O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 38:Calebe

Depois que o Duque Griffon deixou o grande salão, um homem de cabelos brancos e vestido de mordomo entrou. Aquele era o chefe dos criados da casa, Émile.

O sujeito, repleto de rugas no rosto ― indicando a idade avançada ― tinha um olhar calmo e observador, além de uma postura refinada. Seus passos eram elegantes e contidos, do tipo esperado de uma pessoa refinada.

― Pois não, nobre Ezio? ― disse Émile, demonstrando um profundo respeito, enquanto fazia uma leve reverência.

A entrada calma e a postura sofisticada do mordomo deixaram Tércio bastante surpreso, pois quando viu aquele uniforme tão característico logo se lembrou de Kay, o estranho servo de Eliza. E o que o deixou surpreso era o quão diferente os dois agiam. Só bastou um segundo para o garoto perceber que eles não possuíam nada em comum.

― Émile, arrume um quarto de hóspede para esses três cavalheiros. E, depois, abrigue os outros cavaleiros na casa dos funcionários – ordenou Ezio Alle com uma voz autoritária.

― Como desejar ― disse o mordomo mantendo a cordialidade.

Em seguida, Ezio se virou para os convidados e explicou:

― Enquanto ficarem aqui, Émile cuidará de vocês. Se tiverem algum pedido, peça-o, e ele cuidará de tudo.

― Faremos o nosso melhor para não causar nenhum problema ― declarou Enri, que já havia desgrudado a testa do chão e se levantado. Sendo sincero, ele não desejava ficar hospedado no castelo do Duque, pois achava isso inadequado, já que era somente um plebeu. Sem falar que sua posição era muito baixa mesmo entre os Cavaleiros Reais. Ficar na casa dos funcionários já seria considerado uma grande honra e privilégio. Mas como esse foi um convite feito pelo próprio Duque, não havia nada que pudesse fazer.

No entanto, apesar da relutância, Enri se sentiu secretamente empolgado e admirado. Até então, nunca tinha conhecido o Duque Griffon em pessoa, mas já havia ouvido falar de muitas histórias sobre a sua enorme clemência e benevolência.

Por todo o reino as pessoas falavam da incrível bondade do protetor de Aurora, que era algo a se admirar, e Enri nunca duvidou desses rumores. Ele só não pensou que sua complacência era tamanha que, não só perdoou a arrogância de Tércio, como também permitiu ao grupo ficar hospedado em seu próprio castelo ― apesar de eles serem apenas plebeus, sem quaisquer status.

Se fosse outro nobre, o celeiro seria considerado mais do que o suficiente para pessoas de tão baixa classe.

― Senhores, por favor, acompanhem-me. Eu os levarei até seus quartos – disse Émile com a máxima cordialidade ao se dirigir aos convidados.

Guiados pelo mordomo, Tércio e os outros deixaram o grande salão. Eles foram levados para a área do castelo onde ficavam os quartos dos hóspedes comuns ― um lugar muito maior do que o condenado de origens humildes havia imaginado.

A ala na qual os hospedes comuns ficavam acomodados não era um simples corredor com algumas dezenas de quartos, e sim três andares inteiros que totalizavam mais de cem aposentos.

Quando viu aquilo, Tércio ficou impressionado, pois só aquela pequena parte do castelo já aparentava ser tão grande quanto o dormitório da academia.

Para entenderem o quão colossal era aquilo, deixe-me explicar detalhadamente: a entrada que levava aos quartos era um gigantesco saguão que se encontrava rodeado por decorações douradas, que reluziam como ouro. Aquele era o salão de entretenimento, o lugar no qual os visitantes se encontravam para dialogar e passar o tempo.

Após o saguão ficava um pequeno jardim interno, habitado por diversos tipos de flores exuberantes. E então, depois de passar por esses dois lugares, a pessoa irá se deparar com uma escada de madeira lustrosa, forrada por um carpete vermelho.

Foi apenas depois de subirem a escadaria que Tércio e os outros chegaram aos quartos. Émile disse a eles que poderiam escolher o aposento que mais os agradasse, dando-lhes a liberdade de uma escolha ampla e complexa. No entanto, os convidados não perderam mais do que dois minutos para escolherem o lugar no qual passariam a noite. Nenhum deles era muito exigente.

