O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 39: Explorando o castelo

À noite aos poucos se aproximava. Tércio estava em seu quarto, trocando de roupa. Devido a sua origem, não era uma pessoa muito vaidosa, mas a beleza nos tecidos de Sophia havia despertado um lado caprichoso em sua pessoa. Era difícil escolher entre uma peça e outra.

Durante toda a viagem, ele quis exibir suas roupas novas, mas em uma floresta, como poderia fazer isso sem parecer ridículo? Contudo, agora que estava no castelo de um Duque isso não seria um problema, já que esse é um lugar ideal para ostentar vestimentas chamativas.

Tércio colocou uma camisa larga azul, combinada com uma calça marrom. Calçou os seus sapatos de sempre, aquele sem cordinhas, e deixou o quarto.

Estava na hora de explorar o castelo!

Enquanto deixava a área dos hóspedes comuns, o garoto não viu muitas pessoas. Na verdade, além dele, só se via serviçais e, mesmo assim, eram somente alguns poucos. Ele achou isso estranho, já que se tratava da moradia de um nobre importante e deveria haver muitos visitantes, ou ao menos uma porção considerável de empregados.

No entanto, o sentimento que o lugar passava era de estar vazio, um ambiente pouco frequentado e usado.

Após uma breve caminhada, Tércio subiu uma escada, encontrou-se com alguns criados, mas não deu importância e continuou andando.

À medida que explorava, o rapaz de quatorze anos teve cada vez mais certeza de que não era uma parte ou outra do castelo que era deslumbrante, era ele todo!

Cada um dos quartos ou salões que entrou sem pedir permissão eram tão belos e extravagantes que poderia deixar qualquer um sem fôlego. Teve um aposento em específico que até tinha seu próprio jardim, cuja iluminação vinha de espaços abertos, deixados meticulosamente na parede, de forma que os raios solares salpicavam cheios de vida sobre a vegetação verdejante.

Depois de subir e descer escadas, passar por corredores e mais corredores, e se esgueirar para não ser encontrado, Tércio chegou a uma parte da construção que estava sendo muito mais protegida do que as anteriores.

Em frente a um largo corredor, havia dois guardas portando lanças prateadas com quase dois metros de comprimento. Eles mantinham uma postura rígida, e uma expressão séria, que chegava até ser intimidante.

Tércio, que fazia bem o tipo de pessoa curiosa, olhou para o corredor protegido pelos soldados com extremo interesse. E, antes de fazer qualquer bobagem, decidiu observar mais um pouco. Afinal, aqueles homens não estavam ali por acaso e decerto não deixariam um desconhecido passar.

Após alguns minutos se escondendo atrás de uma escultura de pedra, o bisbilhoteiro percebeu que o número de empregados que passavam por aquele corredor era maior do que nos outros lugares e todos eles eram revistados pelos dois guardas. Não havia exceção, nem mesmo para os amigos que paravam um instante para jogar conversa fora antes de seguir em frente.

Se até mesmo as pessoas que trabalham ali eram revistadas, imagina um garoto tão suspeito quanto ele? Era absolutamente impossível para Tércio apenas passar pelos homens, sem ser parado ou ordenado que desse meia volta. Se quisesse de fato explorar aquela parte, precisaria de um plano. E planos para invadir é o que não falta para o ex-prisioneiro.

Tércio, agindo como uma pessoa inocente, passou em frente aos homens, andando de uma forma descontraída e até mesmo se atreveu a balançar a cabeça em um singelo gesto de cumprimento. Agia de maneira tão descontraída que parecia que poderia começar a cantarolar a qualquer momento. E então, depois de andar por uns quinze metros, ele olhou de lado, para ter certeza de que não havia ninguém o vigiando, e, discretamente, acendeu uma pequena chama laranja na ponta de seu dedo e a atirou, através de um peteleco, contra uma planta que se encontrava do outro lado do corredor.

Depois disso, ele deu mais alguns passos, avançando pelo corredor secundário, e a planta, que tinha um verde vistoso, começou a queimar de uma maneira preguiçosa, sem força ou vida. Por um instante, pareceu que o lume desapareceria sem causar maiores estragos ou ao menos ganhar uma olhadela dos soldados. Mas foi nesse ponto que o astuto estalou os dedos e do nada, como se alguém tivesse jogado óleo de baleia, o fogo se espalhou e subiu a altura de mais de um metro.

Nesse momento, Tércio parou e olhou para a o brilho intenso com uma forçada expressão de surpresa, e gritou:

― Fogo! Ta pegando fogo!

O garoto travesso acenou para os guardas, pedindo para que eles agissem. Mas eles, por sua vez, apenas lançaram um olhar casual, sem qualquer sinal de preocupação. E apesar da labareda estar aumentando de tamanho de forma descontrolada, nenhum dos dois arredou o pé. Até porque, a função deles era proteger o que se encontrava além do corredor principal. E já que o castelo era de pedra, não havia risco das chamas se espalharem.

