O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 49: Magus

Tudo já estava pronto para a jornada. A única coisa que faltava agora era esperar a chegada de Serena, Isaac, Iris e Isis.

As bagagens dos quatro já haviam sido guardadas pelos cavaleiros e eram tantas que foi o suficiente para encher uma das carruagens e ocupar uma parte da outra. E foi nesse ponto que Tércio começou a ficar impaciente, pois depois do imenso trabalho que tiveram para preparar as provisões e checar se não faltava algo, era uma falta de consideração tremenda dos mimados continuar deixando o bando esperando.

― Que povo lento! ― resmungou o ex-prisioneiro com um tom ranzinza. E Arthur precisou concordar. A jornada já seria longa o suficiente, de modo que era um total desrespeito dos novatos fazê-los esperar.

E foi apenas depois de um longo período de espera que Serena, a primeira a chegar, resolveu dar as caras. Logo depois foi a vez de Isaac. E, por fim, as irmãs que surgiram causando tumulto.

Ei, porque você vestiu a mesma roupa que a minha? Vá se trocar! ― ordenou Iris.

― Vá se trocar você! Foi você que vestiu a mesma roupa que a minha! ― protestou Isis.

Como na noite passada, as duas estavam trajando indumentárias iguais, em cada aspecto, tornando impossível distinguir uma da outra. Até seus sapatos, brincos e demais adornos eram os mesmos.

― Acalmem-se, garotas. As duas estão lindas! ― Um homem de meia-idade, que vinha logo atrás, tentou de uma maneira impotente abrandar as gêmeas, mas tudo o que conseguiu foi se meter em problemas.

― Mas eu sou mais bonita, não sou, papai?

― Não, eu é que sou! Fala para ela, papai. Nasceu mais velha e feia.

Tércio assistiu as gêmeas discutirem de longe. Para ser sincero, desde a noite passada estava tentando notar alguma diferença entre elas, mas nem mesmo a luz mais forte do sol ajudou nisso.

Enquanto isso, ali perto, Serena conversava com seu avô, seu tio e sua mãe, que pareciam felizes, mas receosos em vê-la partir.

Em meio a uma despedida melancólica, o duque tirou uma pedra translúcida meio avermelhada, pouco maior do que uma uva, entregou para a neta e disse com uma voz carregada de preocupação:

― Eu já te ensinei como usá-la. Se acontecer alguma coisa, use-a imediatamente.

― Aqui, leve este também. ― Calebe Griffon tirou outro cristal do bolso, só que este era prateado e achatado, como um espelho, apesar de possuir um formato irregular. – Se acontecer algo, quebre-o e eu irei te ajudar.

― Obrigada tio, vovô! ― agradeceu Serena, guardando as duas pedras em uma pequena bolsa de pano que ela tinha pendurada no pescoço, como se fosse um colar.

― Vocês se preocupam demais. ― A única que não parecia tão ansiosa com a perigosa jornada que se iniciaria em breve era a agradável mãe da garota, Aysha. ― Tenho certeza que se algo acontecer, o Tércio vai protegê-la. Não é, Tércio?

O rapaz que ouviu seu nome ser gritado de repente, não estava parado muito longe dos Griffon. Ele estava entretido em uma conversa com Arthur quando percebeu que alguém o chamava. Então, parou e olhou ao redor apenas para perceber que sua parceira de dança da noite passada o encarava com um enorme sorriso.

Como não tinha escutado muito bem o que Aysha havia dito, Tércio não respondeu de imediato. Mas o comentário seguinte, feito por Serena, não escapou de seus ouvidos agora atentos:

― Tem certeza que posso confiar nele? ― Ela olhou de lado para o seu guarda-costas e estreitou os olhos de uma maneira provocativa, porém representada por sérias dúvidas.

E apesar de ser compreensível o motivo de sua preocupação, Tércio ainda encarou aquilo como provocação.

― Está tudo bem, princesa. Se acontecer alguma coisa, eu te protejo! ― Ele levantou o dedo, fazendo sinal de positivo, e, com um sorriso malicioso, deu uma piscadela.

