O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 35: A capital

Selene, a capital de Aurora, em tamanho é considerada a quarta maior cidade do Reino, a população ocupa o quinto lugar, mas a enorme riqueza e influência se sobressai entre as demais.

Tal cidade pode não ser a maior e nem a mais populosa do reino, mas é, sem qualquer espaço para questionamento, a mais próspera e bem protegida de todas. O motivo para isso é muito simples: o rei vive aqui!

Naquele momento, Tércio e os outros vagarosamente entravam na prestigiada Selene, cercada de rumores, especulações e muita controvérsia. O lugar no qual eles se encontravam agora era uma área de ruas estreitas e casas pequenas, feitas de madeira, que estavam grudadas umas nas outras, quase como uma infestação de carrapatos empoleirados nas costas de um cachorro.

As pessoas que vagavam pelas ruas vestiam roupas sujas e continham olhares desolados, vazios e sem qualquer traço de animação ― embora isso não fosse uma verdade absoluta. Talvez elas estivessem apenas cansadas, o que parecia ser o caso para a maioria, cujas peles se encontravam manchadas de carvão ou outro tipo de poluente.

Quando viram a pequena equipe de cavaleiros, aquelas pessoas simples ficaram bastante curiosas e acompanharam o desfile do grupo com grande interesse. As poucas crianças que podiam ser encontradas nas ruas, as quais eram responsáveis por trazer a maior parte da felicidade, quando viram os estranhos passando, correram atrás dos animais enquanto acenavam em euforia.

Mas o grupo não parou para cumprimentar nenhum deles e avançou pela periferia.

Como Enri conhecia bem a capital, ele foi o responsável por guiar o bando pelas ruas estreitas. E não demorou muito para que Tércio e os demais deixassem a área das casas pequenas e se dirigissem para a parte mais movimentada da cidade.

O lugar em que eles estavam agora era conhecido como Mercado Maior.

O Mercado Maior era um dos pontos mais citados dentro, e até mesmo fora, de Selene. A praça comercial era rodeada por barracas que continham todos os tipos de coisas. Ali era possível encontrar diversos produtos sendo vendidos, como armas, armaduras, runas e pedras mágicas ― entre diversas outras coisas.

Apesar de a capital ser uma cidade fechada, o comércio era muito rico. Afinal, os produtos eram de primeira qualidade e chamavam a atenção de todo o reino devido a raridade de certos itens. Comerciantes de outras regiões e soldados que possuíam autorizações especiais sempre eram vistos por ali. Por isso, o mercado nunca ficava vazio e a forte exportação mantinha o lucro no alto.

Neste momento, centenas de habitantes transitavam pela extensa rua que era o Mercado Maior. A maior parte era de cavaleiros trajando armaduras pomposas e com olhares arrogantes ― nada parecido com aqueles que deixaram a academia. Mas também havia comerciantes gritando a plenos pulmões:

― Espadas com runas de ataque de nível médio, apenas trinta Mágala! ― vozeou um homem de meia-idade.

― Núcleos Mágicos de Trolls! ― anunciou um senhorzinho apontando para algumas pedras meio transparentes, mas que no centro havia um nítido verde-oliva.

O bando não teve pressa em passar pela movimentada avenida. Tércio e os demais estavam admirados com a cena. Eram tantas coisas para se olhar que eles não tinham ideia de por onde começar.

Cada brilho peculiar e objeto de formato estranho despertava o interesse dos visitantes, que freavam seus cavalos e apontavam com curiosidades, tentando entender do que se tratava.

Enri, por outro lado, já tinha visitado muitas vezes aquela região e ali não existia nada de novo para a sua pessoa. Por isso, ele não diminuiu a velocidade e continuou marchando em frente.

Os cavaleiros, que queriam ver um pouco mais dos estranhos produtos, sentiram-se frustrados ao ver que estavam sendo deixados para trás. E sem outra alternativa, foram obrigados a acelerar para tentar alcançar o comandante.

Já Arthur não ficou tão decepcionado quanto os subordinados. Ele também queria ver um pouco mais do mercado, porém sua vontade de terminar a missão e voltar para a academia era ainda maior.

Tércio não se sentia nem um pouco obrigado a segui-los. Contudo, acreditava que ficar vagando pelas ruas de Selene era algo muito arriscado. Então, com muito pesar, juntou-se ao time, ficando sempre no meio da marcha, num local em que não pudesse ser notado por olhos curiosos.

Aos poucos eles se afastaram da movimentada avenida e continuaram cavalgando por uma rua larga e muito bem pavimentada, até que se depararam com um muro de pedra, cortando metade da cidade.

O muro, feito de blocos de concreto, tinha por volta dos cinco metros de altura e estava separando a capital precisamente pela metade. A construção começava na ponta noroeste e se estendia até o extremo sudeste, até encontrar as robustas estruturas militares de proteção.

Guiados por Enri, o grupo se locomoveu em direção a um portal prateado, que continha diversos cristais coloridos cravejados ao seu redor ― a única passagem próxima para o que se escondia além.

Protegendo o portal, haviam quatro soldados, dois de cada lado. Eles vestiam armaduras prateadas, que pareciam ter sido polidas com bastante zelo, pois refletia tudo ao seu redor igual a um espelho. Suas armas eram lanças que brilhavam como prata recém-derretida. Em seus rostos um semblante frio e arrogante podia ser visto, desdenhando de quem ousava se aproximar.

