O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 55: Piedosa

Néfi possuía uma expressão pavorosa. Seu rosto se contorcia de raiva, revelando rugas e imperfeições que marcavam sua pele. Para ele não podia haver humilhação maior do que essa que estava passando. Ser forçado a tal ponto, por um moleque de quatorze anos, era algo vergonhoso para um homem do seu calibre.

Ao longo de sua vida, quantas pessoas não pereceram sob suas mãos? Homens, mulheres e crianças, nada disso fazia diferença. E entre aqueles que matou, a maioria era mais assustador e maior do que aquele pivete. E apesar de todas as batalhas que vivenciou, poucos foram capazes de lhe causar calafrios. Mas Tércio, com aquele ataque de bater palmas, fez seu coração bater por um instante.

Aquilo foi medo? Ele de fato teve medo de uma criança?

Isso, Néfi não sabia, ou melhor, se recusar a descobrir. Mas pensar que um pivete fez seu coração palpitar daquela forma estranha, despertou sentimentos abomináveis no fundo de sua alma. Afinal, era vergonhoso para um homem sentir medo de uma criança, não era?

Com o sangue fervendo e a ira crescendo, o agressor esquelético segurou firme sua espada e rangeu os dentes.

Tércio sentiu um calafrio percorrer seu corpo quando viu o olhar sanguinário do inimigo o mirando com a perversidade de um predador sorrateiro se preparando para dar o bote em sua presa.

Néfi assumiu uma postura de batalha que criava certa distância entre ele e seu oponente usando o corpo da espada fina. Em seus pensamentos, uma decisão foi tomada: não mais se seguraria. A partir de agora, tentaria a todo custo aumentar o número de vítimas que sua arma tinha causado.

No entanto, a resposta para a postura hostil do atacante foi imediata.

Percebendo que estava prestes a ser atacado, Tércio prontamente invocou suas chamas e sem qualquer hesitação, as lançou.

Contudo, mais uma vez elas foram bloqueadas, sendo atiradas para o alto com um golpe de espada.

E apesar de ser frustrante ver seu ataque sendo defendido com tanta facilidade, dessa vez, o rapaz que tinha recebido confiança do duque para proteger sua neta não se surpreendeu. Ao invés disso, ele se preparou para lançar o próximo ataque. Mas antes que o fizesse, Néfi esticou seu comprido braço e lançou a espada fina contra sua cabeça.

O golpe foi tão rápido que uma rajada de vento passou por onde o aço cortou. Por pouco Tércio conseguiu evitar ser degolado, mas alguns fios de seu cabelo não tiveram a mesma sorte.

Naquele instante, percebeu que o risco tinha aumentado e sentiu a necessidade de recuar. Assim sendo, ele saltou para trás e se afastou a passos largos, tentando abrir distância. Mas Néfi o perseguiu e atacou sem qualquer traço de piedade. E, mais uma vez, sua impressionante habilidade o salvou de receber um ferimento grave. Porém, aquela traiçoeira espada fina balançou como um graveto verde e atingiu seu braço esquerdo.

Sabendo que não podia se distrair, Tércio não deu importância para o corte ― e para ser franco, tudo o que sentiu foi uma leve queimação. Ao invés de se preocupar com o arranhão, ele controlou suas chamas e contra-atacou.

Mas, sem nenhuma surpresa, elas foram varridas para longe.

E como se já não bastasse ter se defendido com sucesso, Néfi lançou outro golpe sorrateiro que, de novo, abriu um corte superficial na pele de seu inimigo.

Néfi e Tércio continuaram batalhando ferozmente. Nenhum dos dois estava disposto a ser subjugado. Até porque, se um deles se rendesse, acabariam mortos.

No entanto, aos poucos, a luta, que parecia estar equilibrada, começou a mudar.

No começo, o ex-prisioneiro de quatorze anos era muito rápido para ser atingido por um golpe direto. Mas a espada fina se comportava de maneira peculiar. Às vezes, quando parecia que havia conseguido escapar com sucesso, de repente a lâmina tremia e um novo corte aparecia. As feridas eram pequenas e superficiais. Não ofereciam grande risco. Contudo, após cinco, sete, quinze incisões, o corpo do jovem foi envolvido pelo próprio sangue à medida que uma dor crescente se espalhava.

