O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 37: Mesmo que quebre minhas pernas

Da mesma forma que Tércio olhou curioso para o Duque Griffon, o influente chefe de família fitou o garoto com um semblante profundo. As rugas em seu rosto pareciam mais pesadas, deixando sua expressão marcante e ainda mais autoritária. Existia profunda curiosidade em seus olhos, mas também cautela e receio.

Quando o grupo entrou no grande salão, o Duque nem mesmo se dignou a desviar a atenção para Enri ou Arthur. Seus olhos imediatamente caíram sobre o rapaz coberto de cicatriz, cuja postura trazia um inevitável desafio a sua autoridade.

Em contrapartida, para Tércio, o interesse do homem por ele não era algo assim tão inesperado, pois tinha fortes suspeitas de que Eliza o havia mandado até ali para que tal encontro acontecesse.

Mas é desnecessário dizer que tudo não passava de uma suspeita.

Ele sabia que a diretora estava planejando algo que o envolvia, já que ela sequer tentava esconder isso. Mas se isso tinha qualquer relação com o pai ou o resto da família, isso era um mistério tanto quanto uma fantasia.

Contudo, quando percebeu a curiosidade nos olhos do Duque Griffon, teve sua confirmação ― Eliza de fato o mandou para aquele lugar por um motivo diferente do esperado.

Tércio queria muito saber o que a astuta mulher de cabelo roxo estava planejando e talvez ― apenas talvez ―, caso se prostrasse diante de um dos líderes máximos do reino, pudesse obter alguma resposta ou indicação. Só havia um problema...

Ele jamais se curvará para alguém.

Quando percebeu que um dos convidados estava se recusando a se prostrar, o soldado que se encontrava ao lado direito do trono de madeira deu um passo à frente.

― Garoto, você está na presença do Duque. Curve-se! ― ordenou com um tom severo.

O soldado em questão possuía uma expressão carrancuda em seu rosto. Os olhos eram sombrios e opressivos, mas não do tipo ardiloso ou perigoso. Havia confiança absoluta neles, e também lealdade e admiração. Seu corpo apresentava um vigor jovial, porém nada que beirava ao exagero.

Deixando sua armadura dourada reluzir o brilho do sol que invadia as janelas no alto, aumentando ainda mais sua presença, ele encarou Tércio enquanto aguardava pelo momento em que o garoto se ajoelharia.

Nesse meio tempo, o Duque Griffon não disse nada e nem fez nada. Apenas observou o desenrolar dos eventos.

Ezio Alle, que agora estava próximo do grandioso chefe da mansão, também olhou curioso para o convidado rebelde. Ele compartilhava dos sentimentos do soldado, mas preferiu não intervir.

Nesse momento, Enri sentiu as pernas tremerem. Ele teve um mau pressentimento desde o início e que agora estava se concretizando. E apesar de querer dar uma bronca em Tércio e ordená-lo a se curvar, sua cabeça pesava tanto que não conseguia sequer levantá-la.

Mesmo Arthur, que no geral era despreocupado, sentiu a pressão que vinha do homem ao lado do duque e o perigo que ele representava.

Tércio olhou para o soldado e com uma voz calma, mas firme, respondeu:

― Eu me recuso! ― Foram poucas palavras, mas seu significado era grande. A recusa e rebeldia estavam entre as maiores ofensas a serem proferidas contra um duque.

― Insolente! ― trovejou o homem de armadura dourada. A expressão em seu rosto dizia que estava pronto para subjugar o atrevido a qualquer momento. ― Quem você pensa que é para agir com tamanha arrogância na presença do Protetor de Aurora?

― Eu não me importo se ele é o duque ou o rei ― desdenhou. ― Eu não me curvo pra ninguém. ― Declarou Tércio em um tom profundo. Apesar de saber que aquele soldado era, sem dúvida alguma, uma pessoa forte, talvez tão forte quanto o Kacio, não existia medo ou insegurança em sua voz. Pelo contrário, ser confrontado por alguém tão poderoso só inflou o seu espírito de batalha.