Aysha, que achava graça nas provocações do rapaz, cobriu a boca com delicadeza à medida que segurava uma risada divertida.

As bochechas de Serena ficaram levemente rosadas ao passo que franzia o cenho. Ela pensou em dar uma resposta ao engraçadinho. Mas depois de alguns instantes refletindo, percebeu que era melhor ignorá-lo. Então, soltou um “hunf”, e virou o rosto.

― Garoto, não se esqueça do nosso acordo ― disse o Duque Griffon com uma voz séria. ― Eu consegui as carruagens que você pediu.

― Eu só pedi uma ― retrucou Tércio, que entendeu bem o que ele estava querendo dizer. ― Mas, trato é trato... é... Como você se chama mesmo, vovô da cabeça branca? Ou seu nome é “duque”?

A pergunta despretensiosa do ex-prisioneiro causou certo espanto quando foi feita. Parecia absurdo demais alguém não saber o nome de uma das figuras mais influentes de todos os tempos.

Porém, aquilo provocou um sorriso divertido no mago de cabelo roxo, que exibiu suas rugas características e respondeu:

― Magus! Eu sou Magus Griffon.

Enquanto Tércio, Arthur e os Griffon conversavam, as gêmeas e Isaac despediam-se de suas famílias. E foi apenas depois de um caloroso “adeus” de todas as partes que os jovens aventureiros enfim declararam estarem prontos para encarar a jornada.

Os quatro que seriam escoltados até a academia entraram na carruagem dourada um após o outro. Os cavaleiros, trajados para uma batalha, montaram em seus respectivos cavalos. Parecia que tudo estava preparado para a viagem, exceto por um único detalhe...

Tércio se encontrava andando de um lado para o outro, procurando pelo animal que havia o trazido até esse lugar. Ele olhou em volta, em busca de uma montaria solitária, mas não encontrou nenhuma.

Ei, Enri! Onde está o meu cavalo?

― No celeiro! ― respondeu o Cavaleiro Real. ― Mas não precisa ir buscá-lo. Você irá na carruagem, junto à Srta. Serena.

Ahn? ― grunhiu Tércio, um tanto confuso. ― Do que você está falando? Eu não vou de carruagem.

― Vai, sim ― insistiu Enri. ― Você prometeu que iria proteger a Srta. Serena.

― Eu posso protegê-la enquanto ando a cavalo!

― A viagem é muito perigosa. Quanto mais perto dela estiver, mais seguro será!

― Mas...

Tércio estava para continuar o seu protesto, mas foi interrompido por Arthur, que se aproximou de peito estufado, montado em um cavalo enquanto mostrava um sorriso desdenhoso, como se estivesse se exibindo, e falou:

― Eu também acho que é melhor você ir na carruagem ― disse ele. ― Será mais seguro assim.

Tércio olhou para o seu suposto “líder” com uma cara que dizia: “ nem aí”; e disse de forma simples:

― Não!

― Que tal isso: se você for na carruagem, quando voltar para a academia, eu pedirei a Eliza um cavalo só para você. ― Bastava olhar para as narinas dilatadas e a expressão teimosa do ex-prisioneiro para perceber que ele não cederia. Por isso, Arthur decidiu tentar uma abordagem diferente.

E a estratégia pareceu funcionar, pois Tércio hesitou por um segundo, como se estivesse avaliando a proposta.

― Mas eu vou escolher. ― Por fim, percebeu que essa era uma oferta generosa.

Rendido, Tércio parou de insistir e foi até a carruagem. Quando entrou, foi muito bem recebido pelas gêmeas que aplaudiram em conjunto e foram logo pedindo para ouvir histórias de luta contra monstros.

E assim, com o comando de Enri, o grupo começou a se mover. Os parentes dos jovens, que estavam começando uma nova jornada, ficaram no pátio, acenando e desejando boa sorte enquanto a caravana se afastava.