Néfi continuou se defendendo do fogo enquanto causava pequenos talhos no adversário. E em poucos segundos, as costas, o peito, os braços, todo o corpo de Tércio estava coberto por pequenos cortes e uma camada evidente de sangue. Podia parecer um jeito injusto de se lutar, lançando ataques sorrateiros e evitando a confrontação direta. Mas para Néfi, não havia nada mais prazeroso.

Pelo menos, era isso que o sorriso distorcido em seu rosto dizia.

Ser capaz de ver o garoto que lhe causara tamanha frustração sendo fatiado lentamente, sem sombra de dúvida, era uma das melhores sensações. E ficaria ainda melhor quando ele começasse a implorar pela vida.

Porém, mesmo que seu corpo estivesse coberto por ferimentos e a dor se tornasse insuportável, Tércio ainda assim não se renderia.

Para um garoto normal seria impossível continuar lutando em tal estado, mesmo alguns adultos já teriam se rendido. Mas Tércio não era um garoto normal. Essa não foi a primeira vez que seu corpo ficou coberto com o próprio sangue ou a primeira vez que foi espancado. Essa era uma dor que já estava acostumado. Por isso, rendição sequer fazia parte de seus pensamentos no momento.

No entanto, Tércio não era o único em uma batalha difícil. Ali perto, Arthur se esforçava para não ser morto pelo Canibal.

Se continuava vivo era porque Katrina não estava interferindo em sua batalha. A única coisa que a mulher fez foi impedir que ele se juntasse a Tércio. Mas além disso, ela ficou de longe, apenas assistindo. Ao que tudo indicava, a Dama de Rosa leva muito a sério sua política de não machucar crianças.

Contudo, mesmo sem nenhuma interferência, Arthur estava tendo grandes dificuldades. No começo, pensou que poderia vencer usando sua agilidade, pois esse era o seu forte ― e parecia ser o fraco do inimigo. Mas para a sua surpresa, O Canibal, apesar de grande, era um homem ágil que contava com uma força assustadora.

Demonstrando maestria, Arthur girou suas duas facas, que pareciam pequenas luas minguantes. E com o corpo abaixado, de forma que as lâminas quase tocavam o chão, correu em direção ao Canibal.

Em resposta, o sujeito conhecido por seus hábitos condenáveis lançou seu machado em um corte horizontal com a intenção de partir o oponente ao meio. Mas o líder de esquadrão, demonstrando um controle espantoso sobre o próprio corpo, girou em um movimento parafuso e, por centímetros, desviou.

Aproveitando o embalo do rodopio, Arthur balançou suas facas e tentou arrancar a cabeça do inimigo odioso.

Mas esse líder de bandidos era um homem astuto! Antes que o ataque fosse completado, usando sua mão esquerda, a que estava livre, O Canibal deu um soco nas costelas do garoto que ainda não tinha se firmado no chão e o fez voar por alguns metros.

Arthur exibiu uma careta quando foi lançado para longe. Era certo que, se não tivesse se deixado ser arremessado, acabaria com alguns ossos quebrados. Mesmo assim, apesar de não ter tentado resistir, apenas bloquear parte do impacto, um calafrio, que misturava medo e agonia, atravessou seu corpo.

Quando foi atingido, o rapaz usando bermuda rolou algumas vezes, antes de cair de peito no chão. Quando tentou se levantar, sentiu uma dor aguda percorrer o lado direito de seu corpo. Enquanto ainda estava ajoelhado, apoiou a parte atingida e apertou os dentes, ao mesmo tempo em que seu rosto ficava pálido e seus lábios tremiam. Mesmo que seus ossos não estivessem partidos, a dor que sentia era intensa.

Porém, a despeito da dor excruciante, ele não poderia ficar ali parado. Dessa forma, se preparou para levantar. Mas no momento em que ergueu a cabeça, O Canibal já estava em sua frente, com o machado pronto para atacar.

Com um sentimento de urgência, Arthur girou para o lado e, no instante seguinte, a arma colossal atingiu o chão, criando pequenas rachaduras.

Após se esquivar com sucesso, ele logo tentou se levantar. Mas quando estava prestes a se erguer, seu peito foi atingido pela ponta do pé do sujeito robusto que o enviou rolando pela estrada empoeirada.

E naquele momento, quando o garoto foi chutado para longe, Katrina, que até então estava com uma postura despreocupada, segurou firme sua lança e estreitou os olhos. Porém, no final, não se moveu. Ela não atacou o rapaz de cabelo acobreado e nem se aproveitou da chance que teve para invadir a carruagem dourada.

