O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 48: Os protegidos

Em um canto do salão de festa havia um grupo de pessoas conversando de maneira bastante casual. Um deles era um homem de cabelo e bigode branco, bigode esse que pareciam mines chifres, apontando para cima. Aquele era o Conde Eurico. O outro, ao lado do conde, achava-se o Duque Griffon e próximo a eles se encontravam duas garotas que tinham a mesma aparência, desde os cabelos marrons, os olhos verde-claros e até a roupa que vestiam. E além dos já citados, também se notava um garoto, cabelo curto e olhar distraído, que não aparentava estar tão animado e nem envolvido com a conversa acontecendo.

Nesse momento, Tércio e Serena se aproximaram dos cinco com atitudes completamente opostas. O ex-prisioneiro agia como de costume e logo tratou de estudar os rostos dos estranhos que o acompanhariam durante a viagem de volta. Já ela, a anfitriã, mantinha uma expressão emburrada, deixando evidente que não desejava estar ali. Mas isso não durou muito tempo.

Quando viu os dois se aproximarem, o duque primeiro olhou para Tércio com curiosidade, lembrando-se do encontro que tiveram no dia anterior. E o garoto devolveu o olhar, encarando-o sem o menor sinal de submissão. Porém nenhum dos dois disse nada a respeito do assunto debatido no dia anterior.

― Serena, aconteceu alguma coisa? ― perguntou o avô com um sorriso gentil, mas que ainda assim foi rígido, devido a sua costumeira postura autoritária.

― Não. Eu só vim apresentá-lo ao Isaac e às gêmeas ― disse a neta, apontando de qualquer jeito para o rapaz a seguindo.

― Oh, então você veio conhecer meu neto! ― adiantou-se o Conde. ― A propósito, eu sou Anthony Eurico. Prazer em conhecê-lo! ― Gesticulou com a cabeça, executando um movimento simples. Seu olhar era gentil e caloroso. Logo se via que ele não era uma pessoa arrogante.

― Eu sou Tércio! ― respondeu o outro de forma direta.

― Entendo. Então você é quem vai proteger meu neto durante a viagem de amanhã. ― O conde esboçou um sorriso leve. ― Isaac, venha aqui! E vocês duas também. Tem alguém aqui que deseja conhecê-los.

Ouvindo o chamado de Eurico, as gêmeas e o garoto, que apesar de estarem na companhia dos dois estavam também isolados em sua própria confraternização reservada aos mais jovens, foram logo se aproximando.

Ah! Serena! ― Quando avistou a amiga, uma das gêmeas explodiu de empolgação e, num gesto impulsivo, pulou sobre a anfitriã e agarrou seu braço esquerdo em um gesto afetuoso. ― Onde você esteve? Depois do discurso você sumiu! ― reclamou, parecendo chateada.

A menina era um pouco mais baixa do que a neta do duque e possuía mechas menores, também. O cabelo anelado, em um tom marrom-acobreado, encostava em seus ombros, chegando a ser inferior que o de Tércio em algumas partes. E seus olhos eram castanhos-mel, tão claros que quase chegavam ao verde quando refletidos pela luz.

Sua pele possuía um matiz marcante, um moreno-escuro, que contrastava lindamente com seu vestido curto amarelo-claro. Nos pés, ela calçava sandálias bege e no pulso direito usava uma pulseira de prata composta por um cordão fino decorada com pingentes cinco de animais: urso, águia, gato, lobo, tubarão e serpente.

― Eu estava com a... ― Serena abriu a boca para dizer a amiga o motivo de tê-la evitado até o momento. Mas antes que terminasse, foi interrompida de maneira brusca.

Ei! O que você está fazendo, Iris? ― Protestou a outra gêmea, que, como foi dito antes, assemelhava-se a irmã em cada aspecto, incluindo nas indumentárias. ― Serena é a minha amiga, solte-a! ― ordenou. E logo em seguida agarrou o outro braço da neta do duque.

Ahn? Do que você está falando, Isis? Ela é minha amiga e não sua! ― Grunhiu Iris, que espichou o pescoço para lançar um olhar raivoso contra a irmã.

― Não é, não! Ela só te atura!

Sem saber como responder ― e por já estar acostumada a isso ― Serena ficou entre as duas com um sorriso sem graça no rosto enquanto olhava de uma para outra e era puxada feito uma corda em uma competição de cabo de força.

O que parou mesmo a discussão das gêmeas foi o duque, que pigarreou alto, de maneira nada discreta, indicando que não era o momento para aquele tipo de comportamento.