Tércio, que resolveu ignorar as irmãs, sentou-se ao lado de Isaac e virou seu olhar para a janela. Via-se pela expressão em seu rosto que estava incrivelmente descontente. Mas não era para menos. Afinal, só pediu por uma carruagem ao duque para poder continuar viajando em seu cavalo. Contudo, isso acabou tendo o efeito oposto.

Mas o lado bom, era que agora poderia ganhar a sua própria montaria quando retornassem para a academia.

Não demorou muito e o grupo deixou as propriedades da família Griffon e vagaram lentamente rumo ao portão de saída da área nobre. Enri e os outros dois Cavaleiros Reais guiavam o grupo, seguidos pela carruagem dourada e as demais.

Fazia algum tempo que Tércio havia começado a tamborilar os dedos numa tentativa frustrada de tentar manter a calma. As gêmeas, Iris e Isis, que estavam sentadas uma de cada lado de Serena, de repente começaram a discutir, e desde então não pararam mais. O motivo era alguma coisa boba, sem qualquer importância.

― É por isso que eu não gosto de você, sua chata! Você vive me imitando ― dizia Iris.

― É você que fica me imitando! Você tem inveja porque eu tenho curvas mais salientes! ― protestou Isis.

Ahn, do que você está falando? Não se iluda. Você é só uma cópia!

― A única iludida aqui é você! ― vociferou Isis, que se exaltava cada vez mais. ― Eu sou muito mais bonita. Não sou, Isaac? ― E olhou o garoto sentado ao lado de Tércio.

― Não, eu sou a mais bonita. Não sou, Isaac? ― disse Iris, que também olhou para o pobre coitado com fervor.

Embora não fosse uma pessoa tímida, era difícil até mesmo para ele se manter alheio a essa situação. Por isso, Isaac deu um sorriso meio sem graça e com uma voz esganiçada, começou a gaguejar:

― É... Hm... Bem... ― De que forma ele poderia responder uma armadilha como essa? Mesmo Serena, que era a pessoa mais próxima das gêmeas, não sabia o que falar.

Entretanto, quando as coisas estavam ficando cada vez mais complicadas para o neto do conde, eis que surge um comentário infortúnio.

― Quem é a mais bonita? O reflexo ou a refletida? ― murmurou Tércio, revirando os olhos.

A resposta arrancou um sorriso discreto em Isaac, que ficou aliviado por alguém ter vindo em seu socorro. Mas gerou o efeito oposto nas gêmeas, que se sentiram indignadas.

― Mas que rude! Como ousa falar assim com a minha irmã?! ― vociferou Iris.

― Quem você pensa que é para falar assim com minha irmã? ― questionou Isis com um tom raivoso.

As duas se puseram de pé, quase batendo as cabeças no teto da carruagem, e apontaram o dedo para a cara de Tércio enquanto crocitavam.

― Vocês são realmente estranhas. ― Mas apesar da demonstração de fúria, o abusado não se sentiu nenhum pouco intimidado. ― Primeiro estavam brigando e agora estão se defendendo.

― Quem você está chamando de estranha? ― Iris e Isis falaram em uníssono.

Os olhos das gêmeas brilharam enraivecidos. Elas pareciam prontas para pular no pescoço do rapaz mal-educado.

― Não deem ouvidos a ele. ― Mas de repente Serena se intrometeu. ― Já ficou claro que esse menino não passa de um troglodita. Não vale a pena discutir com alguém assim. ― Seus olhos fitaram o guarda-costas, demonstrando um grande e crescente desprezo por suas atitudes.

Mas, de novo, aquilo não teve efeito em Tércio que apenas sorriu de leve e virou o rosto, voltando sua atenção para a paisagem do lado de fora.

― Você tem razão. É melhor não nos envolvermos com ele ― disse Iris, que voltou a se sentar ao lado da amiga.

― É, você está certa. É melhor ignorá-lo ― enfatizou Isis, ocupando o outro lado.

A partir daquele ponto, um clima estranho e desconfortável caiu sobre o interior da carruagem. Mas isso não foi de todo mal, pois Tércio enfim conseguiu um pouco de silêncio.

Mas, é claro, isso não durou muito tempo.

 


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