Quando parou de rolar, Arthur, entendendo que não podia ficar caído, ergueu-se em um sobressalto, apesar de estar um tanto desnorteado. Ele tossiu algumas vezes e soluçou alto, tentando recuperar o fôlego. O impacto tinha arrancado o ar de seus pulmões, algo que ficou evidente devido ao seu rosto vermelho e os olhos esbugalhados.

― Você é muito bom em fugir, goblinzinho! ― debochou o troglodita, expondo um sorriso sórdido e ao mesmo tempo divertido.

Mas o jovem que já estava em seu terceiro ano na academia não respondeu. Ao invés disso, com as facas em mãos, correu em direção ao Canibal que balançou seu machado de maneira violenta.

A investida do bandido foi tão impetuosa que o machado soltou um uivo agourento à medida que rasgava o espaço vazio, almejando o alvo à frente.

Por um instante, a impressão que se teve era a de que Arthur não conseguiria desviar do ataque, pois estava mais lento e ainda não tinha se recuperado por completo do golpe que recebeu. Mas então, ele jogou uma de suas pernas para o alto, como se estivesse chutando o ar, e no último segundo pulou por cima do machado, usando um movimento semelhante a uma cambalhota lateral. E assim que pousou no chão, não perdeu tempo e cortou em direção a cabeça gigante daquele homem de grandes proporções.

Sangue esguichou do pescoço do Canibal que tentou cobrir o corte com uma das mãos enquanto dava alguns passos para trás. E em um ato de medo e surpresa, girou o machado desajeitadamente, mas que foi o suficiente para espantar seu carrasco.

O famoso bandido apalpou o pescoço e, mesmo o sangue não parando de sair, soltou um suspiro de alívio quando percebeu que o corte não era tão profundo a ponto de ter atingido uma veia. Ainda assim, sua expressão ficou branca ao passo que sua mão era coberta de vermelho.

Katrina soltou um assovio baixo e balançou a cabeça em admiração e aprovação. O jovem estava superando suas expectativas ao se provar muito capaz em usar Artes Marciais.

Após ter certeza que o ferimento não era tão grave, o rosto asqueroso do Canibal se contorceu em uma expressão aterradora. Ele mostrou seus dentes amarelados, feito um cão raivoso rosnando, e então ladrou com uma voz áspera:

― Eu vou arrancar sua carne!

Ouvir tais palavras, que pareciam terem sido ditas por uma fera selvagem, fez os pelos de Arthur arrepiar. Por um segundo, ele se arrependeu de ter ferido aquela besta assustadora e provocado sua ira, que ganhava novas proporções devido ao seu corpo imponente.

Contudo, não havia motivos para se desculpar. Assim sendo, ele segurou suas duas facas com força e lançou o próximo movimento.

Seu ataque foi direto. Não houve evasivas ou tentativas de ludibriar o inimigo. Agora era ganhar ou morrer. E com esse pensamento em mente, Arthur juntou suas facas e como se estivesse balançando um bastão, cortou o mais forte que conseguia.

No entanto, apesar do golpe furioso, o hediondo criminoso não pareceu muito preocupado. Como se estivesse tudo sob controle, ele ergueu o machado em frente ao peito e, sem nenhuma dificuldade, bloqueou as lâminas que almejavam sua vida.

Um barulho alto de metal se chocando foi ouvido e fagulhas brilhantes foram criadas, denunciando um choque violento.

Arthur sentiu um torpor percorrer seus braços e foi obrigado a recuar alguns passos. O Canibal, por outro lado, continuou imóvel, igual a uma rocha sólida e imperturbável. Em seguida, lançou um feroz ataque.

A lateral do machado gigante, que cortava dos dois lados, atingiu em cheio o corpo do jovem membro da Equipe de Subjugação, fazendo-o cuspir o ar que tinha nos pulmões, enquanto voava sem qualquer controle. Mesmo as suas facas, as quais ele segurou firme até então, foram arremessadas para longe.

Arthur era como um pequeno e frágil graveto em frente a uma tempestade impetuosa. Seu corpo voava a cada golpe recebido, como se não tivesse vontade própria. E as lesões acumuladas eram pesadas demais para alguém da sua idade suportar. Ele já estava chegando ao limite.