Porém, como se tivesse percebido algo importante, de repente os homens olharam assustados para um quadro que estava próximo da planta incendiada. E nesse momento suas expressões rígidas mudaram.

― Rápido, chame alguém para apagar esse fogo ― exasperou um enquanto corria em direção a Tércio, que estava parado com as mãos cobrindo a boca, como se estivesse em choque.

Os homens se atiraram rumo aos quadros que estavam mais próximos da chama e logo começaram a tirá-los, um por um, das paredes e colocá-los ― com muito cuidado ― em um canto afastado.

― Eu vou procurar ajuda! ― grunhiu Tércio, percebendo que essa era sua melhor chance. Dizendo isso, ele se virou e correu em direção ao corredor protegido.

Antes de adentrar o lugar desconhecido, o ardiloso olhou para os guardas e notou que eles estavam ocupados demais com as obras de arte para prestar atenção nele. E assim, antes que alguém percebesse suas verdadeiras intenções, como um gato malandro, pulou para o corredor.

Não querendo se arriscar, Tércio correu, atravessando o lugar a passos largos, até chegar numa parte que não pudesse ser visto pelos homens. Só então ele se acalmou e começou a apreciar a vista.

Ao contrário das outras partes do castelo, que só se notava alguns, ali havia dezenas de quadros pendurados nas paredes. A maioria era de pessoas, das quais, obviamente, Tércio desconhecia. Outros eram paisagens de montanhas, flores e monstros. E todos possuíam molduras luxuosas, feitas de ouro e prata.

O garoto caminhou sem muita pressa, estudando os quadros e esculturas, feitas de cristais coloridos. Ele não tinha muito interesse por essas coisas, mas ainda assim era algo que lhe chamava a atenção.

No caminho, cruzou com alguns serviçais que o olharam de maneira, mas nenhum deles falou nada, apenas lançaram olhares curiosos e depois seguiram em frente. Para aquelas pessoas humildes, o rapaz era algum convidado importante e isso podia ser visto por suas vestes que ostentavam nobreza.

Tércio não entrou em desespero quando “esbarrou” com alguns empregados caminhando em sua direção. Ele apenas continuou andando, como se não houvesse nada de errado por estar ali ― quando se entra em um lugar que não se deve, o melhor é agir naturalmente, como se fosse dali.

De vez em quando, entre os quadros e esculturas, era possível ver algumas portas brancas com bordas douradas que chamavam a atenção. O intruso, por sua vez, ignorou algumas dessas portas, mas em certo momento, quando a curiosidade se tornou insuportável, ele abriu uma delas e entrou.

E, sem surpresa nenhuma, o que se revelou foi um deslumbrante aposento. O quarto, de tão grande que era, parecia até uma casa. Ali era tão grande que poderia abrigar, com facilidade, uma centena de pessoas, e ainda sobraria espaço para pular e brincar.

No centro, encontrava-se uma gigantesca cama forrada com um pano branco puro, que parecia nunca ter sido tocado por ninguém. No canto, próximo a uma janela, havia uma mesinha redonda e dois assentos acolchoados, feitos de madeira maciça, madeira essa que tinha sido esculpida por mãos muito habilidosas. E em outro canto, ficava um majestoso sofá marrom.

Resumindo, o quarto estava todo decorado em detalhes, com artigos de luxo e da mais alta nobreza. E isso fez Tércio pensar que aquele lugar era reservado apenas para os convidados mais importantes.

O que não sabia era que o lugar no qual se encontrava agora era a área exclusiva da família Griffon.

Sem se importar em ter invadido o local ou para as consequências de ser pego ali, Tércio caminhou pelo quarto, atirou-se contra o colchão, deitou no sofá e abriu todas as portas, até as secretas que possuía a forma de uma parede comum. Ele ficou um bom tempo ali, divertindo-se sem qualquer preocupação. Tanto é que, quando deixou o quarto, as Claritas já estavam acesas e o brilho do sol já havia quase desaparecido por completo.

Depois de deixar o recinto, o jovem coberto por cicatrizes, que ainda não estava satisfeito com toda a exploração, voltou a andar pelo largo corredor.

Foi nesse ponto que uma mulher distinta surgiu.

A estranha ― que vinha acompanhada de uma empregada ―, mesmo quando surgiu de longe, tinha um ar digno e gracioso. Sua postura era elegante e seu rosto era marcado por um sorriso gentil, mas nobre. Ela aparentava ser um pouco mais velha do que Eliza, mas nem tanto a ponto de se notar rugas. E seu cabelo, que lembrava fios de ouro desbotados, estendia-se até sua cintura.

Quando notou o garoto se aproximando, a estranha parou e olhou para ele com uma expressão curiosa. Seus olhos cintilavam enquanto ela se perguntava: “quem é esse?”

