volume 1
Capítulo 5: Proposta tentadora
― Trabalhar ... Pra você? Tá me achando com cara de trouxa! ― rugiu Tércio, que embora debilitado, esforçou-se para soar ameaçador.
O Coliseu dos Condenados foi criado para o entretenimento destinado a pessoas de alto status, entediadas em suas mansões e cansadas de suas vidinhas insossas. Portanto, era de se esperar que apenas os mais abastados frequentassem aquele lugar ominoso, no qual a maior fonte de alegria era o derramamento de sangue e o último suspiro de um moribundo. E para um prisioneiro sentenciado a trabalhar para tais indivíduos, era o mesmo que se tornar seu escravo.
E Tércio sabia disso.
Trabalhar como escravo era algo que nunca faria. Para ele, a morte seria melhor.
Em todo o seu tempo na prisão nunca se submeteu a ninguém, mesmo que isso significasse ser espancado, passar fome ou ser torturado.
Ele jamais venderia sua liberdade.
― Não seja tão apressado. Pelo menos escute minha proposta e depois decida por si mesmo o que quer fazer ― disse a mulher com um sorriso acolhedor, nem um pouco ofendida pelo linguajar vulgar.
Apesar de Tércio ter recusado sua oferta com veemência, ela demonstrou não se importar, ignorou até mesmo seu olhar ameaçador. Na verdade, parecia ter se divertido diante de tal atitude arrogante.
― Mas antes disso... Ei, Você! traga as chaves da cela! ― ordenou, fazendo um sinal de cabeça para a assistente.
E no mesmo instante, Kira saiu a passos ligeiros. Pouco tempo depois, voltou carregando um molho contendo dezenas de chaves.
― Agora, nos deixe sozinhos! ― exigiu, após a assistente do diretor abrir a cela.
E obedecendo a ordem, Kira, que parecia ter perdido a voz, afastou-se sem questionar.
― Kay, você poderia ajudá-lo?
― Mas é claro, Srta. Eliza ― respondeu o mordomo, bastante obediente.
Ele se aproximou de Tércio, apontou seu dedo para o gancho que o prendia e murmurou: ― Desintegre-se!
Como se fosse feito de areia, o gancho se dissolveu e tudo o que sobrou foi um pó escuro que caiu sobre a cabeça do garoto. Bastou uma palavra do mordomo para que um objeto de aço desaparecesse. Porém, os Grilhões de Selamento continuavam presos em seus braços.
Tércio, que já não tinha mais força, desabou, sem ao menos ter a chance de tentar cair de pé. Mas antes que atingisse o chão, Kay o segurou com firmeza e o colocou sobre o piso sujo da cela.
― Isso foi... um Encantamento Mágico? Pensei que só... nobres pudessem estudar magia ― comentou o garoto ensanguentado, surpreso. Afinal de contas, aquele homem estava vestido de mordomo.
Porém, Kay não o respondeu, apenas deu-lhe um sorriso amigável que parecia fora de contexto, pois seus olhos denunciavam um brilho ardiloso, de pouca confiança.
― Antes de retomar nossa conversa, deixe-me curá-lo. ― Eliza se aproximou do jovem, tocou sua testa e entoou: ― Aos afligidos pela dor, que tenham paz!
No mesmo instante, Tércio foi tomado por um calor gentil que, começando pela testa, espalhou-se por todo o corpo. Seu coração ribombou e seu sangue vibrou. Era uma sensação indescritível, mas repleta de delicadeza e bondade.
A sensação acolhedora causada pela magia de Eliza o fez se lembrar de quando era criança e voltava para casa cansado de algum trabalho, e sua mãe gentilmente o deitava em seu colo para que pudesse descansar enquanto acariciava seu cabelo com toda a ternura e carinho que possuía. Era um sentimento caloroso e, naquele momento, não havia lugar mais confortável no mundo.