O Canibal olhou para o garoto caído e exibiu um sorriso perverso. Com o machado balançando em uma das mãos, o monstro horrendo vagarosamente caminhou em direção ao pobre indefeso. Seu olhar estava sedento por sangue. Quase era possível ouvir o revirar da saliva dentro de sua boca pútrida enquanto lambia os lábios estufados.

Arthur sentiu o estômago gelar. Perguntava-se se aquilo era mesmo humano. Tentou ficar de pé, mas um estalo, seguido por uma dor aguda, o impediu. Contudo, agora não era hora de se importar com a dor. Caso continuasse deitado, acabaria morto. Assim sendo, ele se esforçou para levantar, ignorando qualquer sofrimento que isso pudesse trazer.

No entanto, quando estava conseguindo algum resultado, uma mão gorda e áspera agarrou seu calcanhar. Usando o pé livre, Arthur buscou desesperadamente se livrar do aperto que lhe prendia. Mas seus chutes eram fracos demais. Tudo o que fazia era causar um leve incômodo no desumano o prendendo.

Usando sua força monstruosa, O Canibal ergueu o garoto pelos pés enquanto gargalhava em euforia pelo prazer que sentia. Ele olhou o menino de cima para baixo, como se o jovem fosse um pedaço de carne. E então, sem fazer cerimônia, abriu sua mandíbula e avançou contra a parte da coxa que parecia mais macia.

― Me larga! ― gritou Arthur, debatendo-se e tentando se livrar do aperto o prendendo.

No passado, muitas vezes ouviu falar sobre o quão assustador era esse bandido que recebeu a alcunha de “O Canibal”. Dizia-se que ele devorava suas vítimas enquanto ainda estavam vivas, pois gostava de ouvi-las gritar à medida que eram rasgadas, pedaço por pedaço.

Desde que esse nome aterrorizante se espalhou pelo reino, passou a ser usado por mães que tentavam assustar os filhos bagunceiros. Elas diziam coisas como: “se você sair escondido de noite, O Canibal vai te pegar e te levar para a caverna”; e: “não seja desobediente ou eu vou chamar O Canibal para você”. Até mesmo contos de terror foram criados em torno desse nome assustador.

As histórias que cercavam o ser conhecido como o “O Canibal”, foram espalhadas pelo reino de tal forma que, em certo ponto, muitos passaram a pensar que eram meros contos, sem nenhuma verdade. Apenas lendas urbanas.

Mas hoje, Arthur estava prestes a vivenciar esse horror. Ali, pendurado de cabeça para baixo, lutando sem nenhuma esperança de se libertar, percebeu que será devorado vivo e não há nada que possa fazer.

Ele já podia sentir o bafo quente soprando em sua pele. Os dentes amarelados se aproximando aos poucos de sua perna. E o fedor podre da carniça exalando do fundo da garganta da criatura perversa. A qualquer instante uma parte de sua coxa seria devorada e não importava o quanto se debatesse ou tentasse se soltar, ele era simplesmente fraco demais... Se ao menos tivesse uma de suas facas.

Quando percebeu que não havia escapatória, Arthur fechou os olhos e se preparou para o pior. Mas então...

“Pof!”

Ele caiu de costas no chão!

E logo após, um barulho alto, de algo sendo arremessado, ecoou, seguido por um leve tremor.

Quando abriu os olhos, O Canibal estava caído no chão, com os braços estirados. E parado ao seu lado, encontrava-se a Dama de Rosa.

 Arthur olhou confuso para Katrina. Não fazia ideia do que estava acontecendo, mas pela expressão em seu rosto, ela estava furiosa.

― Seu porco imundo! O que você pensou que ia fazer com essa criança, hein?! ― vociferou a Dama de Rosa, apontando sua lança para troglodita despudorado.

Essa repentina mudança de eventos deixou o rapaz de bermuda preta pasmo. Por um instante, ficou sem entender o que havia acontecido e nem o porquê, mas de repente se lembrou: “Ela não machuca crianças”; ou pelo menos foi o que Katrina disse.

No começo, Arthur pensou que essa coisa de não machucar crianças fosse só uma estratégia dela, para fazê-los baixarem a guarda. Por sorte, estava errado.

Caído no chão, com seus braços e pernas robustas estirados, e uma barriga arredondada apontada para o céu, O Canibal girou de lado e, enquanto soltava alguns grunhidos, começou a se levantar. Quando enfim se ergueu, uma expressão aterrorizante, cheia de ódio e agressividade, pintou seu rosto.

