Volume 1

Capítulo 2: Novo tempo, mesmas dúvidas

 

Moacir estava diante do largo portão de uma escola com um grande símbolo prateado de uma garça a alçar voo no ponto mais alto do prédio principal.

Cerejeiras cobertas de vibrantes folhas verdes decoravam a entrada, pela qual dezenas de jovens adentravam exibindo seus blazers pretos de bolinhas e os broches em formato de graça, que vários colocavam de última hora. Uns abraçavam forte velhos amigos, outros abriam caminho sozinhos ao admirar as árvores e alguns apenas bocejavam, desejando que a aula começasse mais tarde. De uma forma ou de outra, a vida preenchia o lugar.

Após olhar para o topo do lugar onde estudaria nos próximos 3 anos com uma expressão melancólica, Moacir suspirou e se diluiu com passos mudos em meio à multidão.

(...)

Após uma ordinária cerimônia de abertura, Moacir entrou na sala de aula faltando 5 minutos para a aula começar. Vários alunos já estavam lá. Um grupo de garotas elogiando o visual das outras no uniforme, um aluno reclamando antecipadamente das aulas nos sábados com o amigo dorminhoco, outros apenas aguardando a aula iniciar ao olhar pela janela.Em suma, nada fora do esperado.

Moacir passou por todos em silêncio e escolheu um lugar no fundo,próximo à janela. Com a cabeça repousada na mão, o evento do dia anterior rebobinava em sua mente. Como das outras vezes, a garota e o ferimento tomaram boa parte dela. “Se eu pudesse ao menos me desculpar…” Ele varreu a sala com um olhar pensativo, o peito a pesar.

Seu coração então congela: O mesmo cabelo cor de ouro, longo e volumoso, a mesma pele clara brilhante, a mesma presença angelical. A garota de ontem estava sentada à sua imediata diagonal, arrumando os materiais sobre a mesa com capricho.

"Quais são as chances?!" Com olhos esbugalhados a ponto de arder, dúvidas o preencheu. Ela havia notado ele ali? Se lembrava dele? Como ela se lembrava? Com as engrenagens raspando umas nas outras, ele abriu a boca por impulso. No entanto, nada saiu. “Eu não sei nem o nome dela…”

Com o sinal da escola declarando seu fracasso, ele expirou o estresse para fora enquanto uma mulher jovem de cabelo castanho-alaranjado longo adentrou a sala carregando um livro grosso e um fichário fino nos braços.

Ela subiu no palco e pôs suas coisas na mesa antes de pegar um marcador para escrever o nome. Ao se esticar, os volumes que tentava disfarçar com o blazer e a saia realçaram, o que teria a garantido alguns fãs se o vibrante amarelo marca-texto das roupas não fizesse os alunos a encararem com o olhar de um inseto batendo repetidamente a cabeça contra uma janela de vidro.

A mulher ao mesmo tempo chamativa e discreta, virou-se para a turma e apoiou as duas mãos em cima da mesa ao se inclinar para frente.

— Bom dia a todos, meu nome é Laura Lírio. Serei sua professora de estudos sociais e orientadora de turma nos próximos três anos… está bem? — apresentou-se ela com o que seria um sorriso amigável se não fosse a total falta de confiança carimbada na cara.

Um desconfortável silêncio caiu ali diante a clara tentativa de ganhar simpatia. Sob olhares de pena e confusão,a professora enrolou o cabelo no dedo ao desviar o rosto torto.Após um breve pensar, ela ergue o dedo oposto.

— Bem… Já sei! Por que não vocês não se apresentam? Da frente para trás, da direita para a esquerda, que tal?

A turma se entreolhou, uns olhares mais tortos que outros, mas decidiu seguir a sugestão. Um por vez, os alunos se levantavam, falavam o nome e um pouco de si mesmo e voltava a sentar, comentários variados surgindo pelo fundo. Tão logo era a vez da garota, que se levantou com as mãos juntas,com os dedos intercalados, contra o peito.

— Meu nome é Anna Álvares do Semeador — disse ela num tom calmo, cumprimentando a turma com cabeça. — Estou feliz em conhecê-los.

Terminando sem dizer uma palavra a mais, ela logo se sentou, mas a turma permaneceu com a atenção roubada, não apenas pela bela beleza de seu rosto, mas também pelo timbre melódico de sua voz, que acalmou de vários ali de dentro para fora. Apesar de não ser exceção, Moacir notou também uma pitada de angústia no canto daqueles olhos.

“‘Anna’. É um nome bonito…” Ele se distraiu novamente, debruçando-se na carteira.

Em meio a pensar numa forma de abordar a garota e se questionar da razão por trás dos sentimentos que ela escondia, demorou vários segundos para ele reparar que os outros alunos, incluindo Anna, estavam o encarando em completo silêncio. Sua vez chegou.

Ele levantou repentinamente, passando a mão atrás da cabeça enquanto botava os pensamentos em ordem. Sentindo-se duro, ele desviou o rosto dos olhos confusos dos colegas.

   — Meu nome é Moacir Palmeira — disse ele, o volume tão baixo que nem os mosquitos voando perto o compreenderam. — Eu… 

— Fale alto, Emo! — Um aluno com cabelo acinzentado e óculos interviu ao bater o punho na carteira, assustando a sala ao encarar o colega com impaciência.

— Moacir Palmeira! — No sobressalto, a voz dele finalmente saiu.

Burburinho rapidamente tomou cobriu a sala. Permanecendo com os olhos em Moacir, que logo se sentou ao esconder o rosto com o antebraço, Anna apertou mais as mãos. Nisso, Laura bateu as mãos para chamar a atenção.

— Com isso podemos começar, eu acho… Abram os livros na página 10 — A professora orientou à sala com um sorriso torto antes de voltar a atenção ao quadro.

Com isso, o ano letivo oficialmente iniciou com Moacir ouvindo os murmúrios negativos sobre ele viajando de orelha a orelha. Ele permaneceu o período inteiro com a cara no livro, porém não absorveu uma letra dali.

(..)

— Que droga de dia... — murmurou Moacir num tom melancólico ao se curvar.

Ele estava sentado no topo de um lance de escadas de incêndio. Era horário de almoço, sendo possível ouvir o som dos passos e das conversas das pessoas vindo de trás da grossa porta vermelha atrás dele.

Depois da última aula do período matutino , Moacir pegou suas coisas e procurou um lugar tranquilo para comer, afastado de olhares hostis novos e antigos. Dito isso, o sanduíche feito com a carne que sobrou do jantar do dia anterior estava em sua mão, tentando-o com o doce aroma, e sua boca permanecia um deserto.

Ele então se pôs a contar as negativas nos dedos. Ele não conseguiu se desculpar para Hanna, deixou uma péssima impressão logo no seu primeiro dia de aula e ele ainda estava dolorido.

— Bem, não era como se eu esperava esperasse que algo desse certo de qualquer maneira —  suspirou ele, pondo a mão sobre os olhos. — Que consolo patético. Por que eu ainda tento?

Suas engrenagens processaram a pergunta em silêncio mas, de novo, nada veio a ele. Sem nada mais a fazer, ele se resignou a se forçar a comer.

— Eu sou uma bagunça, não é mesmo? — continuou ele, arrancando uma desmotivada mordida do sanduíche.

— Não, você não é — respondeu uma voz feminina calma mas insegura.

Aquela suavidade melódica só podia pertencer a uma pessoa. Moacir então ergueu o pescoço duro e confirmou: Hanna estava ali, descendo lentamente as escadas em sua direção. Pela primeira vez, o brilho em seus olhos se encontraram.



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