Volume 1
Capítulo 11: Burnout
Ainda atordoado, Moacir se afastou da porta e ergue as mãos para bater nas bochechas. Antes de se acertar, porém, ele se recordou da promessa que fez a Anna.
“Isso conta como autoagressão?” perguntou-se ele, olhando confuso para as palmas.
Sem certezas, ele balançou as palavras do diretor para fora da cabeça e seguiu em direção ao ginásio, ocupando a mente com a crescente pressão de grãos de areia no compartimento inferior de uma ampulheta.
A cada ideia criada e rejeitada, a fadiga mental acumulava-se, a ponto de a bolsa de ginástica o fazer inclinar para o lado.
— Eu estou acostumado com brainstorms assim, mas é difícil continuar motivado sem ver o progresso em mãos — ele confessa ao vento ao ajustar a alça da bolsa no ombro.
Buscando inspiração, olhou pela janela. Enquanto contemplava a natureza, ele notou alguns arbustos tremendo.
“Hum? Eles estão se movendo por ali de novo? Se o Vitor não estiver com eles talvez possa tentar convencê-los mais uma vez.”
Após cozinhar aquele plano de microondas, Moacir foi até as escadas.
Tomando cuidado para não ser seguido, ele furtivamente sai do prédio principal e seguiu a trilha, observando a vegetação suspeita. Ele se aproximou com cuidado e adentrou..
Ele então se deparou com amplas costas negras, os músculos quase saltando pelo couro. Por cima do cume de umas das montanhas, olhos escuros encaram em implacável hostilidade.O homem que estava com Anna no dia do acidente, aquele que acabou com oito bandidos sem dificuldade estava a um braço de distância. Moacir ainda não sabia seu nome: Rafael Alvares do Semeador
…
— Oh... — proferiu Moacir, travado como uma estátua.
De todas as probabilidades, aquela era a pior.
Eles encaram-se um ao outro sob o tremular das folhas. Com toda a fadiga acumulada sobre a pele sudoreica de Moacir, nem respirar parecia uma decisão segura.
Rafael, por sua vez, apenas voltou a olhar para frente e abriu o celular.
“Ele está bem despreocupado para alguém pego esgueirando numa escola. Isso ou ele só não me vê como ameaça” raciocinou Moacir ao relaxar, virando-se na direção do homem. “De qualquer forma, melhor ser cívil.”
Após uma breve seleção de palavras, ele respirou fundo.
— Boa tarde, meu nome é Moacir Palmeira. Sobre o que aconteceu no cruzamento… Desculpe-me por ferir a Anna. Tomarei mais cuidado no futuro — disse ele num tom honesto, mas mantendo um pé atrás.
— Não tem mais importância — respondeu o homem com uma expressão neutra, sem tirar os olhos da tela.
“Hum, isso correu melhor que eu esperava. Talvez ele pareça pior do que realmente é.” concluiu Moacir, sorrindo de leve.
— Que bom conseguimos resolver isso, senhor...
— “Não tem mais importância” significa apenas que agora tenho coisas mais importantes para lidar. Desculpas são não mais que palavras vazias — refutou ele friamente.
“Ou talvez não...” Moacir se corrigiu, encarando as costas de Rafael com um olhar vazio e um sorrisinho de alguém que tomara um balde d’água fria que já esperava.
Sacudindo aquele cinismo, ele contornou o homem para ver no que ele tanto se concentrava. Para sua surpresa, era uma foto da planta da escola.
“Não é algo exatamente difícil de encontrar, mas o fato que esse homem se importou de procurar por isso não é bom…”
Ajeitando a gola, Moacir foi mais fundo.
— Senhor, você está procurando por algo?
Rafael permaneceu analisando o mapa. Sendo ignorado, Moacir decidiu deixá-lo. Antes, porém, o homem o parou.
— Nada em particular — disse ele num tom sério, mas não mais irritado.
Pondo dúvidas na cabeça do ouvinte, ele então fechou o celular com um girar do pulso.
No mesmo instante Moacir sentiu que o sol desaparecera. Mesmo vendo a luz entrando por entre folhas das árvores, aquela impressão angustiante não se dissipou. O homem então lentamente se ergueu, virando na direção dele.
— Mas se, por acaso, eu tivesse escutado dois garotos murmurando entre si. — continuou ele, empilhando a densa voz de cascalho contra o jovem ao agarrá-lo. — Se, por acaso, eles estivessem usando o uniforme dessa escola. Se, por acaso, fosse sobre um plano para espiar num exame físico feminino. Se, por acaso, um exame desses estivesse para acontecer justamente hoje, nessa mesma escola. Se, por acaso, tudo isso estiver conectado, você saberia de algo a respeito?
Com o peso das grossas mãos do homem em seus ombros, Moacir recebeu a pergunta diretamente para o interior de sua alma, através do abismo que era seus olhos.
Não era só impressão. Mesmo com a luz entrando entre as folhas, o ambiente escuro e com um ar tão denso que podia ser visto compartilhar o metódico tremular da escuridão nos olhos de Rafael.
O ar corrompido infundia em cada ser vivo, murchando as plantas, desfalecendo os insetos, e derrubando os pássaros dos galhos.
“Ele cheira a ferro.” Notou Moacir devido a opressiva proximidade, sentindo a quente fumaça pálida que ele soltava pela boca em seu rosto.
O balançar da escuridão nos olhos dele é paciente, em oposição à tempestade de quanto os dois se encontraram.Tal espaço, notou ele, era preenchido de malícia.