― Vadia, o que você pensa que está fazendo?! ― rugiu o bandido que estava ainda mais furioso do que quando seu pescoço foi cortado.

― Eu é que pergunto: o que você pretendia fazer com esse menino? Seu porco repugnante! ― trovejou a Dama de Rosa com um olhar afiado, sem se deixar ser intimidada.

― Nós não somos inimigos, nesse momento. Saia da frente! Eu vou fazer aquele garoto pagar pelo que fez ao meu pescoço ― exigiu ele com um tom de voz um pouco mais controlado. Parecia que estava tentando se segurar.

Hunf! É claro que não somos! Afinal, você é covarde demais para entrar no meu caminho! ― debochou Katrina, exibindo um sorriso provocativo.

O Canibal abaixou a cabeça e lançou um olhar sombrio contra a mulher trajada por inteiro de rosa. Notava-se as inúmeras intenções abomináveis ganhando espaço em sua mente. Seu aspecto se tornou ainda mais aterrador conforme seus lábios se curvavam de uma maneira desagradável e o olhar revelava a perversidade por trás de sua mente.

― Se você tentar machucar esse garoto, eu vou empalá-lo. ― Katrina voltou a ameaçar enquanto apontava sua lança.

E naquele momento, aproveitando que a dupla de criminosos estava brigando, Arthur espichou a cabeça e deu uma espiada para ver como Tércio estava se saindo. E o que viu era, de certa forma, agonizante.

O companheiro de equipe estava conseguindo se manter na batalha. Seus ataques eram violentos e cheios de poder destrutivos. Mas seu corpo se encontrava banhado com o próprio sangue e sua pele coberta por pequenos cortes.

Quando viu o estado do novo integrante, Arthur logo começou a pensar em uma forma de ajudá-lo. Mesmo que estivesse com alguns ferimentos graves, ainda assim deve haver algo que possa fazer.

Com esse objetivo em mente, ele sorrateiramente apanhou uma de suas facas ― como a outra estava longe, contentou-se em reaver apenas uma. E então, através de passos leves, tentando não chamar a atenção, contornou Katrina, que estava em sua frente, e correu.

Arthur deu dois, talvez três passos, antes que o cabo da lança da Dama de Rosa atingisse seus calcanhares. Seus pés se embolaram um no outro e ele se esborrachou no chão, feito uma fruta madura despencando do topo de uma árvore.

Ao cair, de forma desastrosa, ele sentiu uma dor terrível percorrer suas costelas e jurou ter ouvido um som medonho, como se vários galhos secos tivessem sido partidos, vindo de dentro de seu corpo.

ARGHH! ― gritou de dor enquanto rolava de um lado para o outro.

Ah, eu sinto muito! ― desculpou-se Katrina com sinceridade.

― Eu pensei... que você... não iria me machucar ― resfolegou Arthur se esforçando para falar algumas palavras.

― Já disse que foi sem querer! E eu falei que não deixaria ele te machucar. Mas também não vou deixar você nos atrapalhar!

Julgando pela expressão no rosto de Katrina, assistir ao garoto se contorcer de dor também lhe causou agonia. Algo em sua hesitação indicava certa vontade de ajudar. Porém, por serem inimigos, não podia fazer isso.

― Francamente! Você é um homem e homens não deveriam chorar assim! ― Ela o repreendeu, tentando incentivá-lo a parar de gritar. Mas sendo incapaz de esconder a própria preocupação.

Do outro lado, O Canibal soltou uma gargalhada maliciosa. Ver aquele pirralho se contorcer era algo divertido e de certa forma prazeroso.

― Você está rindo de que, seu porco? ― questionou a mulher com aspereza. ― Ao invés de ficar aí perdendo tempo, porque não vai pegar as garotas que estão na carruagem?

Ao ouvir a ofensa, O Canibal colocou a Dama de Rosa sob um olhar perverso e apertou o punho de seu machado. Sua vontade de se opor e batalhar contra ela era nítida. Mas então, para surpresa de Arthur, o sujeito desumano jogou o machado sobre o ombro, virou-se e foi em direção a carruagem dourada, onde Serena e os outros estavam.

Katrina era uma mulher e só por esse motivo, muitos tolos a subestimaram. Contudo, o famoso líder de um dos maiores grupos criminosos do reino era um covarde esperto.

