O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 43: Mesa ocupada

Comumente usado em ocasiões especiais, o salão de festa havia sido reservado para um grande evento que em breve se iniciaria. A despedida da neta do Duque Griffon marcava uma data importante para a família atenciosa, que embora desejasse sucesso na trajetória da adolescente, também estava apreensiva por se separar da jovem pela primeira vez.

Para os Griffon, esse não era um evento apenas para se despedir. A comemoração serviria para prepará-los para a inevitável despedida.

O salão de festa tinha sido decorado com muita dedicação pelos empregados, que não mediram esforços para tornar o lugar sofisticado e a altura de receber figuras tão ilustres.

Dezenas de mesas redondas, cobertas com toalhas prateadas de fios de seda, preenchiam o salão. E sobre elas, taças de cristais e talheres de ouro cintilavam à luz das Claritas amareladas que mergulhavam o ambiente em um manto áureo e refinado.

No fundo do salão, uma enorme bandeira roxa com o símbolo dos Griffon, tremeluzia ocasionalmente, repleto de audácia e imponência. O Grifo dourado estampado nela passava uma sensação de poder e soberania, mantendo o peito estufado, a cabeça erguida e o olhar indomável.

O duque, aquele que verdadeiramente carregava o título, assim como sua neta, ainda não havia chegado, mas o salão já estava preenchido com dezenas de pessoas. Alguns eram Griffon também e outros eram conhecidos e amigos.

Mas mesmo que a neta do duque ainda não tenha se apresentado, um clima festivo e elegante pairava no ar.

Nesse momento, Tércio e os outros enfim chegaram ao salão de festa.

Chegar até aqui não foi nenhum problema, afinal Enri tinha decorado o caminho com perfeição. A principal dificuldade, pelo menos para alguns, foi controlar o nervosismo.

Quando entraram no salão, Tércio parecia ser o mais à vontade do bando. Ele avançou despreocupado pelo piso de mármore enquanto olhava de um lado para o outro. E logo identificou a mesa do bufê, a única parte da festa que tinha seu interesse.

Arthur, por outro lado, mostrava-se um tanto agitado. Um comportamento bastante raro, já que o sujeito que no geral usava bermudas largas e camisa de número maior era uma pessoa despretensiosa. Contudo, o mais nervoso era Enri.

Apesar de ser o mais velho, o Cavaleiro Real era o que mostrava estar mais ansioso. Ele entrou no salão de festas com uma postura dura e a todo o momento ajeitava suas vestes de uma maneira incômoda, como se tivesse formiguinhas passeando pelo seu corpo. Não seria exagero dizer que ele se sentia sufocado, tomado por incertezas e medo.

O sujeito de cabelo amarelo não podia fazer nada quanto a esse nervosismo, pois apesar de trabalhar para o duque há anos, essa seria a primeira vez que participaria de um evento tão grandioso. E o mais importante, tinha sido convidado pelo próprio “Protetor de Aurora”, o homem que mais admirava.

Enri ajeitou suas vestes outra vez. Olhou apreensivo para os lados e falou:

― Talvez... O que acham de primeiro procurarmos uma mesa? ― balbuciou sem confiança.

― Essa é uma boa ideia ― disse Arthur em aprovação.

― Ali tem uma vazia. ― Tércio apontou para uma mesa que se encontrava no centro do salão e que se destacava por possuir mais cadeiras que as demais. E então, antes de receber a aprovação dos colegas, ele avançou em direção a ela.

Entretanto, diferente do que a “Besta de Fogo” havia falado, o lugar não estava vazio, pois havia duas pessoas ocupando alguns dos assentos.

Uma delas era uma mulher elegante e graciosa, de estatura mediana e aparência jovial. Ela possuía olhos azuis que se destacavam mesmo à distância, como se possuíssem brilho próprio. Seu vestido verde-claro ― feito de um tecido leve e cravejado com pequenos cristais ―, cobria até mesmo seus pés, de modo que tornava impossível dizer qual sapato estava usando. E seus longos cabelos pareciam fios de ouro desbotados caídos sobre os ombros.

O outro era um homem de feições simpáticas que aparentava ter por volta dos vinte e oito anos de idade (talvez, um pouco mais velho). Usava um manto branco, com linhas prateadas. E seu cabelo curto era de um roxo profundo.

O homem e a mulher não estavam sentados próximo um do outro, de modo que parecia existir pouca intimidade entre os dois. Mas apesar disso, eles dispunham de uma conversa animada, já que vez ou outra a mulher cobria a boca para não rir muito alto.

