O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 9: O dever de um cavaleiro

Ao fim da batalha unilateral entre Kacio e os Ogros, Tércio e Eliza se dirigiram de volta para a carruagem e quando entraram no veículo, encontraram Kay deitado em um dos assentos almofadados.

― Como foi a luta? ― perguntou o mordomo.

― O que você acha? ― retrucou Eliza com um ar presunçoso.

― Uma vitória fácil ― respondeu Kay, parecendo um pouco desapontado.

Por certo uma vitória fácil. Não seria exagero dizer que Kacio esmagou seus oponentes.

Mesmo agora, Tércio revivia as lembranças em sua mente: movimentos tão rápidos que mal conseguia acompanhar, alta maestria com espada, Artes Marciais e uma força monstruosa. Alguém verdadeiramente digno de ser chamado de cavaleiro...

Foi enquanto relembrava os acontecimentos que algo lhe ocorreu.

― O que é este cavaleiro de palavras que o outro lá falou? ― Tércio sabia muito bem o que era um cavaleiro, afinal foi preso por eles, mas nunca tinha ouvido falar nessa outra categoria.

Eliza foi pega de surpresa pela pergunta. O garoto aparentava estar sempre tão distante, fechado em seu próprio mundo, que se voluntariar a dar início a uma conversa parecia algo pouco provável. Além do mais, toda vez que ela tentava lançar um sorriso amigável era retribuída com um olhar severo e áspero.

― No reino de Aurora, quando se fala em poder militar, há os magos e os cavaleiros. A diferença entre os dois é que esse último usa Artes Marciais para lutar. Entre eles há três classes, que são: Cavaleiros Baixos; Cavaleiros Reais e Cavaleiros de Palavras Encantadas. Então, os...

Ei, ele perguntou a mim e não a você! ― bufou Eliza com insatisfação, pois quem começou a introdução foi Kay.

Ela queria muito aprofundar seus laços com Tércio e achou que esta seria uma boa chance de iniciar um diálogo longo e assim, talvez, tornar-se mais íntima do jovem. Mas o serviçal, intrometido como era, acabou roubando a cena e tomando sua oportunidade, deixando a ela a tarefa desagradável de elevar a voz, quando esta deveria ser uma conversa amigável.

Porém, ela ainda tinha a chance de explicar a parte principal. Assim sendo, pigarreou algumas vezes, recobrando a compostura, e, assumindo um semblante agradável, começou a falar:

― Então, na hierarquia, os Cavaleiros Baixos são os mais fracos e os Cavaleiros de Palavras Encantadas os mais fortes, embora essa designação nem sempre reflita o verdadeiro poder desses indivíduos. Todavia, eles são considerados os combatentes mais poderosos do reino, pois para uma pessoa receber tal classe é necessário ser um especialista tanto em Artes Marciais quanto em Encantamentos Mágicos ― informou a duquesa. ― Não apenas saber usar ambas, mas sim, ser um verdadeiro especialista nas duas categorias.

Hm! Aquele cocheiro é poderoso mesmo, hein... ― murmurou Tércio, pensativo.

― Obviamente. ― confirmou Eliza, assentindo com a cabeça. ― Os Cavaleiros de Palavras Encantadas são uma classe escassa e de extrema importância para o reino. Desde o fechamento das fronteiras e o banimento dos Exploradores do Desconhecido, eles se tornaram nossa principal força de combate e proteção.

Tércio tinha se impressionado durante a batalha contra os Ogros, mas ao que tudo indicava, aquela era apenas uma fração do verdadeiro poder de Kacio.

Cavaleiro de Palavras Encantadas... Encantamentos Mágicos...

Ele estava refletindo sobre isso quando outro ponto importante lhe chamou a atenção.

― Se ele pode usar Encantamentos Mágicos, então aquele cara é um nobre? De que família? ― questionou, com curiosidade.

