O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 40: Boatos

― Posso ajudá-lo em algo? ― A voz calma, mas áspera, do Duque Griffon soou, enquanto ainda continuava a apreciar a água que corria da cascata.

Quando o Duque Griffon falou de repente, sem sequer virar a cabeça, Tércio, espantado, deu um passo para trás.

Ele não teve a intenção de ser sorrateiro como um assassino ou coisa do tipo, mas, ainda assim, o Duque ser capaz de reconhecê-lo, sem ao menos se virar, foi algo inesperado.

Tércio olhou por um momento para o imponente homem em sua frente, que continuava olhando para a cascata, e falou com uma voz despreocupada:

― Não! Eu só estou dando uma volta.

O duque se virou...

― No meu aposento? ― Sua expressão, enquanto fitava o garoto, não era de alguém que estava chateado por ter tido seu quarto invadido. Era apenas um rosto rígido de uma pessoa autoritária.

Tércio encarou o dono do castelo com intensidade, indisposto a se desculpar pela invasão ou pela abordagem sorrateira. Mesmo assim, isso não o impediu de experimentar certo nervosismo à medida que o suor começava a brotar de sua testa. Ele não sabia o motivo, mas aquele homem lhe passava uma sensação sufocante, capaz de arrepiar até os ossos.

― É um belo lugar, esse seu. Caberia uma casa inteira aqui dentro. ― Tércio continuou usando um tom provocante e despreocupado. Embora sentisse calafrios por estar na presença daquele sujeito, não se acovardaria.

O duque encarou o menino em sua frente com um olhar profundo à medida que prolongava um silêncio insustentável. Mas então, de repente soltou uma gargalhada divertida:

Ha! Ha! Ha! Você é bem abusado não é? Ha! Ha! – A voz grossa do duque soou como tambores tamborilando. Por ser um dos grandes magos da história do reino, não havia muitas pessoas que ousassem desrespeitá-lo. E ver um jovem plebeu ter essa ousadia, o fez achar graça, arrancando-lhe uma risada alta. Afinal, ele gostava desse tipo de pessoa, corajosa!

Confrontado pela risada, Tércio olhou para o imponente sujeito de cabelo roxo com estranheza. Não conseguia ver qual era a graça no que tinha dito.

Ele tentou provocá-lo de propósito, mas ao invés de deixá-lo com raiva, apenas melhorou seu humor.

Contudo, a receptividade positiva do nobre fez o ex-prisioneiro perceber que essa poderia ser sua melhor chance de entender o que estava acontecendo, por que de fato havia sido retirado do coliseu.

― O que você e sua filha estão planejando? ― Outras pessoas teriam escolhido palavras mais ardilosas e precisas para abordar um assunto tão delicado. Mas ele preferiu ser direto. Entendia que independentemente do quão astuto tentasse ser, um plebeu sem estudo jamais poderia ludibriar um homem que dedicou sua vida à política de todo o reino.

Além do mais, Tércio tinha a convicção de que uma conversa direta e franca era a melhor maneira de encontrar respostas e detectar os mentirosos. Ao menos, era assim que costumava fazer.

A pergunta foi um tanto inesperada para o Duque Griffon, que franziu a sobrancelha e voltou a assumir o semblante severo.

― Do que você está falando? ― disse ele, optando pela ignorância.

― Primeiro, Eliza me tirou do coliseu. Depois me deu essas roupas, que não foram nada baratas. E, então, me enviou em uma missão que me fez vir direto para casa do seu pai. Eu posso não ter ido para a escola, igual a vocês, nobres, e nem nunca ter escrevido uma carta ou lido dez livros, mas não sou idiota! ― proferiu Tércio com confiante. ― Já vivi por muito tempo no meio dos ratos para saber quando algo está fedendo de verdade.

O jovem não tinha certeza de nada, mas tudo parecia muito suspeito. Ele se recusava a acreditar que estar nessa mansão era uma coincidência. Assim como ter sido encontrado pela diretora.

Nesse momento, o duque foi forçado a fazer uma pausa e por algum tempo não disse nada. E depois de algum tempo pensou, ele soltou um suspiro e enfim abriu a boca:

― Você é bem direto, não é? ― comentou de forma descontraída. Mas a reação do outro foi seca e direta. Por fim, soltou outro suspiro, fraco, dessa vez, e acrescentou: ― Acho que seria uma vergonha para mim tentar inventar uma desculpa qualquer agora. Pois bem, aqui está sua resposta: minha filha não sabe de muito, porém eu tenho um grande interesse por sua pessoa.

