O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 52: Tão rosa que enjoa

Enquanto a luta entre os cavaleiros e os ladrões se intensificava, Tércio e Arthur dispararam o mais rápido que podiam rumo à saída da vila que se encontrava um pouco longe do lugar em que a batalha teve seu início.

À medida que se aproximaram da saída, os dois membros do mesmo esquadrão ficaram mais atentos. Arthur, que continuava agachado sobre o teto da carruagem, assistia atentamente o desenrolar da luta de Enri enquanto ainda podia. E pelo que percebeu, o companheiro não estava se saindo muito bem.

Tércio, por sua vez, escolheu ficar azucrinando o pobre do cocheiro, dizendo coisas como: “ignora os buracos e passa por cima”.

 Dentro da carruagem, as gêmeas seguiam se abraçando e chorando, ao mesmo tempo em que berravam e gritavam com uma voz esganiçada:

― Eu não quero morrer!

― Eu também não quero!

Serena tinha recuperado o saco de pano que estava com as pedras que seu tio e avô haviam lhe dado. Agora ela segurava um cristal em cada mão. O da direita era transparente com um tom avermelhado e o da esquerda era fino e emitia um brilho prateado, igual a um espelho. Ela cerrou os punhos e usou toda a força de seus dedos para segurar os objetos, temendo que eles pudessem cair outra vez.

E Isaac, a despeito do pânico inicial, estava com o pescoço espichado para fora da janela, assistindo tudo o que acontecia. Medo ele tinha, mas a curiosidade falava mais alto.

Sem diminuir a velocidade, a carruagem passou voando pelas ruas do vilarejo. Nas curvas, parecia que as rodas iam se soltar a qualquer instante, ao passo que emitia um “clik-clak” estranho. A saída estava cada vez mais próxima, de modo que era possível ver o fim do povoado abandonado.

Porém, como o líder de um esquadrão da Equipe de Segurança havia imaginado, sair não seria assim tão fácil.

Parado no meio da estrada notava-se a presença de duas figuras distintas uma da outra. O da direita era largo e encorpado, parecendo uma bola gigante. E o da esquerda era esbelto e elegante, apresentando pouco mais de um metro e setenta de altura.

Quando viu as duas figuras ao longe, a carruagem diminuiu a velocidade e um dos cinco cavaleiros que estava guiando a fuga se aproximou e narrou:

― Senhor, há dois homens à frente! Provavelmente são companheiros dos bandidos que nos atacaram! ― O cavaleiro conhecido como Darwin falou em um tom alarmado o que todos ali conseguiam enxergar.

― Eu estou vendo! ― respondeu Arthur, fixando o olhar nas duas figuras adiante.

― O que devemos fazer? ― questionou Darwin.

Mas Arthur não respondeu de imediato. Ele ficou parado, encarando as figuras, com uma expressão pensativa. Era estranho que dessa vez havia apenas duas pessoas e elas nem mesmo se deram ao trabalho de se esconder. Algo não parecia certo. Se fosse uma armadilha, eles não se mostrariam. Ficariam à espreita, esperando pelo melhor momento de atacar.

Depois de pensar um pouco, aproveitando a redução da velocidade de fuga para refletir com mais calma, o rapaz de bermuda larga e portando duas adagas balançou a cabeça como se tivesse chegado a uma conclusão e comandou:

― Freiem os cavalos. Vamos nos aproximar com cautela. Fiquem atentos aos arredores. Não queremos ser emboscados. ― Mesmo sabendo que seguir em frente resultaria em um confronto com aqueles dois desconhecidos, ele não estava disposto a voltar. Afinal tinha plena confiança na sua força. E se por um acaso o pior acontecesse, eles ainda poderiam forçar uma saída e fugir dali, pois estavam em maior número.

Como ordenado, os cavaleiros controlaram suas montarias para que reduzissem e avançaram lentamente, conduzindo um trotar vagaroso e cauteloso. Quanto mais se aproximavam das figuras, mais atentos eles ficavam. Nenhum único detalhe passava despercebido pelos olhares atentos que espiavam cada fresta como se alguém pudesse saltar de lá a qualquer instante.

À medida que o grupo chegava mais perto, a identidade dos atacantes foi ficando mais clara. O da direita era um homem grande, com braços roliços que eram tão grossos quanto o corpo esguio de Tércio. Em sua mão direita havia um machado grande e imponente que continha duas lâminas em forma de meia lua na ponta, coladas uma de costas para a outra.

Quando a equipe de cavaleiro e os demais se aproximaram, o sujeito carrancudo bateu a ponta de seu machado no chão, provocando um barulho intimidador e abrindo um buraco, do tamanho de uma melancia, no solo.