― Tércio, esse é o meu neto, Isaac. ― Tendo a oportunidade de falar, o conde não perdeu tempo e foi logo apresentando o bando animado. E essas são Iris e Isis Abner, filhas do Visconde Abner ― apresentou Eurico, que na hora de falar das garotas, preferiu não se arriscar ao apresentá-las separadamente. ― E esse ― olhou para o neto e as gêmeas ― é o Tércio. Ele faz parte da Equipe de Subjugação da Academia Elefthería e os protegerá durante a viagem.

Assim que as apresentações terminaram, os três olharam para Tércio com grande curiosidade.

Isaac, um rapaz bem-apessoado, cujo cabelo era raspado nas laterais e atrás, e no topo ficava um vaidoso topete, estudou o seu jovem guarda-costas de maneira atenta. Seus olhos escuros passaram por suas roupas amarrotadas, depois estudou seu cabelo bagunçado. Mas o que de fato prendeu sua atenção foram as cicatrizes de cortes na bochecha e o que parecia o vestígio de uma queimadura no queixo.

Porém, diferente do amigo que preferiu avaliar o protetor antes de acrescentar algo, as gêmeas foram um pouco mais espontâneas.

Arrastando Serena pelos braços, como se fosse um brinquedo, elas se aproximaram de Tércio com olhares cheios de interesse e, sem o menor traço de discrição, deram início a uma série de perguntas.

― Quantos anos você tem?

― De que família você veio?

― Onde você mora?

― Há quanto tempo você faz parte da Equipe de Subjugação?

― Você já beijou uma garota?

― E um garoto?

Como se fosse um coro, as duas atacaram Tércio com uma sincronia perfeita, de modo que parecia que apenas uma delas estava falando.

O ex-condenado, por sua vez, escutou tudo com extrema atenção e como não se importava em responder, foi logo falando:

― Eu tenho quatorze anos e não vim de uma família nobre, se é isso que querem saber. Nasci na vila Tenet e só entrei na Equipe de Subjugação há algumas semanas.

Quando ele falou que tinha quatorze anos, Serena, que até então possuía uma expressão de desinteresse, enfim esboçou uma nova reação ao encará-lo com traços de surpresa em seu rosto.

Não é que ele aparentasse ser mais velho e de fato tinha ouvido sua mãe comentar sobre isso antes. Mas pensou ser uma brincadeira, pois entrar para a Equipe de Subjugação era muito difícil, já que o trabalho era perigoso. Por isso, a maioria dos alunos que costumavam ser aceito nesse grupo estavam no terceiro e, às vezes, no segundo ano de academia. Porém, o rapaz que iria “especialmente” protegê-la havia conseguido isso antes mesmo das aulas começarem.

Serena não era a única que estava surpresa. Isaac e as gêmeas tinham a mesma expressão.

― Incrível! Apesar de ter a nossa idade, você já entrou na Equipe de Subjugação! ― disse Iris, admirada.

― Incrível! Eu ouvi dizer que só os mais fortes fazem parte da Equipe de Subjugação! ― exclamou Isis, estupefata.

― Então você deve ser muito forte, não é? ― questionou Iris, cheia de expectativas.

― Mas é claro que ele é forte! Não é? ― debochou Isis, empinando o nariz de forma a mostrar a sua irmã que ela era mais esperta.

E dessa forma, com essa pequena provocação, as duas voltaram a discutir sobre quem era a mais amiga, a mais inteligente e a mais bonita.

E enquanto elas brigavam, Isaac, que decidiu estudar outra vez o ex-condenado, resolveu fazer a própria pergunta:

― Já enfrentou algum monstro?

― Ahn... Ah, claro. ― Porém, Tércio não deu muita atenção a ele, pois a situação das gêmeas parecia mais divertida. Foi por isso que o desavergonhado começou a incitar as duas a discutirem ainda mais, soltando alguns comentários maldosos, provocando-as propositalmente.

E Serena, que estava entre elas, percebendo o que ele estava fazendo, se viu na obrigação de repreendê-lo.

Tércio continuou a conversar com Iris, Isis e os outros, por um tempo. As gêmeas foram as que mais falaram, fazendo um interrogatório sem fim. E ele respondeu a todas as perguntas, independentemente do quão invasivas elas pareciam. O Duque Griffon não disse muita coisa, mas escutou tudo, assim como o Conde Eurico.

Quando enfim voltou para a sua mesa, Aysha o recebeu com um sorriso no rosto. Serena não tinha voltado junto a ele, mas a mãe nem se deu ao trabalho de perguntar o motivo, pois já sabia a resposta.

Outra pessoa que estava na mesa era Calebe. Depois de cumprimentar alguns conhecidos, ele voltou a se juntar a sua cunhada. Além dele também se encontravam Arthur e Enri. O último, ao longo da festa começou a se sentir um pouco mais confortável. Tanto é que se aventurou entre os convidados e conseguiu, de fato, estabelecer contato com alguns nobres. Mas o nervosismo ainda persistia.