A última parte fez o coração de Tércio bater mais rápido. Percebeu que não estava completamente errado em suas suposições. Aqueles dois de fato estavam planejando algo. Mas o que alguém igual a ele teria para chamar a atenção de um duque?

Há quatro anos, ele não perdeu apenas sua família, mas também, sua casa e todos os pertences que estavam nela durante o incêndio. Seus amigos o abandonaram e, para piorar, ele foi preso e obrigado a passar anos na prisão, da qual saiu sem levar nada.

Tércio não conseguia pensar em nada que pudesse despertar o interesse de alguém tão prestigiado. No final, sua origem era humilde, de um plebeu que passou a maior parte da vida na vila em que nasceu. E seus pais não eram muito diferentes.

― Vocês pegaram a pessoa errada. Eu não tenho nada que possa ser de seu interesse! ― falou com rispidez. Depois de pensar muito, chegou à conclusão de que Eliza e seu pai haviam cometido um erro grosseiro. Se não fosse isso, não havia outra explicação.

No entanto, a despeito da afirmação do garoto, o duque não parecia muito convencido. Por um instante, ele aguardou em silêncio enquanto aguardava a desagradável sensação se prolongar. E depois de algum tempo, enfim decidiu abrir a boca:

― Os seus pais são Edgar e Valona. E você veio da vila Tenet, estou certo?

Quando ouviu o nome de seus pais sendo citado, o coração de Tércio parou por um segundo. Isso mostrava que o homem à sua frente havia pesquisado sobre sua vida.

― Como você sabe? ― Tércio ficou espantado. Seus olhos se abriram de maneira dramática e o seu rosto se contorceu, demonstrando toda a sua surpresa.

― Eu não tenho dúvidas de que é você a pessoa que eu estava procurando ― afirmou o duque com uma voz profunda e, um tanto, pesada. ― Contudo... ― respirou fundo, buscando uma maneira de voltar ao tom normal ―, não se preocupe quanto ao motivo de estar aqui. A verdade é que eu escutei muitas histórias suas enquanto ainda estava na prisão, Tércio, a Besta de Fogo! Suas vitórias e a maneira que usou para dominar e controlar a prisão se tornou muito popular entre os guardas e algumas delas chegaram aos meus ouvidos. Suas façanhas despertaram o meu interesse, pois como alguém incumbido de proteger o reino, é meu dever procurar talentos capazes de parar nossos inimigos.

― Então você também está me oferecendo um emprego? ― concluiu o garoto, que por um instante ficou decepcionado ao perceber que as teorias fantásticas formadas por sua imaginação estavam longes da verdade. Até aquele momento, acreditava ter sido resgatado e enviado para a capital por um motivo maior. ― Não, eu passo! Prefiro ficar na academia. É mais divertido. Além do mais, você não deveria acreditar em tudo que escuta por aí. Eu nunca dominei a prisão. Só batia nas pessoas.

No entanto, apesar da afirmação de Tércio de não ser tão dominante quanto diziam as histórias e da recusa quanto ao “trabalho”, o duque não estava disposto a lhe dar ouvidos, já que falou o seguinte:

― Eu decido a sua permanência na academia. Acha mesmo que um prisioneiro tem tanta liberdade assim? ― E isso provocou logo uma reação no garoto que exprimiu um semblante feio. ― E também, não estou pedindo uma resposta agora. Você ainda é uma criança e tem muito a considerar. Leve os próximos anos pensando nas vantagens de ser um de meus subordinados. Sem falar que eu também preciso ter certeza de que os boatos são verdadeiros. Prove-me suas habilidades.

― Provar?! ―Tércio estava pronto para protestar contra tudo que tinha acabado de escutar. As palavras do homem em sua frente, seu modo de dizê-las, deixou-o com a impressão de que, no final, não teria nenhuma escolha, nada seria de fato sua decisão. E isso o irritou de tal maneira que seus punhos se fecharam.

No entanto, o duque não estava disposto a prestar atenção em suas reclamações. Tanto que, quando o rapaz abriu a boca para falar, ele se adiantou, tocou em seu ombro e o impediu de dar continuidade.

― Seu primeiro teste é proteger minha neta no caminho para a academia. O que não acredito ser uma tarefa tão difícil para a “Besta de Fogo”. No entanto... ― franziu o cenho e encarou com mais intensidade o jovem, como se estivesse espiando o fundo de seu âmago. ― Eu não percebi antes, mas agora que estou perto, vejo claramente. Parece que estou diante de enfermo em seus últimos dias de vida. Suas feridas são tão profundas que fico surpreso por ainda estar de pé. Sinto como se algo o tivesse queimado de dentro para fora e seus órgãos ainda não foram capazes de se recuperar.

