O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 4: Tércio

Após mandar um poderoso ataque contra seu oponente, Tércio aguardou ansioso pelo resultado. Sabia que algo daquele nível não poderia matar Connor e não tinha certeza se seria o suficiente para lhe garantir a vitória.

Mas então, o narrador anunciou o vencedor e ele enfim soltou um suspiro de alívio.

Durante a batalha, tentou se manter calmo, frio e apático, mas fez isso apenas por saber que acabaria morto caso falhasse em controlar as próprias emoções. Afinal, em questão de força física, seu oponente era mais poderoso. Porém o principal motivo que o levou a agir de tal maneira foi por estar faminto. Faziam dias que não bebia e comia nada mais do que aquilo que rastejava por sua cela, como a água brotando das frestas da parede e os insetos procurando por uma toca. Estava desidratado, desnutrido, ferido e fraco.

Foi por isso que durante a luta ele se manteve indiferente, ignorando com nervos de aço as provocações de seu oponente.

Contudo, quando as pessoas começaram a gritar, pedindo que matasse Connor, não pôde deixar de sentir uma mescla de raiva e nojo daquelas criaturas.

Tércio sabia das atrocidades cometidas por Connor ― não existiam virtuosos naquele lugar ―, mas não achava que tinha o direito de julgar se ele viveria ou morreria. Muito menos aquelas coisas que tratavam a vida das pessoas como diversão.

Ignorando os pedidos de execução, virou-se e caminhou para fora da arena. Mas quando estava a poucos passos de sair, Connor se ergueu mais uma vez.

No momento em que O Gigante correu em sua direção, ele discretamente ativou sua magia e se preparou para atacar. Foi quando escutou o barulho de algo sendo perfurado. Foi instantâneo, porém era um inegável som pungente de ossos se partindo e carne sendo dilacerada.

Assim que olhou para trás, Connor já estava caído, sem vida.

Não entendo o que tinha acontecido, ele se preparou para a batalha. Teve um mau pressentimento sobre o ocorrido. E foi nesse ponto que um homem numa sala isolada na arquibancada começou a falar.

Tércio olhou para o sujeito da sala e o reconheceu como o diretor do Coliseu. Ele sabia que comprar briga com aquele tipo seria ruim, ainda mais nesse momento em que estava planejando fugir. Não seria bom chamar muita atenção para si.

Só fazia duas semanas desde que foi transferido da Prisão Real ― a principal e mais hedionda prisão do reino de Aurora ― para este lugar. E desde então, ele vinha planejando uma forma de escapar. O único problema em seu plano de fuga era a corrente na qual o prendiam, que era um equipamento mágico usado para selar magia.

Sabendo que seria ruim chamar atenção desnecessária, ele se virou e deixou a arena sem causar mais tumulto.

Assim que cruzou o portal, Grilhões de Selamento ― uma algema de metal ligada por uma corrente prendendo dois braceletes ―  voaram e agarraram seus braços.

Era óbvio que eles não deixariam alguém capaz de usar magia zanzando por aí livremente, mas ainda assim Tércio se sentiu frustrado por ser acorrentado outra vez.

Arrastado pelos carcereiros, ele foi levado para a cela na qual estava sendo mantido; um buraco úmido e frio, igual a tantos outros, que não dispunha sequer de uma cama ou trapos para serem usados de cobertor.

Após os carcereiros o deixarem em sua cela, partiram sem mais demoras. E pouco tempo depois, voltaram arrastando outro prisioneiro para a próxima batalha.

Tércio estava se sentindo cansado, mas não era por causa da luta. A verdade é que não dormia já fazia alguns dias ― é preciso estar sempre alerta nesse tipo de lugar. Mas chega um ponto em que o corpo não aguenta e é preciso se render às necessidades básicas, e ele se encontrava nesse ponto.

A fim de recuperar sua energia, sentou-se em um canto da cela com as costas apoiada na parede fria e fechou os olhos, apenas o bastante para acalmar o coração e recuperar parte da estâmina.

Como estava exausto, não foi problema nenhum se render ao sono e assim que fechou os olhos sua consciência voou para longe ao mesmo tempo em que uma pequena parte se mantinha alerta, escutando os gemidos moribundos de seus companheiros, os passos lamacentos de seus carrascos, o guinchar dos ratos ― refeições nojentas a princípio, mas revigorante depois que se acostuma ―, até que, a única coisa restante foi a escuridão e o silêncio.

No entanto, mal havia começado a dormir quando o som estridente de metal batendo conforme a porta de sua cela era aberta o despertou em um sobressalto.