As lembranças desses dias roubados fizeram os olhos do jovem lacrimejarem sem ele se dar conta do ocorrido, conforme sua expressão afundou-se em melancolia e desolação.
Ao notar o semblante dele, Eliza o olhou com pena. Embora a criatura à sua frente ainda fosse um mistério, ela não podia evitar a empatia que preenchia sua pessoa de compaixão.
Quando seus olhos se encontraram, a bela de cabelo roxo esboçou um sorriso doce, como quem dizia: “está tudo bem agora!”.
Tércio, sem se importar com o gesto afetuoso, secou os olhos lacrimejados usando as costas das mãos e voltou seu olhar meio borrado para as feridas...
A maior parte de seus ferimentos recentes tinham sido fechados sem deixar qualquer rastro de cicatriz. Apenas uma grossa camada de sangue seco havia ficado para trás. Porém, alguns cortes mais profundos permaneceram abertos e sua fadiga não diminuiu em quase nada.
― Desculpe-me por não poder ajudá-lo mais! Eu não sou muito boa com encantamentos de cura ― murmurou Eliza com sinceridade, lamentando pela fragilidade de suas habilidades.
― O que você quer comigo? ― perguntou ele com rispidez. ― Já te disse que não trabalho pra você!
Não era o caso de não estar grato pela magia de cura, apenas que, esse ato de bondade poderia muito bem ser uma forma de tentar enganá-lo para fazê-lo seguir sua vontade. Nem sempre um sorriso gentil é o mais confiável; algo que aprendeu da maneira mais dolorosa possível.
A dama de origem incerta, que havia se agachado para usar seu encantamento, levantou-se, ajeitou sua vestimenta e continuou:
― Eu sou Eliza Griffon e esse é meu mordomo, Kay.
Quando ouviu o sobrenome da pessoa em sua frente, Tércio logo confirmou suas suspeitas ― ela era alguém da nobreza. No reino de Aurora, somente os nobres são permitidos possuir um sobrenome, pois acredita-se que apenas eles são dignos de tal honraria.
O fato de Eliza ser alguém da nobreza não o surpreendeu. O que lhe chamou mesmo a atenção foi o sobrenome: Griffon.
Não há uma única pessoa em toda a Aurora que não conheça essa família. Dizem que mesmo fora do reino eles são respeitados e venerados.
Os Griffons são considerados os protetores de Aurora. O atual líder dessa família de nobres, o Duque Griffon, é visto com grande admiração e temor por toda a população, sem falar que ele também é o general das tropas reais, o maior exército a serviço do rei.
Eliza não era um simples membro da nobreza, ela era uma duquesa.
― Então, o que uma duquesa quer com um prisioneiro de merda? ― Tércio debochou, exprimindo um sorriso provocativo.
Não é preciso dizer, mas não existem muitos daqueles que se atrevem a afrontar um Griffon, pois as consequências de tal ato são inimagináveis. Mas para o jovem atrevido, um título era algo que pouco o abalava.
― Eu não o culpo por agir dessa forma. E para ser sincera, não gosto muito de ser chamada de duquesa. Mesmo sendo bem útil às vezes... ― brincou Eliza, tentando aliviar o clima. ― Mas como eu estava dizendo ― voltou a falar após receber um semblante seco em resposta ―, quero que você trabalhe para mim...
― E eu mandei você ir se ferrar! ― Tércio a interrompeu. ― Tá surda, é?
― Não, você não mandou ― retrucou ela, mantendo-se indiferente às ofensas. ― Mas, acalme-se. Deixe-me terminar de falar ― pediu. ― Você deve estar pensando que quero fazer de você meu escravo, porém isso não está certo. O que estou propondo é um trabalho no qual poderá ser pago de forma justa. Eu também lhe darei comida e um lugar para ficar. E você será livre para sair quando quiser. E então? Não é tão ruim, certo? ― falou, gesticulando com a mão.
― Tá querendo me fazer de besta? Qual a armação? ― grunhiu Tércio com aspereza. Não acreditou naquelas palavras, nem por um instante. Era uma proposta de fato boa, boa até demais. Com certeza havia algo por trás.