― Como ousa ser tão insolente? Curve-se agora! ― bufou o soldado enquanto colocava a mão sobre o punho da espada dourada que estava em sua cintura, e dava um passo à frente.

Uma sensação fria e opressora emanou do corpo do homem, fazendo o ambiente vibrar perante uma força implacável. Era como se uma aura, capaz de subjugar tudo e a todos, tivesse emergido das profundezas de uma geleira. O ar se tornou mais denso e uma brisa gélida soprou através do grande salão, causando arrepios naqueles que se encontravam próximos.

 Enri e Arthur sentiram um calafrio percorrer suas espinhas e, oprimidos, pregaram ainda mais suas cabeças contra o chão. Aquele poder, que encobria todo o salão, causou tremores em seus corações.

Tércio olhou para o soldado e suspirou profundamente. Mas seu suspiro não era de alívio ou preocupação, era mais o deboche de alguém que estava tentando manter à calma depois de conversar com um idiota.

― Ainda não entendeu, não é, homem de lata? Nesse caso eu irei te explicar de outra forma... ― proferiu enquanto arqueava os ombros e balançava a cabeça de uma maneira significativa e provocadora. ― Se você quiser que eu me ajoelhe, terá que quebrar meus joelhos. E ainda assim, eu me deitarei.

Nesse momento, todos lançaram olhares para Tércio. Alguns, impressionados com a sua estupidez, por não perceber a situação na qual se encontrava. E outros, temiam as consequências que essas palavras trariam.

Ouvindo aquilo, o soldado rangeu os dentes como um cão raivoso. Seus dedos envolveram o punho da espada e ele deu dois passos para frente conforme desembainhava a arma.

― Entendo. Se suas pernas não lhe fazem falta, então terei o prazer de cortá-las para você ― grunhiu, com uma voz ameaçadora.

Percebendo que tinha causado uma situação complicada, Tércio se preparou mentalmente para a batalha e cerrou seus punhos. Aquela sensação calorosa, que sentia toda vez que usava sua magia, percorreu seu corpo e se condensou em suas mãos. Estava pronto para lutar.

Mas então, uma voz profunda ecoou pelo grande salão:

― Pare, César! ― A pessoa que deu a ordem foi o Duque Griffon. Ele continuava sentado em seu trono, com uma expressão calma, mas mesmo assim sua voz teve um grande peso.

Tão grande era o peso da voz do líder daquela família que César parou de imediato e tirou a mão da espada em sua cintura. Em seguida, ele se virou para o Duque, fez uma reverência respeitosa e voltou para o lugar de antes sem dizer uma única palavra de desobediência.

– Garoto, você de fato tem muita coragem ou talvez seja só estupidez. ― Era quase imperceptível, mas enquanto falava, um sorriso discreto surgiu no canto da boca do duque. ― Se ficar de pé é o que lhe agrada, então que assim seja. ― Ele fez um gesto com a mão, como se estivesse dando sua permissão.

E isso meio que irritou Tércio, pois fez parecer que ele tinha pedido permissão para permanecer daquele jeito.

― Eu já ia fazer isso desde o começo, velhote. ― resmungou o rebelde, fazendo birra.

― Pois bem, falemos do motivo pelo qual eu os convoquei. ― O duque não deu importância para a reclamação do garoto. ― Eu fui informado de que o grupo responsável por proteger minha neta, durante a viagem para a academia Elefthería, seria formado por trinta cavaleiros, então onde estão os demais?

Perceber que o fracasso de sua jornada de vinda já havia sido descoberto fez o Cavaleiro Real se repreender ainda mais.

― Sobre isso, meu senhor... alguns dias após deixarmos a academia fomos atacados por uma matilha de Cães Negros e por um Varcolac. Durante a batalha perdemos muitos dos nossos cavaleiros ― respondeu Enri, que ainda mantinha sua cabeça baixa. Ele fez uma pequena pausa, respirou fundo e continuou a relatar: ― Como a floresta é muito perigosa, decidimos redistribuir os sobreviventes para que assim todos pudessem voltar com a maior segurança possível.

