volume 1
Capítulo 42: Mascado
― Acha que consegue prender meu cabelo? ― Tércio juntou o cabelo com as mãos, fazendo uma “bola” na parte de trás da cabeça para demonstrar como queria que ficasse.
― Isso é fácil ― disse Mia com confiança. ― Mas... ― A jovem empregada fez uma pausa dramática e olhou de cima a baixo para o garoto em sua frente. ― Não acha que seria melhor tomar um banho primeiro?
― Estou tão fedendo assim? ― Tércio levantou o braço direito e, sem discrição nenhuma, deu uma fungada.
A atitude pouco higiênica e desavergonhada do rapaz fez Mia abrir um sorriso à medida que balançava a cabeça, impressionada com a falta de discernimento do garoto. A maioria ficaria constrangida e até mesmo pediria desculpas pelo ocorrido.
― Não falei nesse sentido ― disse ela. ― Se eu fizer o que está pedindo, não poderá tomar banho depois que eu arrumar seu cabelo. Senão vai atrapalhar tudo. Anda! Eu vou te mostrar aonde pode tomar banho.
Terminando de dizer isso, ela ― agindo como se estivesse decidido ― caminhou até a porta do quarto e a abriu. Mas antes de sair, acrescentou:
― Leva um conjunto para poder se trocar.
Tércio sequer teve a oportunidade de discordar ou apresentar uma proposta diferente, já que Mia deixou o quarto confiante de que seria seguida. E ele, sem muita escolha, pegou um par do uniforme da Equipe de Subjugação que estava mais ou menos limpo e saiu logo em seguida.
Enquanto rumavam em direção a sala de banho, a empregada pediu para que o jovem se apressasse. Segundo ela, o lugar estava vazio, mas ele não fosse rápido, seria obrigado a dividir o recinto com outros hóspedes. Além do mais, quanto antes terminasse de se banhar, mais rápido acabaria de se preparar.
Tércio, por sua vez, concordou com a sugestão e passou a andar de uma maneira mais vigorosa. É claro que não se importaria em ter companhia, mas se Mia não fosse tão habilidosa quanto afirmava ser, levaria algum tempo para chegar ao visual desejado.
Após uma breve caminhada, os dois enfim chegaram em frente a um portal de madeira em forma de arco, que se encontrava no térreo, do lado esquerdo de um amplo salão oval.
De acordo com a empregada, do outro lado do portal ficava a sala de banho. E lá ele encontraria tudo o que precisava, como sabonetes, toalhas e um armário para deixar as roupas.
Aquilo foi toda a informação que Tércio precisava e por isso se preparou para entrar no recinto. Mas antes disso, ele se virou e perguntou:
― Vai ficar esperando aqui?
― Não! ― Ela balançou a cabeça. ― Vou esperar no seu quarto. Mas não demore muito. ― E assim, dando o assunto por encerrado, ela se virou e partiu, deixando Tércio sozinho.
A sala de banho estava mais para um “salão” redondo com mais de cinco metros de altura e vinte de diâmetro. Era tão grande que chamá-la de exagerada era ser modesto. E no centro, cercada por uma parede baixa toda azulejada, ficava uma gigantesca banheira que saltava para fora do chão e cujo acesso se dava por uma escada de madeira que cercava toda a sua extensão.
Quando Tércio entrou no salão de banho, a primeira coisa que pensou foi em sabonete e bolhas. No entanto, ele se surpreendeu quando viu que a água da banheira já estava completamente coberta por espuma e bolhas coloridas.
Sem perder tempo, o menino coberto por cicatrizes, que já havia deixado suas roupas em uma sala adjacente, atirou-se para dentro do recipiente como se estivesse pulando em um lago.
Apesar de ter ido até ali para se banhar, obviamente ele dedicou mais tempo para a diversão, que se deu por nado de costas, borboleta e alguns mergulhos. A água estava tão confortável e agradável que sem querer ficou lá por mais tempo do que desejava. Até por fim perceber o erro e sair correndo de volta para o quarto.
Quando deixou o salão de banho, Tércio atravessou os compridos corredores a passos largos, temeroso que mia pudesse ter partido. Suas roupas sujas estavam emboladas embaixo do braço e ele arrastava os pés descalços pelo piso frio.
Quando chegou no lugar em que estava hospedado, reparou que a porta do aposento se encontrava entreaberta. E do lado de dentro, sentada em uma cadeira, Mia esperava com uma expressão entediada, soltando suspiros e roendo as unhas por não ter o que fazer. No instante em que viu o garoto entrar, ela se colocou de pé.
― Até que enfim? ― Abriu os braços de uma maneira dramática. ― O que aconteceu? Esqueceu o caminho de volta?
― Eu acabei me distraindo ― confessou Tércio, que preferiu não falar das bolhas ou espuma.
Pela expressão em seu rosto, era evidente que ela estava um tanto impaciente. Mas nem por isso escolheu ser severa.
― Venha, sente-se ali ― apontou para um assento que se encontrava em frente a penteadeira. ― Eu preciso voltar para ajudar o mordomo chefe nos preparativos.
Tércio entendia que ela e os outros funcionários tinham muita coisa para fazer, ainda mais levando em consideração o quão repentino foi a decisão de fazer uma festa. Por isso, decidiu se comportar e fazer como havia sido pedido.
Ele jogou a trouxa de roupa que carregava nos braços em um canto qualquer e foi até o móvel que era feito de uma madeira robusta e possuía um espelho oval no centro, além de uma mesinha para colocar pente e essas coisas.
― E então, como é mesmo que você quer que eu penteie seu cabelo? ― perguntou ela, encarando o garoto de olhos castanhos através do espelho.
