volume 1
Capítulo 54: Contra-ataque
― Eu não sei quem é você, mas não me atrapalhe! ― sibilou o estranho com uma voz fria.
Tércio não respondeu de imediato o homem de capuz. Ele o encarou por um momento, tentando ver através da máscara preta que cobria todo o seu rosto, mas sem sucesso. Foi então que voltou sua atenção para a espada fina.
Ele nunca tinha visto uma espada como aquela. Fina e flexível. Não parecia assim tão perigosa, mas quando a imagem da carruagem chacoalhando após receber um ataque passava pela sua mente, não podia deixar de pensar que aquela arma era sim muito perigosa.
― Quem diz isso sou eu. Quem é você e por que está entrando no meu caminho? ― Após algum tempo em silêncio, Tércio enfim falou alguma coisa. Sua postura ficou mais hostil ao passo que sua voz se tornou áspera e desafiadora.
― Ei! Escute aqui. Não ouse fugir! Se você fugir, eu vou falar para o meu avô te prender, entendeu? ― A pessoa que fez questão de dar esse aviso ao ladrão de bolos foi Serena, que se pendurou na janela da carruagem e gritou com uma voz esganiçada. Depois que o ouviu falar que não se importaria caso ela e os outros fossem sequestrados, a neta do duque não pôde deixar de temer pela fuga de seu “guarda-costas”.
― Cale a boca e fica aí dentro! ― Mantendo um olhar atento sobre o agressor, Tércio repreendeu a garota de cabelo púrpura, pois esse não era o momento de ela ficar se colocando em perigo daquela maneira. Daquela posição, seria fácil para o homem agarrá-la pelos cabelos e arrastá-la pelos cabelos.
Em resposta, Serena soltou um: “Hunf”; mas não retrucou. E em seguida, como lhe foi instruído, ela se afastou da janela.
― Eu avisarei pela última vez: não fique no meu caminho ― ordenou o estranho.
― Eu não quero, bobão ― respondeu Tércio com um sorriso travesso e abrindo os braços de uma maneira desafiadora.
― Entendo. Neste caso, você não me deixa escolha... ― dizendo isso, o homem de capuz flexionou os joelhos, ergueu o braço esquerdo na altura da cabeça, em uma forma estranha, e apontou a espada, que estava em sua mão direita, para o seu jovem oponente.
Era uma posição de batalha peculiar, mas não havia dúvidas de que o sujeito estava se preparando para lutar.
Tércio não ficou parado vendo aquilo. Usando a direita de apoio, ele abriu as pernas, esticou o braço esquerdo na altura do peito, com a palma da mão voltada para frente, e flexionou o braço direito, mantendo o punho fechado, próximo ao corpo.
― Hm... Então você também sabe Artes Marciais ― comentou o agressor, que não demonstrou surpresa ou preocupação. ― Mas essa é uma posição estranha. Nunca vi nada parecido. Bem, tanto faz. Eu não tenho tempo a perder. Acabarei com isso em um instante. ― Por um momento foi possível notar certa curiosidade em seu tom. Mas ao se lembrar do motivo de estar ali, sem perder mais tempo proferindo meias palavras, ele lançou a ponta da espada contra o inimigo sem o menor aviso prévio.
Como se fosse uma cobra dando o bote, a lâmina fina voou contra o peito de Tércio. Que por sua vez, demonstrando sua incrível agilidade, girou os braços e jogou o corpo para o lado, desviando assim da picada.
Mas o ex-prisioneiro não parou por aí. Com um impressionante jogo de pés, aproximou-se do agressor com grande facilidade e desferiu um soco em seu flanco esquerdo.
Contudo, o homem de capuz era ainda mais rápido e facilmente desviou do golpe, dando um salto para o lado.
― Até que você não é tão mal assim! ― elogiou o estranho que parou o ataque para olhar pela primeira vez nos olhos de seu oponente menor. ― Porém, saber um pouco sobre Técnicas de Combate, não lhe torna invencível.
― Não se preocupe. Eu ainda tenho muitos truques ― retorquiu Tércio em um tom provocativo.
Assim que a resposta abusada do garoto o atrapalhando saiu, o homem sujeito alto e esguio avançou novamente. Só que desta vez, ao invés de tentar outra estocada, ele cortou na horizontal, visando o pescoço do rapaz.
Foi um golpe poderoso e que dispunha de uma velocidade absurda, de modo que o aço cortando a espada provocou um zumbido agourento. Porém, demonstrando, de novo, seus incríveis reflexos, o escolhido pelo Duque Magus para proteger sua neta se abaixou a tempo de evitar o degolamento.