Por um momento, aquele no poder não falou nada. Sua expressão, embora permanecesse inalterada, era tão severa que poderia provocar tremedeiras em uma alma fraca. O silêncio foi prolongado por alguns instantes, tornando o ambiente ainda mais opressivo. Mas então, após refletir sobre o relatório, o poderoso citado em contos e considerado um grande exemplo enfim abriu a boca:

― Entendo. Reorganizar os cavaleiros foi a decisão correta ― elogiou com sinceridade. ― No entanto, é como você falou: a floresta é um lugar perigoso! Com tão poucos homens você acha que será capaz de proteger minha neta?

A voz do Duque Griffon era pesada. Ele não ficou irritado com a decisão do sujeito responsável por liderar a expedição. Mas decerto não estava feliz.

Com seus cinquenta e quatro anos, o duque era um homem vivido, que já viajou por diversos reinos e terras perigosas. Por isso ele sabia dos verdadeiros perigos que se escondiam em lugares inóspitos ou no caminho que leva para civilizações distantes.

Em seus olhos, Cães Negros ou Varcolac eram monstros de classe baixa, que não representava um grande perigo. Mas, mesmo assim, Enri e os outros tiveram dificuldades para enfrentá-los. E para piorar, o único Cavaleiro Real do grupo estava com um braço quebrado e diversos ferimentos aparentes.

Por causa disso, ele se mostrou hesitante em deixar sua preciosa neta seguir viagem com um grupo tão pequeno e pouco preparado para enfrentar os verdadeiros perigos que se espreitam no caminho de volta.

Ao menos, essa foi a visão que Tércio teve.

― Isso... ― Questionado pelo duque, Enri sentiu sua garganta secar e as palavras escaparem. Proteger a neta de tal figura proeminente era uma responsabilidade imensa e algo que ele não se arriscava a ser leviano.

Mesmo quando o grupo estava com seus trinta membros, Enri se sentia inseguro quanto a essa responsabilidade. E agora, que tinha poucos homens a seu comando, não se atreveria a ser arrogante e afirmar que poderia proteger a uma das herdeiras de uma das famílias mais antigas e respeitadas do reino. Pois existe algo que pode ser ainda mais perigoso do que monstros quando se está protegendo alguém com tanta influência: os próprios humanos.

Sequestradores e rivais políticos são os maiores perigos quando se está escoltando alguém que é da nobreza.

― Isso não é um problema! ― Apenas quando Enri estava sem saber o que falar, uma voz cheia de confiança respondeu em seu lugar. Ousado como sempre, Tércio avançou um passo, abriu um sorriso e estufou o peito, demonstrando sua extrema confiança.

Sua manifestação repentina fez com que todos, mais uma vez, voltassem sua atenção para ele.

Oh! Você parece bem confiante ― disse o Duque Griffon. E com um olhar provocativo, acrescentou: ― Você pode garantir a segurança de minha neta? Mesmo tendo esses bracinhos finos?

― Quer vir aqui testar! ― grunhiu o garoto de paciência curta. ― Eu já falei que vou protegê-la, não falei!?

Se Tércio estava sendo arrogante ou se de fato ele era muito forte, isso ninguém sabia. Nem mesmo Enri e Arthur, já que o colega não lutou em momento algum durante a viagem. No entanto, a julgar pelo olhar confiante em seu rosto, o garoto parecia confiar nas próprias habilidades.

― Pois bem. Eu deixarei a segurança de minha neta em suas mãos. ― O duque sequer pensou ou cogitou outra opção. Não tratou a proposta do menino como uma brincadeira ou desdenhou dela. E isso surpreendeu a todos. Para eles, a decisão era tão imprudente quanto parecia ser.

Os cavaleiros vestidos de dourado ao lado do duque não puderam acreditar no que o seu senhor tinha acabado de falar. César, o mais impulsivo dos dois, preparou-se para manifestar sua insatisfação. Porém, antes que falasse algo, acabou sendo impedido.

― Eu posso proteger sua neta pessoalmente ― Tércio voltou a falar. ― Mas em troca, eu tenho um pedido.