― Eu não sei o nome, mas é algo como enrolar o cabelo, tipo assim... ― E mais uma vez ele juntou as mechas com as duas mãos e fez uma bola sobre a cabeça.
― Ah, isso é um coque! ― A empregada logo reconheceu o penteado.
― Você sabe o que é? Consegue fazer?
― Claro! É bem fácil. ― Mia colocou as mãos sobre os ombros de Tércio e, antes de começar, falou: ― Não se mexa muito.
Após isso, ela juntou os fios pretos e levemente molhados e puxou tudo para o alto, esticando a pele do garoto no processo que sentiu parte da dor no couro cabeludo voltar. Mesmo assim, ele se limitou a apenas fazer uma careta discreta.
Em seguida, a empregada paciente dividiu o cabelo do rapaz em duas grandes mechas. Puxou para um lado, depois para o outro avaliando o que precisava fazer. E depois de alguns instantes, largou as mechas e colocou as mãos sobre a cintura conforme uma expressão estranha tomava conta de seu rosto.
― Pelos céus! O que aconteceu aqui? ― grunhiu com estranheza. ― Por um acaso uma vaca confundiu sua cabeça com capim? Está tudo mastigado. Umas partes maiores do que as outras.
E nesse momento, uma rara expressão de constrangimento se formou no rosto do ex-prisioneiro, que falou:
― Eu me machuquei há algum tempo e ele cresceu assim. ― Percebia-se pelo tom de voz que ele se sentia desconfortável. ― Mas depois que crescer de novo, vai ficar igual era antes.
Mia entendeu que sem querer tinha falado de uma coisa delicada. Por isso, evitou fazer outra piada e apenas disse:
― Bem, ainda dá para fazer o que você quer.
Ela mais uma vez juntou tudo e começou os preparativos para fazer o coque. Diferente de Sophia, a empregada tinha uma delicada e se preocupou em não ser muito rude.
Demonstrando que sabia o que estava fazendo, apesar do desafio, ela enrolou os fios menores de uma maneira que ficaram presos pelos maiores. Em seguida, juntou tudo e fez um grande bolo sobre a cabeça de Tércio. E tudo isso sem usar fitas ou outros recursos para tornar o trabalho mais fácil.
No fim, o garoto de cabelo mascado olhou impressionado para o espelho.
― Oh, ficou muito bom! ― elogiou Tércio com sinceridade enquanto passava a mão na cabeça. O coque feito pela empregada era quase igual ao de Sophia. Na verdade, estava até um pouco mais bonito.
― Eu falei que era boa nisso. ― Mia exibiu um sorriso confiante. ― Posso não ter cabelo grande para esse tipo de coisa, mas tenho muita experiência. E então, é só isso que você queria? Se for, eu vou me retirar agora.
Tércio agradeceu pela ajuda, mas continuou sentado em frente à penteadeira. Estava admirando o resultado final.
Por outro lado, Mia estava com pressa e por isso saiu a passos largos sem agradecer de maneira apropriada.
Como ainda faltava muito tempo até o início da festa, Tércio não teve pressa ao vestir as roupas que havia escolhido para celebrar à noite. Ele se deitou na cama, de uma forma que não atrapalhasse seu cabelo e assim esperou o tempo passar.
Foi só quando o brilho do sol começou a ganhar uma cor alaranjada que ele vestiu sua túnica cor de vinho. Não tinha certeza da hora exata que a festa começaria, mas sabia que seria ao anoitecer.
Tércio rapidamente se aprontou. E já que o seu penteado foi feito por Mia, o resto foi bem fácil de terminar, afinal era só vestir algumas roupas e calçar um sapato sem cordinhas.
Depois disso, pensou que seria melhor sair para procurar em que parte da gigantesca mansão aconteceria a celebração. Afinal tinha muitos lugares para procurar.
Porém, para sua sorte, quando deixou o quarto, ele se deparou com Arthur, que também parecia pronto para começar a comemorar.
― Ah! Você também já está pronto! ― disse o garoto que liderava um dos grupos da Equipe de Subjugação ao ver o companheiro.
Arthur estava vestindo uma elegante camisa preta e um extravagante manto dourado. Aquelas eram vestes verdadeiramente espalhafatosas e belas, tanto é que, confundi-lo com um nobre legítimo não seria algo difícil.
― Oh, nada mal! ― Tércio precisava admitir que tinha ficado impressionado. Não esperava que aquela pessoa de bermuda pudesse exibir algum traço de elegância.
― Não é? Elas ficaram perfeitas em mim! ― gabou-se o rapaz que ainda agora carregava um par de adagas, cheio de sorrisos e sem modéstia nenhuma. – Bem, de qualquer forma, eu estava pensando em irmos para a festa juntos. O que você acha?
―Isso seria bom ― disse Tércio se sentindo um pouco aliviado. Já não teria que sair por aí andando e perguntando. ― E o Enri?
― Ele está nos esperando no saguão.
E com isso, os dois saíram cada um ansioso da sua própria maneira com o início da festa.
No saguão da ala dos hóspedes comuns, Enri estava sentado em um canto sozinho. Ele vestia uma camisa azul celeste e uma calça lilás, deixando-o com uma aparência simples, porém calma e centrada.
Se comparado com Arthur, o Cavaleiro Real era despretensioso. No entanto, o conjunto escolhido ainda era belo e refinado.
Sem surpresa nenhuma, Enri era o mais ansioso dos três. Por isso não quis perder tempo. Então, quando Tércio e Arthur se aproximaram, ele foi logo se levantando e guiando o caminho até o salão de festa.
Nota do Autor
Eae, como vão? Espero que bem.
Passando aqui só para desejar um feliz natal e espero que gostem desse pequeno combo para comemorar essa data tão especial.