― Não, ele não é um nobre ― disse Eliza, balançando a cabeça. ― Algumas vezes, quando um Cavaleiro Real de sangue plebeu se destaca, tornando-se um mestre em uma das classes das Artes Marciais e adquirindo títulos e proezas em batalhas importantes, o rei concede a ele o direito de aprender Encantamentos Mágicos, sob a vigilância da coroa. Kacio é uma dessas pessoas.

He! Então o cara é forte mesmo, hein!? ― exasperou Tércio, impressionado.

Se até mesmo o rei tinha concedido a ele um título especial, neste caso, a verdadeira força de Kacio poderia estar muito além do pressuposto.

Não um usuário qualquer, mas um especialista em Artes Marciais e Encantamentos Mágicos... O quão assustador seria isso?

Tércio conhecia muito pouco de Artes Marciais e sabia menos ainda sobre Encantamentos Mágicos. Porém, no passado, já havia lutado contra pessoas que sabiam usar essas duas habilidades ― não ao mesmo tempo e nem tão hábil ―, por isso, ele tinha uma breve noção da imensidão do poder escondido por um Cavaleiro de Palavras Encantadas.

― Mas é claro! Afinal ele foi um cavaleiro escolhido por mim! ― gabou-se Eliza, com um sorriso convencido e o nariz empinado.

Sempre que ela falava de Kacio, parecia se encher de orgulho. Não havia dúvidas de que tinha total confiança em seu cavaleiro pessoal.

E isso era algo que até mesmo Tércio percebeu à medida que a jornada seguia...

 

***

 

A viagem continuou por longas horas, levando o grupo por estradas esburacadas e trilhas sinuosas.

Conforme o tempo passava e a paisagem mudava, aos poucos o bosque foi perdendo volume e quanto mais eles se aproximavam do povoado, menos vegetação podia ser vista das estreitas janelas. A estrada seguia plana em algumas partes, em outras era afetada por pequenas elevações. Nas laterais, ladeando o caminho de terra, o que outrora parecia ter sido um pasto vasto, agora se encontrava tomado por gramíneos volumosos, crescendo desenfreados, e cupinzeiros, alguns com metros de altura, espalhados ao longo do campo.

Delineando as margens do bosque, via-se o que aparentavam ser estacas fincadas na terra, demarcando pequenos propriedades, mas que agora estavam vazias e as cercas tombadas, com as madeiras avariadas pelo descuido prolongado e o constante ataque das pragas devoradas.

O grupo continuou seguindo, sem pausas para lanches, hora do almoço ou qualquer outra coisa desnecessária. E não foi muito tempo depois de alcançarem os primeiros indícios de civilização que eles enfim alcançaram o destino almejado.

Um brilho alaranjado cortava o horizonte quando Tércio e os outros avistaram um amontoado de casas no fim da estrada. E a confirmação do que podia ser previsto veio através de um berro:

― Chegamos à Vila Cinzenta! ― proclamou Kacio enquanto guiava os cavalos pelas casas feitas de madeira e outros materiais rudimentares.

Quando a carruagem parou, eles se viram em frente ao que parecia ser um dos únicos estabelecimentos abertos em toda a vila. Tratava-se de um prédio simples em cuja fachada suja e danificada não passava um sentimento muito bom de confiança, mas que devido aos seus quatro andares de altura ainda possuía certa imponência. O edifício ocupava todo um espaço na rua, indo quase de uma esquina a outra. Contudo, nada disso tirava o ar deprimente e melancólico que rodeava o local.

Hospedagem do Descanso Tranquilo”; indicava uma placa que estava pregada acima do portal de entrada, tombada, quase caindo.

Após deixar os três descerem, Kacio logo partiu a procura de um estábulo para deixar os cavalos. Enquanto Eliza, ansiosa para encontrar um local no qual pudesse passar uma noite confortável, adentrou no estabelecimento à procura da recepção, sendo seguida de perto pelos outros dois. E foi no interior da hospedaria que Tércio foi pego em uma situação desconfortável.