Outra vez ele havia conseguido escapar da morte sem grandes problemas. Mas isso logo se provou uma impressão precipitada, pois o atacante, ansioso em cumprir sua missão, não se cansou após uma única investida e deu início a uma sequência mortal de ataques.
Sem demonstrar sinais de que iria parar antes de executar o empecilho em seu caminho, ele lançou uma série de golpes. Cortes horizontais, verticais e estocadas eram desferidos em sucessão. Era como se uma chuva de espadas caísse sobre o jovem de quatorze anos.
No entanto, Tércio continuou desviando de todos os ataques; saltando, pulando, se agachando e girando. Ele agilmente se esquivava de tudo como uma barata difícil de matar, que só faltava sair voando.
Mas então, o verdadeiro perigo que aquela espada carregava foi mostrado após um movimento ardiloso.
Em certo momento, Tércio desviou de uma investida que por pouco não perfurou seu ombro. Porém, no instante em que ele se esquivou, a lâmina fina balançou feito um chicote e atingiu a parte de trás de seu ombro, o deltóide posterior.
Até então, Tércio não havia percebido o quão perigoso poderia ser a flexibilidade daquela arma. Mas depois de ser atingido, enfim se deu conta de que ela podia se comportar de uma maneira diferente de outras lâminas. Além de cortar e perfurar, ela também era capaz de chicotear.
Assim que a espada tocou suas costas, o rapaz coberto de cicatrizes travou os dentes e suportou a dor. Sabia que sucumbir à agonia durante uma batalha era um luxo perigoso demais. Então, para evitar ser atingido outra vez, ele deu alguns saltos para trás, e se afastou do assaltante. E quando ficou a uma distância segura, passou os dedos na parte atingida de seu ombro esquerdo e sentiu um corte não muito profundo, mas que permitiu ao sangue escorrer pelas suas costas.
― Você está bem? ― Serena estava assistindo a luta de dentro da carruagem, quando viu o seu protetor pessoal ser atingido.
Arthur também se assustou.
Pouco antes do colega começar sua batalha, o líder de esquadrão se aproveitou do fato de Katrina estar sem sua lança e a atacou. Contudo, ele foi bloqueado pelo o Canibal que, apesar de seu tamanho, se movia rápido e com precisão.
De certa forma, ele estava em uma situação ainda mais perigosa, pois não demorou muito para a Dama de Rosa recuperar sua arma, deixando-o com dois criminosos perigosos para enfrentar ao mesmo tempo. Mas mesmo estando nessa situação, ele ainda se preocupou com seu companheiro.
No entanto, ao contrário de Arthur e Serena, Tércio permanecia calmo. Ele girou o braço, para ver se conseguia movê-lo normalmente. E enquanto mantinha um olhar atento no homem de capuz, voltou a se dirigir à Serena de maneira rígida:
― Fique quieta e não me atrapalhe.
― Seu grosso! ― vocifero ela, arrependendo-se de ter mostrado alguma preocupação.
Entretanto, não é que o rapaz de cabelo longo desgostasse da atenção que recebeu. Ele apenas desejava permanecer concentrado no perigo diante de seus olhos.
Enquanto esteve preso, Tércio muitas vezes passou por situações perigosas que quase lhe custaram a vida. E durante essas ocasiões, só conseguiu escapar graças aos seus instintos. E esses mesmos instintos que salvou sua vida em tantas vezes, agora estavam lhe dizendo que aquele sujeito, com mais de dois metros de altura, era alguém perigoso, talvez ainda mais letal do que Katrina e O Canibal.
Depois de ter certeza que ainda poderia mover seu braço sem dificuldades, Tércio se preparou para continuar a batalha.
Entretanto, antes que ele tomasse a iniciativa, seu inimigo agiu.
― É o fim! ― declarou o sujeito cuja postura, em certos momentos, parecia desengonçada. E assim que terminou de falar, atacou.
Neste meio tempo, Tércio respirou fundo e se preparou para o próximo assalto. Seus sentidos se aguçaram e seu sangue ferveu, ao passo que apertava os dedos ainda mais forte. Não iria mais se conter.
O homem cobrindo o rosto precisou de apenas dois passos para cobrir a distância que os separava. E quando se aproximou, desceu sua espada em um corte vertical. Tércio, sempre ágil, deu um salto para o lado e, acompanhado de um sorriso malicioso, sua mão direita irradiou um brilho alaranjado que fez a temperatura ao seu redor subir.