Se Tércio tivesse parado um segundo para olhar com mais atenção para aquelas pessoas, teria reparado que a estranha de sorriso acolhedor não lhe era tão estranha assim. Ela era a pessoa que ele encontrou enquanto explorava a área reservada para a família Griffon.

No entanto, o desatento jovem de quatorze anos sequer olhou uma segunda vez para ela ou seu companheiro quando caminhou decidido em direção a mesa.

Arthur não recusou a ideia do colega e logo o seguiu. Mas Enri, que ficou para trás, experimentou uma mudança súbita de postura à medida que seu rosto ficou pálido. Quando viu o homem de cabelo roxo, foi tomado por medo e respeito.

Ao perceber quem era aquela pessoa, ele correu atrás dos garotos desatentos e tentou parar os dois, mas já era tarde demais.

Quando chegou à mesa, Tércio puxou uma cadeira e se sentou. Não pediu licença ou se apresentou, apenas se acomodou, como se o assento tivesse sido reservado para sua pessoa.

― Esse lugar está vago? ― Em contrapartida ao mal-educado, Arthur seguiu a etiqueta ao perguntar da disponibilidade. Mas seu gesto educado não foi muito além disso, já que, antes de receber uma resposta, ele se jogou na cadeira.

O atrevimento dos garotos deixou o homem e a mulher momentaneamente surpresos e confusos. Os dois se entreolharam por um instante, questionando o que estava acontecendo. Algo similar aconteceu com as pessoas ao redor que ficaram desorientadas ao perceber que o rosto daquelas crianças lhes eram desconhecidos. E isso fez surgir diversos questionamentos.

― Quem são eles?

― Será que são convidados importantes?

― Eu nunca os vi antes? E você?

Comentários como esses logo se espalharam pelo grande salão. Todos queriam saber quem eram os garotos abusados que se atreveram a se apoderar de dois assentos destinados a outras pessoas.

― Desculpe-me, mas nós nos conhecemos? ― perguntou o homem de cabelo roxo com uma expressão séria.

― Não! ― respondeu Tércio com a máxima sinceridade.

Ah! Você é aquele garoto que enganou os guardas e colocou fogo em uma planta! ― A estranha de olhos azuis se lembrou. Não era comum ver um desconhecido andando pela ala da família como aconteceu naquele dia e por isso a imagem do rosto repleto de cicatrizes do rapaz ficou marcado em sua mente.

Hm... Ah! Você é a mulher bonita ― disse Tércio ao enfim reconhecê-la.

― Obrigado pelo elogio. ― Ela retribuiu com um sorriso simpático.

― Você colocou fogo em uma planta? ― Sentado ao lado do companheiro de equipe, Arthur mirou o novato com descrença. Mesmo ele não teria coragem de fazer algo tão ousado e imprudente.

― Que escolha eu tinha? Eu queria explorar o castelo, mas aqueles caras não iam me passar. ― E apesar de ser esperado arrependimento ou algum constrangimento por parte do ex-condenado, tudo o que ele fez foi dar de ombros enquanto se justificava.

Se um dos líderes da Equipe de Subjugação ainda tinha alguma dúvida, tal descoberta serviu para esclarecer todas as suas suspeitas. A diretora Eliza havia colocado alguém problemático em seu grupo. Apenas um louco teria coragem de fazer algo tão drástico na residência de um nobre, afinal.

― Só que ― Tércio olhou para a desconhecida em sua frente ― aquele encontro me deixou apavorado ― confessou conforme abria um sorriso divertido. ― Podia jurar que você ia chamar os guardas.

― Mas eu chamei. ― Ela admitiu, devolvendo o sorriso.

― Você invadiu a ala familiar? ― Diferente da bela que mantinha uma expressão calma e amigável, o homem assumiu um semblante severo e encarou o garoto atrevido.

A postura hostil do sujeito deixou Arthur um tanto alerta. A atitude do colega poderia ser encarada como uma afronta e uma infração grave. Mesmo depois do ocorrido, não apenas o “criminoso”, mas seus companheiros também poderiam ser punidos.

Era de se esperar que todas as partes se tornassem um pouco mais prudentes, mas Tércio não era uma pessoa prudente.

― Entrei nos quartos. Rolei nas camas. Foi muito divertido. ― Sua resposta não poderia ter sido pior. Pois além de confirmar a infração cometida, ainda continha indícios de situações mais graves. Sem falar que seu tom era de desafio. Não apresentava um único traço de arrependimento.