O lado de dentro do edifício era monumental, ou ao menos deveria ter sido em seus dias agitados. Apesar do amplo salão que compunha a entrada a qual era ligado a um restaurante abandonado localizado nos fundos, o lugar estava escuro, tendo apenas alguns castiçais com vela ao invés de Claritas para fornecer uma nesga de luz.

Entretanto, apesar da iluminação precária, todos os cinco funcionários que se encontravam reunidos em um círculo trocando familiaridades, pararam de conversar no mesmo instante e se viraram para encarar, com espanto, o garoto.

De início, quando foi confrontado pelos olhares estranhos, Tércio pensou que aquelas pessoas haviam o reconhecido como um assassino, afinal, na época, ele se tornou um assunto muito comentado em tabernas e cantos escuros.

Entretanto, para sua decepção, o motivo para a apreensão daquelas pessoas era outro.

― Suas roupas realmente se destacam ― comentou Kay em um tom brincalhão.

Tércio correu os olhos para os frangalhos que estava vestindo.

Ah, esse povo tá olhando é isso.... ― murmurou, compreendendo a situação.

Ele estava tão habituado a andar com aqueles trapos, sempre tão sujos e maltratados, que havia se esquecido do sangue seco manchando o tecido e dos rasgos, aqui e ali, expondo sua pele coberta por cicatrizes, algumas profundas, outras singulares. Nem mesmo o próprio cheiro o incomodava mais.

Para Tércio, andar daquela maneira já tinha se tornado algo comum, mas não era de se admirar que as pessoas em volta estivessem assustadas. Afinal, não é todo dia que se vê um garoto de quatorze anos vestindo uma roupa macabra, coberta de vermelho e cheirando a cemitério.

Pessoas normais ficariam envergonhadas nesse tipo de situação, mas ele... bem, não se incomodou nem um pouco. Pelo contrário, retribuiu os olhares apavorados com uma expressão fechada e intimidadora, do tipo capaz de mandar um homem calar a boca sem precisar dizer uma única palavra. E a artimanha teve efeito, pois todos os cinco desviaram o olhar e passaram a fingir que não tinham visto nada.

― Eu vou reservar os quartos ― avisou Eliza, avançando em direção ao grupo de funcionários.

Após se registrarem e Kacio retornar, todos subiram para o segundo andar, que era onde seus quartos ficavam. Eliza conseguiu dois, um para ela e outro para os homens ― ao que parece, apesar do tamanho gigante da hospedaria, a maioria dos aposentos não estava em condições de uso e os outros eram usados pelos próprios empregados.

Antes de seguir cada um para o seu canto, a pedido da duquesa, eles se juntaram no aposento em que os garotos passariam a noite para discutir as ações que tomariam no dia seguinte. Seria uma breve, mas importante reunião e como estavam todos cansados, o assunto seria objetivo, livre de maiores enrolações.

A alcova destinada ao descanso dos rapazes era muito simples, embora espaçosa. Dentro, havia quatro pequenas camas enfileiradas próximas a uma parede no fundo e no centro ficava uma pequena mesinha de madeira redonda, contendo seis assentos dispostos ao redor dela.

Seguindo o exemplo da duquesa, Tércio escolheu uma cadeira para se sentar e se juntar aos demais na conversa, que logo teve início.

― Eu estava pensando em partir amanhã de manhã. Quero voltar para a academia antes que as aulas comecem. ― Eliza foi direto ao ponto.

― Eu entendo que tenha pressa em retornar, mas não temos suprimentos o suficiente ― lembrou-se Kacio. ― Já foi arriscado viajar até aqui sem as devidas provisões.

― Eu sei disso, mas não posso prolongar minha ausência. Há muitas coisas que precisam ser preparadas antes do início das aulas ― Insistiu Eliza. ― Se voltarmos pelo mesmo caminho...

― Compreendo que as Equipes de Escolta não podem partir enquanto não retornarmos, mas estamos sem água e comida o suficientes para a jornada. Será um longo caminho de volta e agora que temos mais uma pessoa, precisamos de mais suprimentos.