Assistindo o Canibal se afastar, Arthur se sentiu em um beco sem saída. Se continuasse assim, Tércio teria que enfrentar duas pessoas ao mesmo tempo. Ele até queria ajudar, mas...

― Fique quietinho aí. Você já está muito machucado. É melhor não se mover muito ― disse Katrina, apontando a lança para o garoto. ― Não se preocupe. Eu não vou deixar seu amiguinho morrer ― garantiu, com um tom confiante e um sorriso simpático.

Era frustrante, mas não havia como escapar da lança dessa pessoa. Não em seu estado atual. Tudo o que ele podia fazer agora era torcer para Tércio conseguir segurar as pontas, até os Cavaleiros Reais chegarem.

Não muito longe dali, em um cruzamento, Enri e os outros soldados estavam tendo uma batalha difícil.

Com um de seus braços machucados e precisando enfrentar um bandido que era versado em Artes Marciais, o sujeito de cabelo amarelo que acompanhou toda a expedição até o momento atual estava dando tudo de si só para se manter vivo. Dos quatro cavaleiros que estavam lutando ao seu lado, dois receberam ferimentos profundos e já se encontravam no limite.

Em contrapartida, do lado inimigo ainda havia sete ladrões cheios de energia, balançando suas armas, ansiando pela vitória. Nesse ponto, tudo o que os cavaleiros podiam fazer era se defender.

Sendo sincero, mesmo que seu braço não estivesse ferido, Enri não tinha confiança de que poderia sair vitorioso. Afinal, ele se tornou um Cavaleiro Real há apenas dois anos e começou a aprender Artes Marciais nesse mesmo período, de forma que Arthur, de apenas dezesseis anos, era mais forte e experiente do que ele, quando se tratava desse estilo de luta.

Conforme a batalha se estendia, a desvantagem crescia. Os bandidos possuíam um ímpeto imparável. Quanto mais sangue eles viam, mais animados pareciam ficar. Os soldados do duque e remanescentes da academia estavam sendo obrigados a recuar passo a passo, e suas espadas já haviam se chocado tantas vezes que seus braços começaram a ficar dormentes.

Apenas quando parecia que estava tudo perdido, alguém saltou no meio dos bandidos, quebrando o cerco e, assim, dando uma chance para Enri e os demais respirarem.

A pessoa que apareceu do nada, com um ataque implacável, foi Darlan.

Entre os três Cavaleiros Reais nessa escolta, Darlan era o mais forte. Já fazia anos que praticava Artes Marciais e experiência em batalha era algo que não lhe faltava. Por isso, ele foi capaz de cuidar dos quinze oponentes que teve de enfrentar sem maiores problemas.

Depois de derrotar seus inimigos, ele deixou um de seus homens responsável por vigiar os prisioneiros, ordenou que os outros dois fossem auxiliar Bernardo, e foi em pessoa socorrer Enri.

― Darlan! ― Exclamou Enri, surpreso e aliviado, ao vê-lo.

AH! AH! AH! Eu vim ajudar, se não se importar! ― proclamou com um sorriso grandioso enquanto balançava sua espada pesada, forçando os inimigos a recuar.

– Eu agradeço pela ajuda!

― Foi o que imaginei. Porém, precisamos acabar com isso rápido. Estou tendo um mau pressentimento sobre aquilo ― disse, apontando com um balançar de cabeça, um lugar que não estava muito longe dali.

Não se tinha uma visão clara do local indicado por Darlan, pois as casas abandonadas que compunham o pequeno vilarejo estavam bloqueando a vista. Mas era possível ver clarões e labaredas de chamas voando sobre os telhados velhos.

Enri olhou de lado, mostrando uma expressão séria, e disse:

― Sim! Parece que eles não conseguiram fugir. E para piorar, pode haver um mago entre os bandidos. ― Pensar que poderia ter um mago do lado inimigo fez Enri sentir um calafrio atravessar o estômago, já que se fosse esse o caso, não haveria muito que pudesse fazer.

― Se de fato há um mago entre os bandidos, eu não estou certo, mas precisamos acabar com isso rápido e ir ajudar ― proferiu Darlan, indicando certa urgência. E logo em seguida, avançou contra os ladrões remanescentes.

Decididos a acabar o quanto antes com essa batalha, Enri e os demais cavaleiros bradaram e, ferozmente, contra-atacaram!

 


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