Ele sequer tinha visto ou entendido o que causou a agitação repentina, mas se colocou de pé em um salto e assumiu uma postura de defesa, a qual se mostrou inútil, pois no segundo seguinte um estalo ecoou e antes de perceber estava de volta ao chão, abraçando o peito.

Não entendo o que havia acontecido, Tércio correu os olhos para a entrada de sua cela e de pé, próximo às grades, avistou um homem corpulento segurando um chicote e cujo rosto exibia um sorriso medonho.

O homem se adiantou para o garoto e com uma força monstruosa o agarrou pelos braços, imobilizando seus membros. Logo após, outro sujeito estranho entrou com um gancho na mão e prendeu o objeto em um suporte que estava fixado no teto.

Em seguida, fazendo uso de sua força monstruosa, o sujeito do chicote ergueu Tércio com o braço direito e passou a corrente ligando os dois braceletes em seus pulsos pelo gancho, deixando-o suspenso no ar, sem nada para se apoiar, feito um porco abatido esperando a sangria terminar.

― Pode ir agora ― ordenou ao companheiro que havia colocado o gancho no teto. Sua voz era grave e rouca, de modo que as simples palavras proferidas soaram severas, desumanas.

O homem que prendeu Tércio no gancho vestia uma camisa velha que já havia perdido a cor e estava coberta de sangue seco. Aquilo era seu uniforme, cobrindo sua barriga roliça, o qual usava todos os dias com diligência. Em sua mão, um chicote com uma ponta de aço afiado balançava de maneira perigosa, feito uma serpente armando o bote.

Quando o viu entrar em sua cela, não foi preciso um grande esforço para reconhecê-lo. Aquele era o carcereiro-chefe e o maior carrasco desta masmorra amaldiçoada, Carciros.

Assustado, Tércio se debateu. Tentou arrancar o gancho do teto jogando o corpo para baixo e usando os braços, mas sua força era insuficiente.

― É inútil! Homens maiores já tentaram e falharam ― disse Carciros, abrindo um sorriso amarelo e revelando suas feições medonhas.

― O que quer comigo, seu porco de merda? ― inquiriu Tércio, lançando um olhar intimidador para o carcereiro-chefe.

― Você tem coragem, né moleque? Precisa ter mais respeito quando falar comigo. E se tá tão curioso assim, eu te digo porque vim aqui. Eu aqui para te ensinar que quando alguém te manda matar, você MATA!

O carcereiro-chefe rugiu à medida que balançava o braço roliço fazendo um estalo seco ecoar pela cela.

Tércio se contorceu no ar e travou os dentes, fazendo o seu melhor para se segurar e não soltar um grito de dor que tentava fugir pela garganta.

Ele foi atingido no mesmo lugar de antes com uma precisão incrível para alguém que parecia ser bastante desajeitado, porém, desta vez, a força aplicada sequer poderia ser comparada.

E nesse ponto, qualquer dúvida que restava por parte do garoto maltrapilho foi apagada. Aquele homem estava ali para torturá-lo.

Sabendo que seria surrado até não aguentar mais ficar de pé, Tércio tentou pensar em uma forma de escapar, quando mais uma vez foi atingido. E outra vez... e outra... e outra... e outra... e outra... e outra...

Passado algum tempo, depois de chicotear o garoto várias vezes, Carciros enfim abriu a boca, expondo os dentes tortos, cobertos por tártaro.

Hm, você é do tipo durão.

A essa altura, o torso de Tércio já se achava coberto de sangue, sua camisa tingida de vermelho e a pele esfolada visível em alguns pontos. A sensação excruciante tornava difícil até mesmo respirar. O ar que entrava por suas narinas descia queimando feito brasa, até atingir seus pulmões que rugiam implorando por compaixão.

Ele já havia sido chicoteado quinze vezes, mas em nenhuma delas gritou. Apenas se contorceu e balançou no ar, aguentando a dor. E a cada vez que recebia uma chicotada, voltava a encarar o sujeito à sua frente de forma ameaçadora, com um olhar fulminante, desafiando-o a largar o instrumento de tortura e se aproximar um passo.

Mesmo que isso fosse infantil de sua parte, ele teimosamente aguentaria a dor.

Tércio não daria aquela criatura asquerosa o prazer de ouvi-lo gritar ou se desesperar numa agonia profunda.

― Eu amo caras durões...

Outra chicotada!

― E sabe porquê?

Outra chicotada!

― Por que com eles... a diversão dura mais! ― Abriu um sorriso torto, amarelo e repugnante em cada um dos aspectos.