― Pois bem, eu me retirarei agora. Se precisarem de algo, basta me dizer que eu farei o meu melhor para atender às suas exigências ― disse Émile, preparando-se para partir.

Mas então, quando ele estava prestes a sair, Tércio o chamou:

― Eu tenho que pegar minha bolsa, onde fica a saída? ― A bolsa que trouxe para a viagem continuava junto ao cavalo, presa na sela. Ele teria ido buscá-la sozinho, mas teve a leve impressão de que encontrar a saída deste lugar insanamente grande não seria nada fácil.

Émile se virou para o garoto e disse em um tom respeitoso:

― Meu jovem senhor, não há necessidade para se preocupar com isso. Eu pedirei alguém para trazer sua bagagem, assim como a dos outros dois senhores.

Diferente dos jovens que ficaram aliviados por ouvir isso, as palavras do mordomo fizeram Enri soltar um suspiro depressivo:

― Não precisa se preocupar com as minhas coisas.

O motivo para o Cavaleiro Real de braço enfaixado ter dito isso de forma tão abatida foi porque durante o ataque de Varcolac, não só sua armadura e espada foram destruídas, como também ele perdeu todas as coisas que havia preparado para a viagem. Tanto é que agora mesmo estava vestindo algumas roupas que foram emprestadas pelos companheiros de viagem. Se não fosse por isso, estaria andando quase pelado.

Tércio e Arthur, em contrapartida, não tiveram tanto azar. Pois após o ataque, ambos conseguiram recuperar todas as suas coisas que estavam dentro de uma das carruagens destruídas.

― Entendo. Nesse caso, pedirei para alguém trazer os pertences dos dois senhores o quanto antes. ― Terminando de dizer isso, Émile fez uma leve reverência e se retirou.

Após o mordomo sair, Tércio, Arthur e Enri foram cada um para os seus respectivos quartos.

O recinto no qual o ex-prisioneiro ficaria era duas vezes maior do que aquele em que estava ficando no dormitório de Elefthería. As paredes eram de um branco puro, assim como o piso de mármore. O colchão, que abrigava facilmente três pessoas, estava forrado por um lençol fino de seda roxa. E as pernas e cabeceira da cama eram douradas.

As paredes e piso branco, combinados com a cama dourada e o tom amarelado da luz que vinha das Claritas, passavam a impressão de que o quarto em si era feito de ouro. Tudo isso dava um ar majestoso e digno ao lugar, assim como deveria ser o quarto de um castelo.

Era um simples dormitório, reservado para os hóspedes comuns, mas ainda assim foi o suficiente para encher os olhos do garoto do campo.

Tércio ficou tão encantado e deslumbrado que antes que sua mente fosse capaz de assimilar, seu corpo disparou em uma corrida animada e ele se atirou contra o colchão, igual uma criança faria.

Uhuu! ― soltou o garoto enquanto seu corpo quicava algumas vezes antes de enfim parar. O rosto do rapaz atrevido se contorceu em um sorriso satisfeito e nesse momento ele percebeu que não tinha sido uma escolha tão ruim seguir a Eliza naquele dia.

Ele ganhou roupas, um quarto gigante e o direito de estudar na maior escola do reino. E agora, estava no “castelo” de um duque, dentro de outro quarto, ainda maior.

A despeito das inúmeras incertezas que o cercavam, esses dias estavam sendo muito divertidos e repletos de luxuosidades. Algo que nunca pensou poder desfrutar.

Enquanto Tércio se divertia em seu aposento, em um pátio da mansão, um homem robusto e de porte imponente olhava para o céu azul pintado de branco com uma expressão pensativa.

Aquele era o Duque Griffon.

O duque estava parado em seu pátio particular conforme mirava o nada com um semblante profundo. O que estava pensando era incerto, mas era algo deveras preocupante, pois de tempos em tempos ele soltava longos e carregados suspiros.