Eliza ponderou por um momento... e por fim, falou:

― Você tem razão... Mas não podemos permanecer aqui por muito tempo. O que acham de reabastecer pela manhã e partirmos à tarde? ― sugeriu. Confiava na opinião de Kacio, por isso perguntou antes de tomar qualquer decisão.

― Isso parece bom para mim, mas e quanto a rota que usaremos? ― indagou o cavaleiro.

Hm... Pela capital é mais seguro, porém leva mais tempo... ― avaliou ela, indecisa quanto ao caminho que deveriam escolher.

― Vai demorar quanto tempo pra gente chegar na escola? ― perguntou Tércio, curioso. Ele nunca esteve na Floresta Meia Lua e a Academia de Encantamentos Mágicos ficava no centro dela.

― Isso depende ― ponderou Kay, entrando no meio da conversa. ― Se formos pela capital, levará de duas a três semanas, e isso se formos correndo, sem parar para dormir ou comer. Do contrário, serão seis semanas no mínimo.

― Tanto tempo assim? ― exclamou, parecendo surpreso.

― Como nós estamos no território do Duque Bronz, para chegar em Selene é necessário passar pela cidade das Bigas de Bronze. E, partindo daqui até lá, levaria um pouco mais do que uma semana ― explicou Eliza, com toda a calma e simpatia que gostava de demonstrar ao se dirigir à Tércio. ― E depois disso, ainda haveria um longo caminho pela frente.

― E o outro caminho? ― perguntou o esfarrapado.

― O outro é a Trilha dos Loucos, que passa dentro da Floresta Meia Lua. Se formos por lá, chegaremos na academia dentro de uma semana ― respondeu Kacio. ― O problema é...

Ah, não vá me dizer que tá com medinho dos monstros. ― Tércio o interrompeu e com uma voz provocativa zombou. Não podia acreditar que um homem tão forte estava receoso de encontrar algumas criaturinhas quase inofensivas.

― Não, não, o problema não são os monstros... Bem, eles são assustadores, mas... ― Kay mais uma vez abriu a boca para falar. E com um sorriso sinistro, prosseguiu: ― O verdadeiro problema são os bandidos. Dizem que o Canibal, um dos saqueadores mais temidos do reino, vive por lá.

― Canibal... ― murmurou Tércio. Esse nome não lhe era estranho.

Kay continuou a falar, exprimindo um sorriso travesso, como se estivesse tentando assustar uma criança contando uma história de terror:

― O Canibal é famoso por sequestrar garotinhos e devorar suas carnes. Segundos os boatos, a parte preferida dele são as coxas: macias, gordurosas e bastante suculentas ― engrossou a voz conforme narrava o abominável comportamento do bandido. ― Além dele, também há a mulher mais perversa de todas, a Dama de Rosa. Assim como o homem mais procurado do reino, o Bandido das Aparições. ― Com uma expressão macabra, Kay completou sua narrativa, tentando assustar Tércio à medida que se aproximava do garoto, entoando as palavras de uma maneira dramática: ― Dizem que todos esses ladrões famosos se espreitam pela Floresta da Meia Lua, esperando pela próxima vítima.

― Qual é o teu problema, cara?

Mas ao contrário das expectativas do mordomo, Tércio não se impressionou em nada. Afinal passou boa parte de sua vida cercado por prisioneiros, criminosos hediondos e imorais. Viveu por anos numa prisão habitada por homens e mulheres perigosas, assassinos natos e ladrões astutos. Um bando de bandidinhos escondidos no meio do mato não servia nem mesmo para perturbar seu sono.

― Você não é nada divertido, sabia? ― resmungou Kay, desapontado.

Eliza esboçou um sorriso leve e falou:

― Pode não parecer grande coisa, mas o Kay está certo. Passar por aquele lugar é muito perigoso. Esses bandidos andam em bandos e são bem poderosos, em destaque a Dama de Rosa. Ela é uma Ex-Cavaleira Real, perita em Artes Marciais ― disse para o garoto valente. ― Mas como já estamos atrasados, não vejo alternativa, a não ser passar pela Trilha dos Loucos.