Ele olhou para os cavaleiros, que estavam na frente, e abriu um largo sorriso amarelo carregado de más intenções.

O outro ― ou deveria dizer, outra ― que estava do lado esquerdo era uma mulher, uma mulher muito bonita, diga-se de passagem. Sua cintura era levemente torneada, de modo que seus contornos se destacam mesmo à distância. Seus olhos, verdes como uma folha na primavera. E o cabelo castanho era longo, com fios finos que caiam feito uma cascata silenciosa.

Mas, apesar de sua aparência atraente, preso em suas costas se encontrava uma longa lança que era quase duas vezes maior do que ela própria. Seu cabo tinha um tom estranhamente avermelhado, beirando ao rosa-arroxeado. E, próximo a ponta, que era tão afiada como uma agulha e construída a partir de um metal negro, havia uma esvoaçante fita cor de rosa.

Ao contrário do homem, que possuía um olhar perverso, a mulher mantinha um sorriso discreto, mas gentil, em seu rosto.

Quando os cavaleiros chegaram perto daqueles dois, eles logo frearam seus cavalos em uma ação que chegou a ser intuitiva e espontânea em todos eles. Entre os cinco, aqueles que faziam parte dos soldados fornecidos pelo Duque Griffon pareciam especialmente agitados.

Por outro lado, Tércio e Arthur dedicaram algum tempo para estudar a dupla curiosa. Eles não faziam ideia de quem eram aqueles dois. E sendo sincero, o líder do grupo pensou, por um segundo, que seria impossível para uma mulher tão bela ser uma bandida.

Contudo, um dos cavaleiros apreensivos logo tratou de responder a dúvida compreensível: quem eram aqueles dois?

Com a ansiedade estampada no rosto, Darwin se aproximou da carruagem e com um tom de voz urgente começou a falar:

― Senhor, isso é ruim! Aquela mulher é Katrina, a Dama de Rosa! Ela é a mulher mais procurada do reino ― alertou Darwin. Via-se pela expressão em seu rosto acinzentado que o encontro com Katrina era um péssimo presságio.

― A Dama de Rosa?! ― murmurou Arthur assombrado. Ele já havia ouvido muitas histórias temíveis a seu respeito. Histórias essas que falavam sobre como ela derrotou, sozinha, um grupo de Cavaleiros Reais que tentaram prendê-la ou de quando saqueou os tributos de um poderoso marquês

 Existiam muitos boatos espalhados pelo reino a respeito de Katrina e havia uma coisa em comum em todos: sempre terminavam em um banho de sangue.

Por isso, Arthur não pôde deixar de ficar um pouco nervoso, quando descobriu sua verdadeira identidade.

E o jovem que já não estava tão confiante quanto antes não foi o único que reconheceu o nome da mulher a poucos metros de distância. Tércio se lembrou de quando estava indo para a academia e Kay tentou lhe assustar, falando sobre perigosos ladrões que rondavam os arredores da Floresta Meia Lua, escondendo-se dos soldados e saqueando os desavisados.

Porém, ao contrário do amigo, Tércio, que desconhecia a maior parte dos rumores envolvendo a mulher, não parecia ter sido intimidado pelo nome.

Arthur estava encarando Katrina, tentando pensar em uma forma de lidar com esse enorme problema que havia se colocado em seu caminho, uma maneira de evitar um combate direto. Ele ainda tinha plena confiança em sua própria força. Mas se os boatos forem verdadeiros, então seria quase impossível evitar maiores danos em uma luta.

Por um momento, ele até se esqueceu ― se é que era possível ― do sujeito macabro e de expressão hedionda. Foi nesse ponto que Darwin tornou a falar:

― Senhor, isso não é tudo. O homem com o machado é o bandido conhecido como, O Canibal. Ele é o líder do bando dos Ursos Pardos. Dizem que as pessoas capturadas por ele são... Vivas... ― Darwin engoliu em seco, incapaz de terminar o que ia dizer. Só o pensamento da ação abominável já era o suficiente para lhe causar tremedeiras na perna. Após espantar tal imagem macabra, ele continuou falando: ― Ambos, a Dama de Rosa e o Canibal, são peritos em Artes Marciais. Nós não temos muita chance de vencer em uma batalha de frente.

Quando ouviu o nome “O Canibal”, outra vez Tércio teve sua memória ativada. Mas não foi por causa de quando Kay tentou lhe assustar. Tratava-se de uma lembrança mais antiga, de seu período na prisão.

Mesmo lá, existiam boatos sobre esse homem que era procurado por cometer atos indescritíveis. Dizia-se que se deparar com ele era pior até mesmo do que a morte, já que essa era muito mais gentil.