Quando Tércio sentou-se à mesa, Cale não pôde deixar de provocá-lo um pouco.

Oh! Você parece bem melhor, considerando que há algum tempo atrás mal conseguia andar. Parecia um rato que comeu um coelho e não conseguia sequer respirar.

― Sim! Estou pronto para comer mais um bolo. ― Mas Tércio não era bobo e provocou de volta com um sorriso travesso.

Ei! Não se esqueça que você prometeu me levar na próxima ― lembrou Aysha que decidiu entrar na brincadeira.

E, com isso, o grupo na mesa deu início a conversa divertida, protagonizada pelas piadas e histórias exageradas de Arthur. Enquanto Enri, de vez em quando, gaguejava algumas palavras.

Em certo momento da festa, quando se encontrava perto, o Cavaleiro Real sugeriu ao grupo voltar para o quarto, para que eles pudessem dormir mais cedo, já que no dia seguinte teriam que acordar logo pela manhã. Mas isso foi imediatamente recusado por Tércio. Mesmo que a festa não estivesse lá grandes coisas, ainda assim estava divertido conversar com Aysha e Calebe.

A festa aos poucos foi chegando ao fim. O Duque Griffon disse algumas palavras como encerramento e logo depois os convidados que permaneceram no salão foram levados para os quartos em que passariam a noite.

Após o encerramento, ainda no salão, Tércio se despediu de Aysha e Calebe. Até mesmo o duque veio para desejar uma “boa noite”. Até mesmo Serena foi se despedir, pois se passariam alguns dias juntos, preferia que a relação entre eles fosse agradável.

Depois disso, os três enviados pela academia enfim decidiram que era o momento de se retirar e juntos traçaram o caminho de volta para os seus respectivos quartos.

Quando deitou na cama ―sem os sapatos ―, esticou as pernas e os braços, de forma a ficar mais à vontade possível, mas ainda assim sobrou espaço para se espichar um pouco mais, Tércio não se deu ao trabalho de pegar um cobertor ou algo do tipo. E daquela forma, ainda vestindo a túnica e com a barriga para cima, passou a noite.

Na manhã seguinte, ele foi acordado por uma voz gentil, que o chamava através da porta.

― Você já está acordado? ― Embora usasse um tom suave, a pessoa do outro lado passava certa firmeza.

E apesar de ainda estar sonolento, Tércio não precisou de esforço para reconhecer a voz como sendo da empregada Mia, a qual havia lhe ajudado a arrumar o cabelo na noite passada.

― Agora estou ― balbuciou o rapaz sonolento, esforçando-se para erguer o corpo, que se recusava a levantar. ― Pode entrar!

Sem se preocupar com discrição, já que havia recebido permissão para ser direta, Mia empurrou a porta do quarto e entrou. Em seus braços havia uma bandeja de prata contendo algumas frutas, um pedaço de pão, uma generosa fatia de bolo de milho e uma jarra de suco de morango silvestre.

― Eu te acordei, foi? ― Ela olhou para o garoto se arrastando pela cama, com a cara inchada e amassada, e percebeu que tinha chegado em um momento inconveniente. Mas nem por isso se desculpou.

― Não, está tudo bem!

― Seu amigo, o Cavaleiro, me pediu para trazer o seu café da manhã. ― Mia colocou a bandeja de prata sobre a mesinha que ficava em um canto do quarto e logo começou a organizar a refeição.

Depois que estava tudo pronto, ela lançou mais um olhar para Tércio, que se espreguiçava sentado na beira do colchão, e falou:

― Já está pronto. É melhor se apressar.

― Obrigado! ― disse Tércio, que caminhou até a mesa, puxou uma cadeira e se sentou. ― Você não vai comer?

― Não, eu já me servi mais cedo.

― Já que é assim... ― Essa foi a deixa para que ele devorasse tudo o que havia ali.

Após terminar de comer e Mia deixar o quarto, Tércio começou a guardar suas coisas. Ele tirou o manto cor de vinho, jogou-o de qualquer jeito dentro da bolsa de pano, vestiu seu uniforme preto e dourado, calçou os sapatos que não tinham cadarços, e saiu do quarto, carregando sua bolsa nas costas.

Depois de deixar a acomodação, a primeira coisa que fez foi bater na porta ao lado, que era onde Enri deveria estar, mas ninguém respondeu. Em seguida, procurou Arthur, mas outra vez não houve resposta.

Após algum tempo ponderando sobre o que deveria fazer, Tércio decidiu buscar por ajuda e quem ele encontrou foi o mordomo Émile.

― Se você está procurando pelos Srs. Arthur e Enri, os dois já deixaram o castelo, e estão no pátio se preparando para a viagem ― informou com a mesma postura elegante de sempre.