― Sendo assim, me prepararei da maneira mais adequada possível ― proferiu Kay, subitamente mudando a postura relaxada e assumindo um semblante sério.

― E eu ajudarei Kacio a encontrar os suprimentos necessários e aproveitarei para avisar aos aldeões sobre os Ogros que matamos ― disse Eliza.

― Bem, nesse caso, porque eu e o Tércio não vamos comprar roupas novas? ― sugeriu o mordomo, que deixou escapar um semblante travesso, quase imperceptível. ― O pobrezinho precisa trocar de roupas ― argumentou, como se sentisse pena do garoto.

― Essa é uma ótima ideia! ― exclamou Eliza, radiante com a sugestão. ― Deixarei isso com você. ― Ela abriu um sorriso tão empolgado e genuinamente feliz, que por um momento pareceu que seria ela a ganhar um novo vestuário.

Diferente da duquesa, a qual entrou em um estado animado, Tércio teve um mau pressentimento. Ficar sozinho com esse mordomo duvidoso parecia mais um presságio de problemas do que qualquer outra coisa.

Ele até cogitou recusar a proposta, mas... “Roupas novas!” pensou, olhando para os trapos cobrindo seu corpo.

Já fazia tanto tempo que não sabia como era a sensação de trajar uma vestimenta nova, que, sem perceber, acabou fantasiando nele próprio trajando uma camisa sem cheiro de sangue e suor ou colocando uma calça inteira, cujas pernas não possuíam tamanhos diferentes ou buracos na bunda.

Mas havia um problema nessa fantasia...

sem dinheiro ― murmurou Tércio, desiludido.

― Não se preocupe com isso. Eu pago! ― Eliza de imediato se prontificou. O jovem ex-prisioneiro não ter dinheiro não era nenhuma surpresa. Na verdade, era até bom ele não ter, já que assim ela poderia usar essa oportunidade para se aproximar ainda mais dele. Afinal, quem não gosta de presentes?

― Você vai apenas comprar pra mim? Assim, do nada? ― Tércio parecia relutante. Não queria ficar aceitando muitos favores, pois isso poderia ser usado contra ele em algum tipo de chantagem.

― Não se preocupe com coisas triviais. Encare isso como meu presente de boas-vindas à Academia de Encantamentos Mágicos ― disse Eliza, recusando-se a aceitar um “não” como resposta.

Oh, então você aceitou a oferta de trabalho da Srta. Eliza? Nesse caso, eu também tenho que lhe dar um presente! ― Kay lançou um sorriso estranho para o jovem, como se estivesse forçando o rosto a parecer alegre.

E isso fez Tércio sentir um calafrio percorrer sua espinha e ouriçar os pelos do corpo. Seu mau pressentimento em relação ao mordomo só aumentava. Qual era o problema desse cara? A cada momento agia de uma maneira.

Por algum motivo, a despeito da expressão forçada, Kay pareceu ficar, de alguma forma estranha e repulsiva, bastante animado ao receber a notícia de que ele entraria para a academia e seu sorriso malicioso, que mais uma vez se deformou e se transformou, mostrou isso. Era como se algo profanamente divertido estivesse para acontecer.

Em contrapartida, Kacio olhou para o ex-prisioneiro de lado, com uma expressão séria no rosto a qual passou despercebida por todos. Na verdade, essa não era a primeira vez que o cavaleiro lançava olhares de esguelha para o jovem. Sob os olhos da duquesa, o fiel companheiro mantinha sua postura e cordialidade pontual, mas quando não havia ninguém prestando atenção, parecia deixar escapar seus verdadeiros sentimentos.

Seja como for, a duquesa ficou bastante feliz em discutir pelos instantes seguintes quais roupas seriam compradas para Tércio. O grupo passou algum tempo discutindo essa e outras coisas triviais, até que Eliza enfim demonstrou os primeiros sinais de sonolência e decidiu se retirar, deixando os três sozinhos.