Entretido nos próprios pensamentos, o poderoso sujeito de cabelo roxo dotado de tons grisalhos não ouviu e nem notou quando um homem que se aproximou com passos leves.

― Pai! ― chamou o desconhecido.

E nesse momento, ao escutar a voz do filho, o duque se virou tranquilamente, tentando, de alguma forma, esquecer aquilo que perturbava sua mente.

Ah, Calebe! Como foi? ― indagou, franzindo o cenho.

Calebe Griffon era um homem alto e esbelto, sem nenhum atributo que pudesse lhe atribuir grande força. Seu olhar era calmo como a superfície de uma lagoa que jamais é afetada pelo sopro dos ventos. E seus longos cabelos, que se encontravam presos por uma fita roxa, brilhavam com um tom púrpura vistoso.

Ele usava uma camisa preta que se encontrava oculta pela metade por um manto esvoaçante da cor cinza. E apesar de já ter trinta anos, sete a mais do que Eliza, sua aparência era jovial e enganosa.

― Émile já os acomodou ― informou Calebe.

Hm, isso é bom ― murmurou o duque, que não demonstrou satisfação ou aborrecimento diante da informação.

― Pai, se o garoto é tão importante assim, por que não o colocamos em um quarto melhor? ― questionou o filho, curioso para entender as escolhas de seu grande exemplo de vida.

― Não. Assim é melhor! ― O mago mais famoso e prestigiado de Aurora balançou a cabeça. ― Aquele aposento pode parecer simples para mim e você. Mas tenho certeza de que é o suficiente para o garoto.

― Entendo ― disse o segundo homem da casa, que parou de questionar a decisão de seu pai.

Daquele ponto em diante, Calebe e o Duque Griffon ficaram em silêncio por um longo tempo. Ambos pareciam perdidos em pensamentos, mas diferente do genitor, o rapaz de cabelo púrpura ainda desejava esclarecer algumas coisas.

― Pai, aquele garoto pode ser mesmo a ameaça que o senhor pensa? – ― perguntou, com uma voz pesada. ― Eu entendo que ficar preso por quatro anos na Prisão Real não deve ter sido difícil, ainda mais para uma criança, mas...

― Eu tenho certeza de que é ele a pessoa que estávamos procurando ― garantiu o Duque Griffon com firmeza. ― Além do mais, ele não sobreviveu naquele lugar por quatro anos. Em algum momento, há alguns meses atrás, aquele menino conseguiu fugir da prisão. Se não fosse por isso, jamais teríamos o encontrado.

― Você fala do incidente?

― Sim ― assentiu o duque em resposta. ― Ele foi um dos prisioneiros que conseguiu escapar durante o grande incidente e um dos poucos que sobreviveu ao ocorrido.

– Mesmo que ele tenha fugido, nós nunca o vimos antes, nem mesmo sabíamos de sua existência até a um ano atrás. Então como o senhor tem tanta certeza? ― insistiu Calebe.

― Por causa da sua magia!

― A magia dele? ― repetiu o filho, confuso.

― Sim! ― respondeu o Duque Griffon. Ele parou por um momento, relembrando os fatos que havia descoberto, e após um longo suspiro, voltou a falar: ― Segundo as informações que recebi, o garoto que estávamos procurando, possuía uma Magia Individual que era capaz de controlar o fogo. E esse era um conhecimento comum entre o povo daquela vila. Foi por causa disso também que o Tércio foi acusado de assassinar os seus falecidos pais e irmão, apesar de ninguém ter nenhuma prova. Pois de acordo com os cavaleiros que investigaram o ocorrido, eles foram mortos em um incêndio.

― Magia Individual? ― murmurou Calebe um tanto surpreso. Isso era algo que não sabia até então. ― E ele possui essa magia capaz de controlar o fogo?

― De acordo com a sua irmã, sua força em combate é tão impressionante quanto afirmava os rumores... Deve ser por isso que ele estava tão confiante, hahaha! ― De repente o Duque Griffon começou a gargalhar de uma maneira divertida, deixando os pensamentos conturbados de lado por um segundo.