E então, apesar de ter se contido durante todo esse tempo, Enri de repente levantou a cabeça e encarou o garoto. Ele estava espantado com o quão abusado o garoto podia ser. Fazer tal promessa já exigia uma atitude e falta de discernimento impressionantes. Mas pedir algo em troca de uma tarefa que para muitos seria uma honra ultrapassava qualquer limite. Isso já não podia ser chamado de arrogância, tratava-se de presunção ao extremo.

A reação de César também foi de choque em um instante e fúria no momento seguinte. Seus olhos fitaram Tércio com indignação e rejeição. Ele queria parti-lo ao meio. Para um garoto simplório, sem qualquer nome, exigir uma recompensa do glorioso duque era simplesmente inaceitável.

Mesmo Ezio Alle, que possuía um semblante sereno na maior parte do tempo, olhava para o garoto com aspereza. Achava que aquilo já era abusar da boa hospitalidade. O simples fato de o Duque confiar a segurança de sua neta a ele já era uma grande honra e a maior das recompensas. Mas ainda assim o menino quer algo em troca? O que é esse garoto, um membro da Equipe de Subjugação da renomada academia Elefthería ou um mercenário?

Arthur, que já havia trocado a postura de submissão por algo mais confortável, fitou Tércio com um olhar um tanto impressionado. Nem mesmo ele teria tanta ousadia.

Por um instante, o Duque Griffon não disse nada, apenas observou o atrevido do alto de seu trono de madeira. E então, após um segundo de silêncio, perguntou:

― O que você deseja?

― Carruagens! ― respondeu Tércio de imediato. ― O ataque do Varcolac acabou com a gente e perdemos quase tudo. A gente estava pensando em comprar uma nova na cidade, mas seria melhor se pudéssemos economizar o dinheiro. Você é rico, não é?

Quando ouviu o pedido do garoto, Enri ficou surpreso, mas também impressionado. Uma carruagem de fato não era grande coisa para o duque, sem falar que desde que as suas foram destruídas, eles estavam precisando de pelo menos uma. Sem isso, voltar para a academia com os novos alunos seria algo difícil e demorado.

Para Enri, que pensava que Tércio não se importava com a missão, esse pedido foi uma boa surpresa, já que tal atitude demonstrava certo comprometimento.

O que Enri não sabia era que o ex-prisioneiro não podia se importar menos com a missão de escoltar os novos alunos. Ele só não queria correr o risco de algum nobre “roubar” o seu cavalo durante a volta. Para o jovem que aprendeu a cavalgar ainda na infância, andar a cavalo era divertido e empolgante, diferente da carruagem, chata e monótona.

― Conseguir veículos novos não é um problema. Eu posso conceder-lhe alguns, assim como suprimentos ― disse o Duque Griffon assentindo com a cabeça.

― Isso vai ajudar muito ― comentou Tércio com uma ligeira alegria. Dessa forma poderia continuar cavalgando sem ninguém para lhe atrapalhar.

― Agora que isso já foi resolvido, preciso perguntar: o que vocês farão a seguir? ― questionou o duque ainda olhando para o garoto.

Mas quem respondeu foi Enri:

― Como nós partiremos em dois dias, eu pensei em visitar a casa do Conde Eurico e do Barão Abner, ainda hoje, para que assim os jovens nobres possam se preparar para a viagem. Precisamos voltar o quanto antes para a academia. ― A verdade era que, no começo, Enri também pretendia aproveitar esse tempo para comprar uma nova carruagem e suprimentos. Mas agora não precisava mais se preocupar com nada disso.

― Entendo. Nesse caso, fiquem por aqui. Eu enviarei meus homens para informar o Conde e o Barão ― garantiu o Duque Griffon, que ao terminar de falar isso se levantou. ― Vocês tiveram uma longa jornada. Aproveitem esse tempo para relaxar. Ezio, arranje um quarto para os convidados.

― Entendido ― disse o sujeito de cabelo grisalho, fazendo uma leve reverência.

Logo em seguida, o Duque se virou e deixou o grande salão, acompanhado pelos dois soldados. Não houve espaço para negociações ou recusas. Tércio e os outros teriam de ficar no “castelo”, querendo ou não.

 


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