Tércio não se surpreendeu ao descobrir que os dois já estavam preparando as coisas para a jornada que enfrentariam. Afinal, na festa da noite passada, o Cavaleiro Real ficou bastante preocupado em dormir cedo para que pudessem acordar mais cedo ainda.

Como não se lembrava onde ficava a saída, ele pediu a Émile para ajudá-lo. E o mordomo, de boa vontade, atendeu ao seu pedido.

Em um pátio próximo ao castelo, um grupo de homens vestidos com armaduras se moviam de um lado para o outro, carregando bolsas, malas e caixas. Os cavalos dos cavaleiros estavam amarrados em um canto, e as carruagens eram preenchidas com alimentos e bagagens.

O Duque Griffon, atendendo ao pedido de Tércio, havia disponibilizado três carruagens: as duas que seriam usadas para transportar os suprimentos e as bagagens eram veículos simples, como as usadas por comerciantes.

Mas a que serviria para transportar Serena, Isaac e as gêmeas, era folheada a ouro, com um imponente Grifo entalhado nas portas laterais.

Enri se encontrava em um canto, acompanhado por dois homens estranhos e fortes, cujos corpos se destacavam apesar da armadura pesada que vestiam. Eles estavam montando a formação que usariam durante a viagem. E Arthur, a despeito de sua conduta pouco participativa na viagem até aqui, ajudava os outros cavaleiros a organizar as coisas.

Embora ainda permanecesse com o braço esquerdo enfaixado, já que fraturas não se curam assim tão rápido, Enri vestia uma armadura nova, mas que era exatamente igual à que foi quebrada pelo Varcolac. Em sua cintura também se notava uma nova espada.

Mesmo estando ferido, ele participaria de todas as formas da escolta.

Quando Tércio chegou ao pátio, onde todos se encontravam, ele foi de imediato se encontrar com o líder que lhe daria as ordens enquanto permanecesse na Equipe de Subjugação, que carregava uma caixa de madeira até uma das carruagens.

― Você parece estar animado ― comentou o ex-condenado.

― Eu não tenho escolha. Se encontrarmos outro Varcolac no caminho, estaremos com problemas ― lembrou Arthur enquanto jogava a caixa dentro da carruagem.

― Onde estão os outros?

― Você está falando dos “passageiros”. Não faço ideia.

Após jogar sua bolsa para dentro de um veículo qualquer, Tércio olhou em volta e reparou que o número de cavaleiros havia aumentado de forma significativa e nem todos pareciam estar ali para ajudar com a bagagem.

Curioso, ele perguntou:

― Quem são essas pessoas?

― Além das carruagens e dos suprimentos, o Duque também nos forneceu alguns soldados ― respondeu Arthur, parando as atividades por um segundo.

― Então acho que não teremos problemas para voltar ― comentou Tércio, olhando em volta.

― Assim espero. ― respondeu Arthur, balançando a cabeça sem muita convicção. ― A maioria são Cavaleiros Baixos, mas atuam diretamente sob o comando do duque. E aqueles dois ali... ― apontou para os homens ajudando Enri a montar a formação ― eles sim, são de grande ajuda.

― Quem são? ― quis saber Tércio.

Um dos homens parecia ser tão velho quanto o duque. Seu cabelo negro era tingido por um tom grisalho nas pontas, formando uma faixa branca na base da cabeça. Mas seu corpo era robusto, como o de um guerreiro experiente que não foi afetado pelo avanço da idade. O outro era um pouco mais jovem que Enri e mais alto também. Porém, fora isso, não existiam muitas características que o distinguiam.

Ambos usavam armaduras idênticas às de Enri; prateadas com linhas douradas e o desenho de um Grifo no peito.

― Eles são Cavaleiros Reais. O mais novo é o Bernardo. Eu não sei muita coisa dele, mas ouvi dizer que é bem forte. E o de cabelo grisalho é o Darlan. Dizem que ele é um dos Cavaleiros Reais mais fortes do Duque Griffon. O Enri nem se compara ― informou o rapaz portando duas adagas na cintura em tom baixo, para não correr o risco de ser escutado.

Quando chegou ao pátio, para ajudar a arrumar as coisas para a viagem, e viu aquelas pessoas estranhas, Arthur saiu perguntando aos cavaleiros de Elefthería sobre aquelas pessoas desconhecidas, e foi Darwin que lhe contou tudo. Por isso sabia tanto.

― Dois Cavaleiros Reais. Espero que eles sejam fortes de verdade ― comentou Tércio. ― Assim não vou ter que fazer nada.

― Anda. Venha me ajudar a arrumar as coisas. ― Arthur deu um tapa de leve no ombro do colega e saiu para pegar mais uma caixa.

E Tércio não reclamou quando o seguiu...

 


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