Por outro lado, Calebe estava reflexivo sobre as coisas que seu pai havia lhe dito. Mas no geral ele ficou satisfeito com as respostas. Por isso não perguntou mais nada.

Em um lugar distante...

Longe do imponente castelo do Duque Griffon, em um lugar pobre da nobre Selene, que havia sido esquecido pelos aristocratas e até mesmo aqueles que se fingiam de rico, um homem de cabelo claro e olhos azuis, que vestia uma camisa preta de manga longa, estava sentado em meio aos destroços de uma casa abandonada.

Tomado pelo tédio, o estranho começou a jogar pedras contra um pilar de pedra, tentando acertar os pedregulhos numa rachadura no centro da estrutura. Há quanto tempo estava ali, era desconhecido, mas era o suficiente para ele bocejar vez ou outra, apesar de ainda ser dia.

O homem de cabelo claro atirou pedras até se cansar e então se aconchegou ali mesmo, em meio aos destroços.

Foi nesse ponto que um barulho de passos chamou sua atenção.

Ele esticou o pescoço e espiou em direção aos sons. Não havia armas em sua posse ― a não ser que você tome pedaços de madeiras velhas e pedregulhos como armas ― o que significava uma grande vulnerabilidade em um lugar perigoso.

No entanto, ele não se mostrou nem um pouco preocupado. Na verdade, estava bastante à vontade.

Os passos se tornaram mais altos e claros. Alguém estava se aproximando cada vez mais.

E então, um homem alto e magro, com olhos profundos, feito um cadáver, entrou em sua linha de visão.

― Néfi, se você está aqui significa que... ― disse o homem de cabelo claro ao outro recém-chegado.

― Sim. Demorou, mas o grupo de escolta da academia Elefthería chegou. – grasnou o outro com uma voz serrilhada.

Néfi era um homem que passava dos dois metros de altura e seus braços eram finos, como as pernas de um Tardo. Sua aparência era a de um sujeito desnutrido, acabado. Mas seus olhos eram vívidos e transmitiam um perigo amedrontador. Em sua cintura, uma espada comprida, com mais de um metro e vinte centímetros de comprimento, podia ser notada, balançando solta igual a um pêndulo.

― Qual o próximo passo, Zarco? ― perguntou Néfi através de seu tom frio e áspero.

― Eles provavelmente levarão um tempo até deixarem a capital. Enquanto isso, vamos aproveitar para nos organizar. Você já reuniu os homens que eu pedi?

– Sim. O líder dos Ursos Pardos disse que, contanto que nós paguemos as vinte moedas de ouro, e que eles possam ficar com as mercadorias encontradas, vão nos ajudar.

― Bom trabalho – aprovou Zarco, balançando a cabeça. ― Eu tive um pouco de trabalho, porém consegui convencer a Dama de Rosa a nos ajudar também. ― Seu rosto estava marcado por um meio sorriso divertido, mas perverso. ― Reúna os homens e vá para a antiga Vila Minguante.

― Entendido. E você vai fazer o que?

― Eu vou para a área nobre ― respondeu Zarco. E no momento seguinte, sem dizer mais nenhuma palavra, ele se levantou, virou-se e caminhou lentamente rumo à área nobre da capital.

Néfi olhou para a figura do parceiro, que aos poucos se afastava, e sem dizer nada, seguiu na direção contrária.

 


Patrocine Capítulos Extra


A cada R$ 15 acumulado um capítulo extra será lançado. Para patrocinar, use minha chave pix (qualquer valor é bem-vindo). Atualizações no Discord.


Chave do Pix: [email protected]

Clube de assinatura


Para quem quiser conhecer mais do meu trabalho e ainda concorrer a sorteios mensais, além de outros benefícios, considere fazer parte dessa campanha.


Apoia-se: https://apoia.se/liberaoconto

catarse-me: https://www.catarse.me/liberaoconto

Redes sociais


Interaja com o autor e toda a comunidade de O Condenado.

Servidor do Discor: https://discord.gg/ej2n9TPUDV

Instagranhttps://www.instagram.com/liberaoconto/

LEIA UM ALQUIMISTA PREGUIÇOSO



Comentários