Quando viu a atitude descarada de Tércio, o homem de cabelos roxos ficou roxo de raiva. Ele não podia acreditar no quão abusado era esse garoto.

Por outro lado:

― He! He! Que garoto interessante. ― A resposta provocativa divertiu a mulher de olhos azuis.

Mas não teve o mesmo efeito em seu parceiro, que franziu o cenho e exprimiu um semblante desgostoso. A severidade em seu rosto se tornou ainda mais notável à medida que rugas tomavam conta de sua testa. Parecia que estava se preparando para dar uma bronca merecida no menino. Porém, antes que abrisse a boca, outra pessoa o interrompeu.

―Tércio! Arthur! O que vocês estão fazendo?! Levantem-se! Não está vendo que esta é a mesa da família Griffon? ― Atrasado por causa do choque inicial, Enri chegou eufórico na mesa e logo tratou de repreender os companheiros.

Quando viu as pessoas que estavam sentadas no lugar escolhido pelo novo membro da Equipe de Subjugação, o Cavaleiro Real foi tomado pelo choque e medo. Pois apesar da grande benevolência do duque e de sua família, conhecida em todo o reino, certas atitudes não podem ser perdoadas. Por isso decidiu agir com a máxima rudeza a fim de prevenir que algo desastroso acontecesse.

E aquele homem de cabelo roxo ocupando um dos assentos, não era ninguém menos do que o segundo filho do duque, Calebe Griffon. Atual herdeiro da família e um poderoso Cavaleiro de Palavras Encantadas.

A mulher era desconhecida para Enri, mas se ela estava ali, junto a tal pessoa, com toda a certeza não era alguém a ser desprezada.

A chegada do Cavaleiro Real poderia ter esquentado os ânimos e incentivado Calebe a ser mais severo. Mas o efeito que sua gritaria teve foi o oposto. Algo que ficou evidente pela expressão do segundo filho do duque que se tornou mais branda e tolerante.

Já Tércio, que estava calmo desde o começo, quando ouviu a bronca, apenas falou:

– Sim. Eu sei! Já percebi.

― Então se apresse e levante! Esse não é um lugar para pessoas como nós ― enfatizou Enri em tom de desespero.

Porém, contrariando o dedicado cavaleiro, Tércio continuou sentado com a mesma postura descompromissada.

― Relaxe cara ― falou, dando de ombros. ― Eles são só pessoas, igual a gente.

Diferente do mais velho do grupo, Arthur era outro que manteve a postura controlada. No começou não percebeu, mas não demorou muito tempo para entender que estava ao lado de integrantes dos Griffon.

Mas apesar da calma apresentada pelos colegas, Enri não conseguiu se tranquilizar.

― Vocês dois... Não sejam tão rud...

― O seu amigo tem razão. Não há porque ser tão apreensivo. Junte-se a nós. ― Antes que pudesse terminar de dar sua bronca, o cavaleiro com um braço quebrado foi interrompido pela gentil mulher de olhos azuis.

― Eu não poderia. Sou apenas um plebeu. ― Enri abaixou a cabeça em um gesto de submissão.

― Há oito cadeiras nessa mesa e faltam apenas o meu pai e minha sobrinha para se juntar a nós. Não se preocupe com coisas tão insignificantes como plebeus e nobres e se sente. ― Calebe, que até agora a pouco parecia muito irritado, resolveu estender o convite. – Apesar de ele ser muito rude, o menino tem razão. Você deveria relaxar um pouco.

― Eu não sou rude ― Tércio de repente se viu obrigado a se defender. ― Só falo o que quero e quando quero.

― Por isso que é rude ― retrucou Calebe.

― A propósito, eu ainda não me apresentei, não é? ― disse a bela de olhos azuis, intrometendo-se no meio do que parecia ser o começo de uma nova discussão. ― A propósito, eu ainda não me apresentei. Meu nome é Aysha Griffon! Eu sou a mãe de Serena.

 


Nota de Autor

Passando aqui para desejar meus mais sinceros Feliz Ano Novo (adiantado) a todos. E também meu agradecimento a: 

Marcelo Kuchar

Emily Silva

César

O apoio de vocês faz toda a diferença! Muito Obrigado não apenas a ele, mas a todos que apoiam meu trabalho.

O capítulo de hoje foi um pouco menor, mas não se preocupem que amanhã teremos mais um, para comemorar o ano novo.



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