― Não há armação nenhuma ― garantiu Eliza.
― E por que alguém feito você iria querer um pirralho miserável igual eu, ahn? Tá achano que sou um bom minino igual aqueles mimados da nobreza? Ao menos sabe quem eu sou?
― Um assassino? ― Nesse instante, Kay, que até então não tinha dito uma única palavra, se pronunciou.
Desde o início da conversa entre Eliza e Tércio, o mordomo permaneceu quieto em um canto, somente observando. Qualquer um que olhasse sem conhecê-lo bem, pensaria que estava apenas sendo um bom serviçal. No entanto, isso não chegava nem perto da verdade.
― Kay! ― Eliza chamou sua atenção.
Por um segundo, o acusado encarou o mordomo com ferocidade ameaçadora, mas que não durou muito. Já estava acostumado a receber esse tipo de comentário.
― Não se zangue, Srta. Eliza. Só estou um pouco curioso, já que não sei nada a respeito deste garoto. Mas eu sei que as pessoas presas aqui possuem uma coisa em comum: são todas assassinas. Então... quem você matou?
Tércio achou estranho o tom do mordomo, pois não havia condenação em suas palavras ― eram calmas, sem preconceito ou desprezo ―, apenas uma genuína curiosidade. Ouvir sua voz era como ouvir um homem desalmado e desses ele entendia muito bem.
― Eu não matei ninguém pra ser preso ― respondeu com sinceridade, após uma pequena pausa.
― ... Entendo! ― murmurou Kay, estreitando os olhos. E logo em seguida se afastou e escorou em uma das grades da cela.
― Me perdoe por isso! Ele é um péssimo mordomo! ― repreendeu Eliza, esboçando um olhar severo. Mas Kay apenas sorriu de volta, um sorriso incoerente, inconstante.
― Não importa ― disse Tércio, parecendo impassível mesmo após tal pergunta.
― Bem, isso não é da nossa conta. ― Eliza balançou a cabeça enquanto mantinha uma expressão calma. ― Mas voltando ao assunto principal... qual sua resposta? Você irá trabalhar para mim?
― Não tô a fim! Sua proposta é boa, mas é boa demais pra ser verdade. É igual o mordomo falou: eu sou alguém acusado de assassinato e o único jeito de uma pessoa feito eu trabalhar para alguém como você é de escravo, e eu prefiro morrer a vender o pouco de liberdade que me resta! ― bufou Tércio, decidido, em cujo tom de voz indicava certo desprezo e intimidação.
Mas Eliza não se amedrontou. Tudo o que fez foi soltar um suspiro de desapontamento pela resposta.
― Entendo... Sendo assim, que tal isso; eu te libertarei desse grilhão e o tirarei daqui. E então, mais tarde lhe contarei tudo sobre o trabalho que quero que você faça e se sua resposta continuar sendo não, poderá ir embora.
Mais uma vez, uma proposta tentadora.
Sair dali era tudo o que ele queria. E se ela realmente o libertasse daquele lugar, não haveria motivos para recusar.
No entanto, Tércio não acreditou em suas palavras, de que o libertaria se ele não quisesse trabalhar para ela, mas isso não era um problema. Contanto que não estivesse preso por Grilhões de Selamento e em uma prisão abaixo do solo, seria difícil encontrar alguém capaz de pará-lo caso desejasse escapar.
Dessa forma, depois de uma longa reflexão, ele se decidiu.
― Tudo bem, eu aceito isso aí. Parece bom! Mas antes, tire minhas correntes ― exigiu, esticando os braços acorrentados.
Quando enfim recebeu uma resposta positiva, Eliza abriu um largo sorriso jubiloso e de imediato pediu a Kay para quebrar a corrente que prendia os pulsos de Tércio.
E usando o mesmo “desintegrar” de antes, o mordomo se livrou das algemas.
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