Quando viu o fogo brotar do nada, pela primeira vez o agressor sentiu ameaçado. Algo que ficou evidente pela sua breve hesitação em continuar o assalto. Ele pensou em desviar, mas já era tarde demais.
Tércio jogou seu braço para frente e uma labareda raivosa explodiu contra o inimigo, envolvendo-o em um redemoinho ardente. Um grito angustiante foi ouvido e um cheiro de queimado se espalhou pelo ar.
Por um instante pareceu que a Vila Minguante havia entrado em um silêncio profundo.
Enquanto assistiam o homem coberto pelo capuz se contorcer e arrancar o manto que ardia em chamas, ninguém sabia exatamente o que pensar. Arthur, Serena e os outros, no começo, apesar de não terem dito em voz alta, acreditaram que era impossível para o rapaz de quatorze anos sair vitorioso dessa batalha. O inimigo parecia ser forte demais e, em contrapartida, o escolhido pelo duque para proteger a neta era tão pequeno e jovem.
No entanto, contrariando as expectativas de todos, em um instante, Tércio reverteu a situação da luta. E o mais impressionante, fez isso usando magia.
“Mas como ele poderia usar magia, sendo que não era um nobre?” Perguntou-se quem assistia.
― Aquilo foi um Encantamento Mágico? ― balbuciou Serena, parecendo impressionada e um tanto quanto abalada.
As gêmeas, que estavam encolhidas no chão, espicharam a cabeça para ver o que havia causado o brilho laranja que atravessou a janela da carruagem.
Naquele momento, Arthur estava trocando golpes com o canibal, quando Tércio usou sua magia de fogo. Distraído, ele foi arremessado alguns metros de distância após, no último momento, bloquear uma machadada usando suas duas facas como escudo.
E antes de voltar a lutar, ele parou e olhou confuso para o companheiro de equipe. Não fazia ideia de que Tércio podia usar magia, até porque, em momento algum durante a viagem de ida para a capital Selene, o novo integrante de sua equipe lutou.
A única que não estava tão confusa, mas sim surpresa, era Katrina.
Até o momento, ela não havia lutado diretamente contra Arthur. Apenas ficou assistindo a uma distância segura. Mas quando viu a magia sendo usada, sua atenção foi tomada e seus olhos revelaram grande interesse.
― Um Atroz... Que raro ― murmurou.
Não muito longe da carruagem, o agressor se debatia, tentando tirar o manto em chamas. Usando sua mão ― que mais parecia um pé de tão grande ―, ele agarrou a capa cobrindo seu corpo e a arrancou em um puxão. Em seguida, atirou-o contra o chão, em um lugar que não poderia oferecer perigo. Entretanto, apesar de sua tentativa desesperada de se livrar do ardor, sua máscara também foi atingida pelo fogo e transformada em cinzas. Foi nesse ponto que enfim seu rosto se revelou.
A pessoa por baixo do capuz era um homem de cabelo escuro e corpo tão magro que parecia um trasgo desnutrido. Sua camisa também havia sido queimada, o que tornou possível ver o contorno de suas costelas através da pele fina. Seu rosto era marcado por feições duras e os olhos eram negros e profundos, como se estivessem pouco a pouco afundando em seu crânio, mas o brilho neles era vivo e amedrontador.
Por sorte, a única vestimenta que lhe restou ― impedindo assim que os outros tivessem uma visão ainda mais horripilante ― foram suas calças marrons que pareciam feitam de couro de algum monstro. E também, as luvas em suas mãos, as quais cobriam até os cotovelos.
Mesmo agora, com seu rosto exposto, Tércio não fazia ideia de quem era aquele homem e devido a sua aparência peculiar, com certeza se lembraria se tivesse o visto antes. Talvez, no final, fosse apenas um bandido qualquer.
Contudo, o que o “irmão mais novo” de Eliza não sabia é que aquele era o sujeito que fora visto há poucos dias nas áreas abandonadas da Capital Selene, tramando planos nefastos.
Aquele era Néfi, um dos homens que ficou vigiando a equipe de escolta, enquanto Enri e os outros ainda estavam no castelo do Duque Griffon.
Tércio olhou para Néfi que respirava com dificuldade, recuperando-se do susto, e ficou espantado. Mas o que o assustou não foi sua aparência estranha ou seu olhar raivoso.
Apesar de ter recebido um golpe direto de uma magia de fogo e de ter tido seu manto, máscara, e camisa transformados em cinzas, o sujeito não possuía sequer uma marca de queimadura. Nem mesmo uma pequena bolha podia ser vista em sua pele.