Existia uma preocupação genuína no tom do homem, que era reforçado pelas sobrancelhas juntas e as rugas acumuladas na testa. Mas isso não foi o bastante para conquistar a empatia do menino.

― Tira a mão do meu ombro! ― Tércio empurrou o braço do duque, forçando-o a se afastar.

― Se você tem tanta energia para demonstrar essa petulância, então deve estar bem. ― O protetor de aurora, que preferiu ignorar o ato grosseiro, balançou de leve a cabeça, um gesto de despedida, e avançou em direção ao caminho percorrido pelo invasor.

Ei! Nós ainda não terminamos de conv... ― Tércio se virou para tentar impedir o duque de sair, mas, quando olhou para trás, já não havia mais ninguém. Pensando que ainda poderia alcançar o velho de pernas largas, ele correu para o quarto, mas esse também estava vazio. ― Sumiu? ― murmurou, sentindo-se confuso.

O rapaz de cabelo desgrenhado procurou por todo o aposento. Abriu todas as portas, olhou em cada canto e até mesmo debaixo da cama. Mas não encontrou ninguém. O imponente homem tinha desaparecido.

― Aquele maldito usou algum Encantamento mágico para correr super-rápido?

Sentindo-se frustrado e até mesmo zangado, Tércio decidiu voltar para o aposento no qual estava hospedado. Porém, desta vez não estava preocupado em ser visto, pois saiu pela porta da frente do quarto do duque.

Ele já não tinha mais vontade de explorar o castelo, então decidiu que seria melhor voltar para um lugar calmo, em que pudesse pensar.

No caminho de volta, cruzou com os guardas que guardavam a área particular da família Griffon e descaradamente os cumprimentou enquanto passava por eles.

Porém, por algum motivo, os soldados não fizeram nada, nem mesmo o questionaram do motivo de ter saído dali, que era um lugar proibido.

Tércio ignorou aquilo e andou, andou mais um pouco, até que se deu conta de que estava perdido. Isso não era algo inesperado, levando a imensidão do castelo. Mas o motivo real para se perder no caminho de volta era a cabeça fervilhante. Percebendo que não conseguiria se orientar sozinho, ele decidiu pedir ajuda a uma empregada que estava passando por ali.

A mulher, de boa vontade e com um sorriso simpático, aceitou o pedido e fez questão de guiar o jovem até a porta de seu quarto.

Quando decidiu sair para explorar o local, o sol ainda brilhava, apesar de fraco. No entanto, quando retornou para o aposento no qual passaria a noite, era inegavelmente noite e a escuridão havia tomado conta do exterior.

Sem ter muito o que fazer, ele se atirou na cama e começou a pensar sobre as coisas que o duque tinha falado.

Como havia imaginado, Eliza não o encontrou por um acaso naquele dia. Tinha sido um pedido de seu pai, que ficou interessado nas coisas que fez enquanto estava na prisão. De certa forma, agora que havia percebido isso, sentia-se mal por ter julgado e tratado a diretora de maneira tão rude, já que, talvez, nem mesmo ela sabia todos os detalhes para ter feito o que fez.

Outro ponto a se considerar era o fato de que o duque conhecia muito bem sua família, levando em consideração que sabia, inclusive, o nome de seus pais. Isso mostrava que uma pesquisa tinha sido feita a seu respeito.

Ah! Como ele odiava os nobres. Essas pessoas pensam que podem fazer o que quiser e decidir qualquer coisa sem nenhuma consequência. Isso era muito irritante.

Ficar pensando nessas coisas e ainda lembrar da forma que o duque usou para falar de sua pessoa estava deixando-o cada vez mais irritado. Sua cabeça começou a latejar e seus pensamentos ficaram disparados. Até que chegou a ponto que ele decidiu deixar esse assunto de lado. Por enquanto tiraria proveito de seu luxuoso quarto.

 


NOTA DO AUTOR

Eae, como vão?

Então, acho que semana passada alguém patrocinou um capítulo extra pelo pix, mas não tenho certeza.

Não recebi nenhum mensagem falando sobro se era para patrocinar O Condenado ou Um Alquimista, então estou meio perdido. Se a pesso que ajudou estiver por ái, me fala que lançarei mais um capítulo.

Desde já, muito obrigado!



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