Após a nova informação, Arthur passou a concordar com Darwin. Se metade dos rumores sobre Katrina forem verdadeiros, as chances de ganhar em uma batalha de frente eram muito baixas. E a chance da equipe de escolta ficava ainda pior adicionando o outro sujeito. Sem falar que, ainda existia a possibilidade de haver algumas armadilhas escondidas.

Enquanto o rapaz encarregado de ser um dos líderes estava pensando no que fazer, um dos cavaleiros fornecidos pelo duque, chamado Steven, comandou seu cavalo e deu alguns passos para frente.

― Dama de Rosa! Canibal! Nós, os soldados do honrado Magus Griffon não temos pendências com vocês ou seus grupos. Retirem seus homens imediatamente e saiam do caminho! ― ordenou ele, usando de um tom de voz altivo.

Entretanto, diferente da resposta que esperava, Katrina apenas inclinou a cabeça para o lado e exibiu um sorriso fraco. Em seguida, ela abriu a boca e disse algumas palavras através de um tom calmo e leve, como almofadas de penas de ganso:

― Se vocês querem que eu saia e os deixe passar, eu posso fazer isso. Não é um problema! Mas em troca... ― parou de falar, e seus olhos deslizaram em direção a carruagem dourada ― Eu quero quem está ali dentro ― apontou.

Quando viram a Dama de Rosa apontando para eles, Isaac e Serena, que estavam espiando da janela, em um instante encolheram suas cabeças e trocaram olhares assustados.

― Maldita! Você tem alguma noção de quem está dentro dessa carruagem? ― bufou Steven enraivecido enquanto uma veia saltitava em seu pescoço.

― Bobinho, é claro que eu sei. Se não fosse assim, porque eu me daria ao trabalho de vir até aqui? ― desdenhou ela com uma voz provocativa.

Steven estalou a língua e lançou um olhar furioso para a Dama de Rosa. Seu rosto assumiu uma severidade repugnante, causada por sua imensa indignação que foi sentida até mesmo pelo cavalo que começou a bufar, relinchar e bater o casco dianteiro contra o chão.

― Sendo assim, vocês não me deixam nenhuma escolha ― dizendo isso, ele desembainhou sua espada. ― Eu tirarei vocês do caminho! ― proclamou confiante, demonstrando sua imensa coragem.

Seguindo o exemplo de Steven, os outros cavaleiros sacaram suas armas. Ter um companheiro desafiando um oponente com uma história tão assustadora acabou por incendiar seus espíritos guerreiros.

Tércio, por outro lado, estava indiferente à situação. Se tivesse que lutar ou não, para ele não fazia muita diferença. Mas para ser sincero, se pudesse escolher, preferia se mandar dali. Aquela Dama de Rosa, apesar do rosto bonito, lhe dava uma impressão de ser bastante perigosa. E ainda havia os boatos sobre aquele homem repugnante.

E falando nele, ao notar a empolgação dos inimigos, O Canibal ergueu seu machado e soltou um sorriso asqueroso. Notava-se por seu rosto que estava ansioso por isso.

A batalha parecia estar prestes a começar e a qualquer momento os dois grupos se chocariam. Contudo, antes que isso acontecesse, uma voz apressada emergiu na tentativa de pará-los:

― Esperem! Não sejam imprudentes! Aqueles dois são peritos em Artes Marciais! ― Arthur tentou lhes advertir.

No entanto, isso foi inútil.

― Garotinho! Fique aí parado e veja como um homem de verdade luta ― bradou Steven cheio de confiança. Afinal, tendo os seus companheiros ao seu lado, o que há para temer?

Apesar de Arthur ser um dos líderes da equipe de escolta, junto a Enri, poucos o respeitavam de fato. É claro, sua aparente inexperiência contribuía nisso, mas para aqueles que o acompanhou durante a jornada de vinda, também havia um fator importante: sua falta de liderança. Durante todo o caminho para a capital, o que ele tinha feito para se provar? Homens e mulheres morreram e o garoto não deu uma única ordem imperativa ou tentou minimizar as perdas.

No entanto, o líder sem liderança não desistiu e outra vez tentou convencer os cavaleiros a não atacar. Mas ninguém lhe deu ouvidos.

― Sr. Arthur, Steven tem razão ― disse Darwin. ― Uma batalha é inevitável. Assim sendo, é melhor atacarmos primeiro. Quando a luta começar, aproveita a oportunidade para fugir. ― Terminando de falar, ele sacou sua espada e se juntou aos demais.

Então, agora que estavam todos reunidos, Steven bradou...

ATACAR!

E assim, os cavaleiros disparam contra Katrina, a Dama de Rosa, e o Canibal.

 


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