Após ela sair, Tércio foi até a fileira de camas e se deitou na que ficava mais afastada da porta e bem ao lado de uma janela.

Já fazia anos que não se deitava em um colchão de verdade e a sensação de relaxar sobre um, depois de todo esse tempo, foi tão boa que, mesmo o colchão não sendo um dos mais confortáveis e tendo cheiro de mofo e bunda de velho, logo ao se deitar sentiu o sono se aproximar em forma de uma preguiça relaxante, do tipo que se sente à tarde, ao se recostar sob a sombra de uma árvore.

Em contrapartida, Kay e Kacio permaneceram sentados à mesa, cada um perdido no próprio silêncio.

― Tércio, você sabe preparar chá? ― perguntou o mordomo, depois de alguns minutos.

― Não ― respondeu, com sinceridade.

― Entendo... ― soltou um suspiro que mostrava todo o seu desapontamento. Logo depois, ele se levantou e murmurou: ― Sendo assim, terei de preparar eu mesmo.

Tércio inclinou a cabeça e olhou para as costas do estranho sujeito caminhando em direção a porta. Nesse momento, não pôde deixar de ficar um pouco irritado quando pensou que aquele mordomo maldito queria ser servido por ele.

Após o folgado deixar o quarto, o garoto que tanto ansiava em ter uma boa noite de sono voltou a escorar a cabeça sobre um travesseiro fino e fixou o olhar no teto do aposento. Embora a expressão em seu rosto parecesse contemplativa, como se estivesse observando as aranhas no lugar das estrelas, a verdade era que não havia nada se passando em sua mente; estava apenas relaxando.

No entanto, Kacio mirava Tércio deitado com as mãos apoiando a cabeça e as pernas abertas numa postura relaxada. Notava-se pela testa franzida e os olhos severos que algo não parava de martelar em seus pensamentos.

Foi somente depois de uma profunda contemplação, quando chegou a uma conclusão ― tomando proveito do fato de estarem sozinhos pela primeira vez ―, o Cavaleiro de Palavras Encantadas ergueu-se de seu assento, pegou a espada vermelho-sangue, que estava escorada em um canto da mesa, e caminhou em direção ao jovem, com uma expressão resoluta.

Ele parou em frente à cama e fechou o cenho, exprimindo um semblante rígido enquanto esperava uma reação vinda da outra parte.

Sentindo os olhos afiados do imponente sujeito, Tércio ergueu a cabeça e o encarou de volta, sem recuar sequer uma respiração.

― Eu não disse nada antes, pois não queria aborrecer a Srta. Eliza, mas Kay me contou que você era um dos prisioneiros do Coliseu ― começou Kacio, com aspereza. Via-se pelo seu tom de voz que esta não seria uma conversa amigável.

Mantendo um calma impecável, Tércio se levantou da cama e ficou de frente para o homem cuja estatura superava em muito a sua.

― Precisou disso tudo para perceber, ô gênio? ― zombou em um tom desafiador.

― As pessoas que vão parar naquele lugar são todas criminosas, assassinas em sua maioria. E como o cavaleiro da Srta. Eliza, não posso permitir que tais indivíduos inescrupulosos se aproximem dela e coloque sua vida em risco. É por isso que você irá confessar quais foram os seus crimes! ― ameaçou Kacio, apertando a empunhadura de sua espada numa forma de passar uma mensagem clara.

― E se eu me recusar? ― Tércio cerrou os punhos. Ele podia sentir o perigo se aproximando, mas não recuaria.

Kacio aos poucos desembainhou sua espada e proclamou em um tom decidido:

― Neste caso... Que a Srta. Eliza me perdoe! Mas colocarei um fim em você aqui e agora, antes que se torne uma ameaça para ela.

O cavaleiro ergueu sua espada de sangue...

― Vem pra cima, Tomate Estragado!

Chamas violentas e tempestuosas crepitaram nas mãos do ex-prisioneiro...

 


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