Se não fosse pela mancha preta no lado esquerdo de seu corpo, Tércio começaria a pensar que havia errado o alvo e que Néfi só tirou as roupas para exibir seus ossos.
Por um breve instante, o ex-condenado ficou sem saber como reagir. Esse ataque deveria ter resolvido tudo, mas foi um completo fracasso. O que fazer a seguir?
No entanto, após voltar a si, ele logo percebeu a chance que estava deixando escapar. Assim sendo, travou os dentes e com um olhar decidido se recompôs. Apertou os punhos e se atirou contra o agressor, assumindo, dessa maneira, a liderança dos assaltos. Suas mãos foram envolvidas por chamas laranjas intensas que brilharam como se fossem tochas em meio à escuridão.
Do outro lado, quando percebeu o garoto correndo ao seu encontro, Néfi segurou sua espada e se preparou para atacar. Mas antes que o fizesse, chamas flamejantes pularam em sua direção.
O sujeito cujas costelas dava para ver através da pele saltou para trás e, por pouco, desviou do fogo. Contudo, ele não teve tempo para relaxar, pois agora era a vez de seu oponente atacar sem parar.
Tércio balançou os braços de um lado para o outro, lançando jatos de fogo por todo o lugar. À medida que a batalha se estendia, a temperatura do local subia.
Néfi conseguiu se esquivar de todos os ataques. Mas aos poucos, gotas de suor, do tamanho de pérolas, começaram a escorrer por seu rosto. Tentou manter distância, porém foi perseguido sem ter tempo de recuperar o fôlego ou acalmar os batimentos acelerados.
A luta se estendeu ao longo da rua em que eles se encontravam. Mesmo Arthur, que estava travando uma batalha árdua contra O Canibal, teve que se proteger dos resquícios das labaredas de fogo, que se espalhavam sem nenhum controle, ameaçando alcançar as casas ao redor.
Distraído, saltando, desviando e torcendo para não ser queimado, Néfi acabou não reparando na cilada em que estava se metendo. Toda vez que se esquivava de um ataque, ele acabava ficando um pouco mais longe da carruagem dourada. Por outro lado, se aproximava mais e mais dos destroços de uma casa. E então, antes que percebesse, já não havia lugar para fugir, nem recuar. Estava cercado! Em suas costas se encontrava uma pilha de escombros e nas laterais, paredes que ainda não haviam sido derrubadas.
Tirando proveito dessa oportunidade, Tércio parou em frente ao oponente, garantindo que não haveria para onde ele fugir. Uma chama caótica envolveu seus braços, revelando uma força que não tinha sido mostrada até aquele momento. E, como se fosse bater palmas em uma festa de aniversário, o Atroz bateu as mãos.
No momento em que as palmas de suas mãos se chocaram, uma onda de fogo, com um poder destrutivo, foi lançada, engolindo tudo em seu caminho, transformando as madeiras caídas em meio ao entulho em cinzas.
Não havia para onde o bandido escapar. Esse era o fim da batalha!
No entanto, neste momento...
Quando viu a onda de fogo indo em sua direção, Néfi soltou um “ tsc!”; e fez uma careta indescritível, deixando sua expressão mais repugnante conforme a pele em sua testa formava rugas grotescas. Logo em seguida, balançou sua espada, em um corte que ia de baixo para cima e gritou:
― Manto de vento! ― Néfi soltou um rugido a plenos pulmões. E de repente, como se tivesse sido bloqueado por um pilar invisível, as chamas de Tércio foram atiradas para o alto em uma espécie de dança desordenada.
No momento em que o sujeito desnutrido balançou sua espada, como se obedecesse a um comando de seu mestre, o ar ao redor se moveu, criando uma grande barreira de vento em sua frente que mandava tudo o que lhe oferecia perigo para o céu.
Tércio ficou estupefato. Por um instante, pensou que a vitória já estava garantida, mas no último segundo seu inimigo usou algo que só poderia ser descrito como “trapaça”.
Para o ex-prisioneiro, não havia outra explicação lógica a não ser essa. Primeiro, a pele que parecia ser a prova de fogo e agora uma barreira de vento? Se isso não é trapacear, então o que seria?
Seja como for, ser encurralado e forçado a mostrar sua “verdadeira” face não agradou o agressor. Néfi lançou um olhar colérico à Tércio e rangeu os dentes.
― Eu vou matá-lo! ― vociferou com um rugido feroz.
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