Tércio devolveu o olhar com bastante casualidade e, em seguida, virou a cabeça de lado e continuou andando com confiança.

Seu coração começou a bater mais rápido, pois aquela mulher era, sem dúvida alguma, alguém importante. E se ela o perguntasse o que estava fazendo ali, não saberia o que responder. Então, assim que passou por ela e a empregada, o “explorador” começou a andar mais rápido.

― Quem é aquele jovem rapaz? ― perguntou a estranha com uma voz delicada enquanto assistia o garoto se afastar.

― Eu não sei. Nunca o vi por aqui ― respondeu a empregada, que também aparentava estar confusa. Era muito estranho ver alguém que não é da família andando por ali. ― Talvez devêssemos perguntar aos guardas?

― É uma boa ideia. ― Após isso, as duas continuaram a caminhada, mas, desta vez, com um objetivo mais claro em mente.

Ao mesmo tempo, Tércio olhou de lado e viu que as duas estavam saindo. Ele se sentiu aliviado por elas não terem o questionado, mas achou que era melhor sair dali. Não é que estivesse com medo de ser pego, porém o melhor a se fazer é evitar qualquer tipo de problema.

No entanto, mesmo tendo decido sair daquele lugar, o ex-prisioneiro não estava com pressa nenhuma. Enquanto procurava por uma saída alternativa, ele entrou em outros quartos e de vez em quando parava para apreciar uma vista que tinha gostado. Assim, de forma lenta e despreocupada, ele adentrou cada vez mais o castelo.

Depois de mais alguns minutos vagueando, Tércio chegou a uma porta em forma de arco que tinha um Grifo desenhado no dentro dela.

Ele olhou para a entrada por um momento e, sem qualquer hesitação, a abriu e entrou.

Sem grande surpresa, no interior ficava um quarto. Porém, a diferença era que esse conseguia ser ainda maior do que os outros. Mas ao contrário daqueles, esse parecia estar sendo usado, pois em cima do colchão, que estava um pouco bagunçado, havia um manto que foi jogado de qualquer forma.

Tércio encarou o adereço e então espiou, com grande atenção, o recinto em questão. E quando teve certeza de que não havia ninguém ao alcance de seus olhos, entrou de vez.

A cama, que estava forrada com um lençol dourado, tinha sua cabeceira encostada na parede. No fundo do quarto, e acima do lugar de repouso, encontrava-se um quadro de mais de dois metros de altura e um de comprimento.

Tércio olhou para a pintura e viu que nela estava desenhada um jovem de cabelos roxos, com um pouco mais de vinte e três anos de idade. E atrás desse jovem, em uma postura orgulhosa, encontrava-se um Grifo quase duas vezes maior.

Depois de olhar brevemente para a tela, Tércio se virou e começou a explorar o quarto... Ele abriu um guarda-roupa gigante, feito de madeira e viu que ele estava lotado de roupas, das quais pareciam ser muito caras. Depois, foi até uma mesinha, que possuía uma pilha de livros sobre ela, mas não leu nada, apenas folheou-os sem muito interesse.

E então, finalmente voltou sua atenção para uma porta de vidro, que dava passagem para uma área aberta.

Pensando que aquela área aberta podia ajudá-lo a sair dali, sem ser visto pelos guardas, Tércio avançou em sua direção e abriu a passagem, que já estava destrancada.

Do lado de fora ficava um lindo jardim florido, que continha diversos tipos de flores com cores diferentes e exuberantes.

Após deixar o recinto fechado, Tércio caminhou entre as flores, seguindo um caminho de lajotas que serpenteava pelas plantas. Ficou bastante encantado diante da cena colorida e aproveitou o momento para apreciar o aroma agradável que envolvia o ar. Foi quando, após contornar um canteiro de lírios, ouviu um fraco barulho de água vindo detrás de um arbusto e decidiu investigar.

Ele contornou o arbusto e foi em direção ao som. Quando chegou lá, viu uma pequena cascata construída com pedras redondas e no topo dela, por onde a água corria, havia uma pedra grande, coberta por musgo.

Parado em frente à casca, vendo a água correr, havia um homem corpulento e de cabelo roxo, com leves tons grisalhos.

Apesar de Tércio ter visto aquela pessoa pela primeira vez hoje, ele logo o reconheceu. Aquele era o dono desse castelo, um dos homens mais poderosos do de Aurora: o Duque Griffon!

Tércio olhou para as costas do duque e, por algum motivo, decidiu se aproximar com passos leves.

O som de seus pés se chocando contra o solo não podia ser ouvido, afinal o barulho da cascata, apesar de ser baixo, encobria seus passos.

No entanto, mesmo sem fazer qualquer barulho, não havia forma de o jovem escapar dos sentidos apurados daquele homem.

― Posso ajudá-lo em algo, Tércio? ― A voz calma, mas áspera, do Duque Griffon soou, enquanto ainda continuava a apreciar a água que corria da cascata.

 


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