Desculpa por ter te machucado! Foi minha culpa!

A garota travou o fôlego, ainda mais vermelha. Notando a reação, Moacir logo a soltou.

— Desculpe… —  Ele desviou o olhar ao alisar a nuca com força.

Vendo a expressão penosa do jovem, Anna respirou fundo a fim de retomar a compostura.

— Está tudo bem, a ferida já está melhor, veja. — disse ela num tom reconfortante ao puxar  a manga da camisa.

Moacir espiou com o canto dos olhos. O ferimento no antebraço da jovem fechou e agora mal era visível, provavelmente por ser mais superficial do que parecia. “Muito obrigado…” ele agradeceu aos deuses, sorrindo devagar ao deixar as mão escorrer da nuca.

— Além disso, você também se machucou. — Os hematomas de Moacir espiavam por baixo da gola do uniforme desarrumado.

— Eu já passei por pior. — Ele ajeitou o uniforme ao notar o olhar preocupado dela sobre suas as feridas — De qualquer forma, nada disso não teria acontecido se eu estivesse prestando mais atenção.

— O mesmo vale para mim. Faz pouco tempo que eu me mudei para cá e estava… Quer dizer, ainda estou com a cabeça cheia — disse Hanna ao dedilhar o cabelo, olhando para longe.

— Sério? De onde você veio? — Ele se senta de frente para ela, inclinando-se um pouco à frente.

— Do Rio.

— Legal! Mesmo sendo quase que do lado eu nunca pude visitar. Como que é lá, como moradora? — perguntou Moacir num tom animado.

— Tem vários problemas,é claro... Mas era meu lar — declarou Anna, perdendo a força para sustentar a cabeça.

Percebendo o rebaixamento do humor da jovem, Moacir conseguiu algumas respostas à custa do próprio ânimo. Com uma expressão dolorida, ele retornou à escada.

— Me desculpe.

— Está tudo bem, não é culpa sua.

Após as poucas e baixas palavras de conforto, a conversa estagnou. No entanto, um misto de curiosidade e uma não usual vontade de conversar motivou Moacir a puxá-la novamente.

— A propósito, como você me achou aqui? Não é algo do que se orgulhar, mas as pessoas geralmente têm dificuldade de me perceber, ainda mais me achar — perguntou ele, endireitando a postura.

— Quer mesmo saber? Pode parecer absurdo… — alertou Anna ao pôr as mãos juntas contra o peito.

Moacir confirmou com a cabeça, olhando-a atentamente. Nisso ele viu o olhar da garota relaxando, mesmo que só um pouco.

— Bem, como colocar… — Ela pinçou o queixou ao se puxar para o lado do colega. — Moacir, você acredita que a alma existe?

“Ela… está tentando me converter ou coisa do tipo? Não, ela fala sério…” Moaci percebeu pela maneira que a jovem olhou em seus olhos ao perguntar, como se questionasse o seu cerne. Sua curiosidade aumentou. — Se você fala “alma” como sinônimo de espírito então sim, acredito.

Recebendo uma resposta a par à seriedade de sua pergunta, um pequeno sorriso aliviado se forma em seus lábios.

— Isso deixa mais fácil de explicar. — Ela olhou para as mãos. — Basicamente, a alma é uma forma de energia que flui em todos os seres vivos, conectada ao corpo e a mente. Eu não sei bem como, mas eu consigo sentir e ver essa energia ao me concentrar com as mãos juntas dessa forma, inclusive através de paredes. Com isso, foi só questão de andar por aí até “pegar o seu sinal”, assim por dizer.

Ao terminar a explicação, ela voltou a atenção ao colega a fim de chegar a sua reação. Nisso ela se deparou com o colega encarando-a com o penetrante olhar castanho, que junto com a postura com o queixo apoiado nos dorsos dos dedos das mãos realçava o contraste entre o rosto fofo e o corpo forte do jovem. Pega desprevenida, um claro rubor cobre as bochechas claras de Anna.

— Tudo bem, Moacir? 

 — Hum? Ah! — O jovem recua ao reconectar ao mundo, passando a mão agitadamente na nuca — Desculpe, eu estava tentando fazer sentido do que você disse. Não que eu tenha achado idiota ou coisa do tipo…

— Não se preocupe, eu sei disso — Com um fraco sorriso, ela voltou o rosto para frente. — Eu também tenho noção que é difícil de acreditar, então pode fingir que não ouviu, se quiser.

— Na verdade, eu acredito em você — confessou Moacir sem um grão de dúvida em sua voz.

Ouvindo aquilo, Anna imediatamente retorna a atenção ao colega. Uma, duas, três varreduras da alma dele confirmam o que ouviu, mas seus grandes olhos se recusaram a fechar. Vendo as perguntas que gerou na jovem, Moacir ponderou sua resposta, mostrando os dedos das mãos.

— Como posso colocar? Você ter me encontrado, a certeza com a qual você fala, a sensação estranha que tenho quando você me encara com as mãos juntas… Tudo encaixa, sabe? Além disso, desculpe a intrusão, pela sua cara parecia que você não esperava que eu acreditasse, mas no fundo ainda queria o contrário. Estou errado? — perguntou Moacir, abaixando um dedo para cada “evidência”.

— Ainda sim… eu não poderia ter mentido? — questionou ela  ao inclinar a cabeça para o lado, os olhos voltando a piscar.

— E para que você mentiria sobre isso? — Devolveu Moacir sem mudar o tom, copiando o movimento.

Ela tomou um breve momento para absorver aquilo, para então rir de forma contida na mão, a tensão esvaziando pelos cantos do sutil sorriso.

— Hi, eu desisto. Você é estranho, sabia? — brincou ela.

— Huh. Falou a médium. — brincou ele de volta ao se inclinar para trás, apoiando-se com os braços.

Sem resquícios do clima melancólico de antes, ambos deixaram o ar limpo os acariciar por dentro. Degustando o sopro vital sob a gentil luz do verão, eles apenas olhavam suavemente um para o outro, sem a obrigação de preencher o silêncio. De repente, centenas de milhões de quilômetros quadrados reduziram para apenas um, ocupado apenas pelos dois.

— Obrigada — proferiu Anna ao exalar, a lagoa em seus olhos reluzindo como a mais rara safira.

Com cada um dos sentidos capturado pela jovem, Moacir reprimiu a vontade de se perguntar pelo que exatamente ela o agradecia. “Acho que nem toda pergunta precisa de resposta, afinal…” concluiu ele ao responder abrindo um sorriso dentado.

Sem mais nenhuma palavra, entendimento é alcançado.



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