—Não, é a primeira vez que fico sabendo disso — Moacir mentiu com a mesma naturalidade que se respirava.
Rafael continua o segurando, processando o que ouvira com uma feição séria.
— É mesmo? Que seja… — falou ele num tom desinteressado, largando o garoto. — Isso foi um desperdício.
De imediato, os fenômenos obscuros ao redor somem, por exceção do círculo de morte marrom que se formou ao redor deles. Com o homem dando as costas a ele, Moacir se despediu com a cabeça e saiu do local, andando torto ao segurar a barriga. Ele seguiu num ritmo cuidadoso para não tropeçar nas próprias pernas até entrar novamente do prédio, escorado nas paredes.
Tão logo que ele julgou estar longe o bastante, ele relaxou o abdômen. Todo o cuidado que tomou para comer escondido nas últimas horas é ejetado pela sua boca. Vomitando a própria alma, ele desabou de joelhos ao chão, só não caindo no próprio vômito por se apoiar na parede ao lado.
“O que foi aquilo!?” questionou-se Moacir, incapaz de proferir qualquer coisa de valor pela garganta rasgada.
Sua fachada de calma derreteu, dando espaço para uma ofegância nauseante. Sofrendo para puxar o ar, seu peito começou a arder, com ele incapaz de decidir se agarrava ele ou a barriga de chumbo.
“As plantas, a escuridão… O que aconteceu? Ele acreditou na mentira? Se não, ele me mataria? Mataria os garotos? Mataria só eles? E eu ainda nem consegui… Oqueeufaçooqueufaçooqueeufaçooqueeufaço!”
— Ei! Garoto! Consegue me ouvir? — gritou uma voz feminina externa, sacudindo-lhe o ombro o mais forte que conseguia.
O estímulo físico interrompe a linha de pensamento embolada dele. A boca ainda ácida, ele voltou a atenção ao aperto em seu ombro
— O que aconteceu? Consegue falar? — continuou uma mulher mais velha agachada ao seu lado.
Pelas rugas de expressão e as roupas reservadas, um vestido verde com detalhes de ramos marrons com uma jaqueta jeans por cima e saltos baixos, Moacir julgou ser uma professora que não conhecia. Atrás das lentes antigas era evidente o alarme nos olhos caídos, apesar da postura composta.
“Ela é uma boa pessoa: Depois de encarar aquele homem não há dúvida disso. Dito isso, deve ser fácil fazê-la comprar uma mentira…” pensou Moacir ao suspirar discretamente.
Recusando ajuda com a mão, ele se ergueu sozinho, escorando na parede ao engolir a náusea.
— Deve ser algo que eu comi… — disse ele ao passar a mão na garganta molhada de suor.
— Hum, para você ficar pálido dessa forma, deve ser gastroenterite — afirmou a mulher, olhando para os pedaços de massa meio digeridos no vômito — Aqui, limpe a boca e vá ver a enfermeira.
A professora tirou um lenço do bolso e ofereceu para o aluno. Ele, por sua vez, estendeu a mão mas hesitou, disfarçando a esquiva do olhar ao esfregar os lábios com a manga. Endurecendo a feição, ela então forçou o lenço na mão dele e cruzou os braços.
— Eu tenho que ir para o exame físico. Já estou atrasado, na verdade…
Recebendo uma resposta mais ou menos decente, a mulher deu mais uma olhada no estado dele.
— Sigh… Então vá para o exame físico e depois siga direto para a enfermaria, entendido? — pediu ela num tom paciente.
Sem plano melhor, Moacir apenas concordou demasiadamente com a cabeça.
— Ótimo — disse num tom mais amigável ao mostrar-lhe um sorriso — Vou pedir para o zelador limpar a bagunça. Boa sorte lá.
Recebendo o suporte, Moacir se despediu com a cabeça e seguiu a passos lentos em direção ao ginásio.
“De novo, boa sorte?”
No caminho, ele contemplou a ausência daquilo.
...
— Isso é tudo. Próximo! — gritou um homem de moletom num tom sério.
Ao erguer os olhos da prancheta, ele viu Moacir em uma camisa branca e shorts preto com bolinhas brancas. Ele apertava o dinamômetro com a força e atenção de um velho com um derrame.
— Hein? Ah! Sim... — respondeu Moacir, devolvendo o aparelho às pressas e p
O exame físico masculino chegará ao seu fim com Moacir presente nele só em corpo. Não surpreendia que seus resultados ficaram abaixo da média, o que não fez milagres para as fofocas circulando.
Porém, com corpo fraco depois de vomitar o almoço, a cabeça parecendo o resquício de uma fogueira e o interior pesando devido à mistureba de fracassos, não havia como ele se importar menos com os arredores.
Um professor mal-encarado de bigode fino começou a chamar os alunos para fora do ginásio, batendo palmas apressadamente. Ele não encontrou dificuldade, já que ninguém queria continuar ali. Ao menos, não exposto a todos.
Quando saiu, Moacir reconheceu vários rostos dos membros da operação paraíso, alguns sorrindo animados, outros se encolhendo apreensivos, mas todos disfarçadamente saindo da multidão. A operação estava entrando na fase ativa.
Moacir também desviou do caminho, indo de cabeça baixa para enfermaria. Anna, que seguia para o seu exame físico com as mãos juntas, a distorcida maneira que a alma do amigo fluía ao se afastar. Presa em meio às colegas, ela resignou-se a seguir em frente.