O abominável sujeito ergueu o braço mais uma vez, preparando-se para desferir outro golpe...

― Vejo que está fazendo um bom trabalho como sempre, Carciros.

Uma voz vinda de fora da cela o interrompeu.

― Diretor Nabal? ― balbuciou o carcereiro-chefe, surpreso.

Sendo puxado para baixo pelo próprio peso enquanto a corrente o mantinha suspenso no ar, deixando as articulações perto da ruptura, Tércio, assolado por uma dor excruciante, com dificuldade ergueu a cabeça para encarar aquele conhecido como o diretor do coliseu.

Ele estava próximo da entrada da cela, sorrindo um sorriso estranho, enquanto mirava o garoto esperando o abate.

― Diretor, eu fiz alguma coisa errado? ― perguntou Carciros. Em seu rosto havia um leve receio, denunciado pelas rugas que se juntaram ao franzir a testa.

― Não, você está fazendo um ótimo trabalho. Eu só queria dar uma espiada no garoto problema. Tenho a impressão de que ele logo receberá uma visita ― comentou Nabal, encarando Tércio. ― É muita coincidência... ― estreitou os olhos ― mas eu não acredito em coincidências... ― sussurrou de uma maneira enigmática conforme franzia a testa, assumindo um semblante contemplativo.

― Uma visita? Quem é louco de visitar alguém desse tipo? ― grunhiu Carciros, lançando um olhar de deboche em direção a sua mais recente vítima.

― Bem... podemos dizer que é apenas uma garota problemática... realmente problemática... ― sussurrou, contemplativo.

O diretor se aproximou de Tércio e o estudou por um breve momento. Estava pensativo, como se estivesse tentando desvendar um enigma.

― Carciros, como falei, ele logo receberá uma visita e eu não quero que você esteja aqui quando ela chegar. Por outro lado, o garoto precisa estar devidamente apresentável. Acredito que mais algumas chibatadas serão o suficiente... mas seja rápido. ― disse Nabal ao seu carcereiro-chefe.

Após proferir tais palavras, o diretor deixou a cela.

― Ouviu isso? Você tem sorte. Parece que vamos precisar acabar com isso rapidinho! ― sibilou, exprimindo um sorriso malicioso.

“Visita? Que visita”, pensou Tércio.

Todas as pessoas que conhecia estavam mortas ou o desprezavam, com um desprezo irreparável. Não existia ninguém que desejasse visitá-lo.

Tércio queria continuar pensando nisso, mas não teve tempo, pois no instante seguinte uma chuva de chicotadas o atingiu.

A dor foi tanta que não conseguiu mais segurar os gritos agonizantes, que se espalharam pelos corredores labirínticos da prisão subterrânea.

Sendo assolado por uma chuva cortante e impiedosa, sacudiu involuntariamente no alto enquanto era atingido vez após vez. Até que, por fim, perdeu a consciência...

Quando recobrou os sentidos, Carciros, seu carrasco, já não estava presente. Ao invés dele, do lado de fora da cela, encontrava-se uma mulher com cabelos marrons na altura do ombro ― era a assistente ―, um rapaz vestido de mordomo e...

Ao lado do homem em trajes de mordomo, uma bela mulher usando elegantes vestimentas azul-celeste exibia uma fúria palpável, tenebrosa e da qual ninguém deseja ser o alvo.

― Então é você... “à visita”? ― murmurou Tércio.

Seu sofrimento era tanto que o mero ato de pronunciar tais palavras lançou pontadas de dor por todo o seu corpo, como se houvessem facas esfolando-o de dentro para fora. O sangue que cobria sua pele já estava começando a cristalizar, embora em alguns cortes mais profundos continuava a minar, escorrendo através de todo seu dorso, abdômen e pernas, até gotejar no chão sujo.

Reunindo o pouco de força que lhe restara, Tércio olhou para Eliza e balbuciou:

― Você também... não gostou... do espetáculo, princesinha de merda? ― proferiu, exprimindo um sorriso provocativo.

Ao ouvi-lo falar e ofender como se ainda possuísse bastante disposição, Eliza se surpreendeu e, deixando Kira de lado, virou-se para encarar o garoto maltratado.

― Eu não vim vê-lo por isso. Estou aqui para te fazer uma proposta ― disse ela.

― Pro... pro... posta...? ― balbuciou Tércio, lutando para se manter desperto.

― Sim ― afirmou, balançando a cabeça. ― Você não estaria interessado em trabalhar para mim? ― perguntou, sem fazer cerimônias.

 


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