 Quando viram Tércio e os outros chegando, os soldados cruzaram suas lanças, fechando a passagem e indicando que o bando estava proibido de continuar avançando.

Enri, que estava na frente, freou seu cavalo. E os outros seguiram seu exemplo.

O enviado pela academia desceu do animal e foi até os guardas.

― Eu sou Enri, um Cavaleiro Real a serviço do Duque Griffon, e estou aqui a mando de Eliza Griffon, a diretora da academia Elefthería, para escoltar os novos alunos ― apresentou-se em um tom formal. Logo em seguida, ele tirou um envelope e o passou para o homem mais perto.

O soldado que recebeu o manuscrito abaixou sua lança e se dirigiu a uma porta pequena, que ficava ao lado do portal prata cravejado com cristais. Ele abriu a porta e desapareceu dentro do muro de pedras.

Algum tempo depois o sujeito voltou acompanhado por um homem grande, que vestia uma armadura com a figura de um pássaro nobre estampado no peitoral.

O grandalhão varreu os olhos sobre Tércio, Arthur e os demais que os seguiam. E então, com uma voz profunda, perguntou:

― Eu fui informado de que o grupo de escolta, enviado pela academia, seria formado por mais de trinta pessoas treinadas. Onde estão os outros? ― Sua voz era tão impactante quanto sua altura, que passava dos dois metros. Ele tinha uma espada grande, pendurada na cintura, que era tão grande quanto a de Enri, embora em sua posse parecesse menor. E seus olhos eram severos, com um traço de desprezo.

― Fomos atacados por um Varcolac no caminho e perdemos muitos guerreiros ― informou o Cavaleiro Real, lamentando o ocorrido.

Enri ainda não estava totalmente recuperado e seu braço esquerdo continuava enfaixado, mas mesmo assim ele não se deixou ser intimidado pelo gigante em sua frente. E apesar de lastimar as perdas dos colegas, manteve-se firme, de cabeça erguida.

Hunf! Derrotados por um mero Varcolac. E vocês ainda têm coragem de dar as caras por aqui? ― bufou com sua voz trovejante. – Vocês não estão qualificados a proteger os jovens nobres. Voltem!

Enri lançou um olhar intimidador para o seu opositor, que era muito mais alto e forte, e proferiu:

― Se estamos ou não qualificados a proteger os jovens nobres, isso não cabe a você decidir ― rufou de forma intimidadora. ― Eu já entreguei a carta de autorização, portanto, abram o portão! Opor-se a isso é um ato de contradição ao duque.

O grandalhão estreitou os olhos e seu rosto se contorceu em uma expressão aterrorizante. Notava-se que desejava partir o ferido em sua frente ao meio.

Hunf! ― Por fim, ele apenas bufou. ― Abram o portão!

Após dizer isso, o estranho se virou e voltou para a porta lateral. Mas antes de se abaixar para poder atravessar, ele lançou um último olhar ameaçador para Enri.

― Parece que eles não se dão muito bem ― comentou Tércio com Arthur, que continuava debruçado sobre seu cavalo.

― Bem, era de se esperar. Afinal, aquele homem, ao que parece, é um dos Cavaleiros Reais a serviço direto do rei ― informou o jovem carregando duas adagas na cintura.

― Do rei!? ― exclamou Tércio surpreso. ― O Duque Griffon não se dá muito bem com o rei?

― Hm... ― Arthur pensou por um segundo antes de abrir a boca. ― O duque e sua majestade têm se estranhado nos últimos anos ― respondeu com um sorriso malicioso.

Tércio nunca tinha ouvido falar sobre essa rivalidade entre essas duas poderosas figuras. Em sua mente, ele sempre pensou que esse povo da nobreza se dava muito bem uns com os outros. Mas parece que estava completamente enganado.

No entanto, apesar de ser uma fofoca interessante, o ex-prisioneiro não dava a mínima para o que acontecia entre nobres ou o próprio rei. Assim sendo, ele logo parou de pensar no assunto.

Enri voltou para o seu cavalo. E no instante seguinte, o portão cravejado com cristais coloridos se abriu.

O grupo avançou pela abertura e atravessou o muro que permanecia como um obstáculo na vida dos moradores locais.

E do outro lado, a visão que se tinha era... inesperada.

Em vez de casas luxuosas, que era o que Tércio estava esperando, havia um lindo bosque verdejante, com flores de todas as cores crescendo livres entre as árvores.

O caminho que cortava o bosque era deslumbrante! As copas das árvores estavam interligadas umas nas outras, formando uma espécie de túnel tranquilo e refrescante. O chão se encontrava coberto por folhas, o que dava a impressão de ser um tapete felpudo que mesclava verde-desbotado com marrom.

― Que lindo! ― exclamou um dos cavaleiros do grupo.

Tércio, apesar de já estar viajando com esses homens por um bom tempo, não fazia a menor ideia de qual era o nome deles. A não ser o de Darwin, que lhe emprestara seu cavalo, e por sorte conseguiu sobreviver aos ataques dos monstros na Floresta Meia Lua.

Guiados por Enri, o bando avançou pelo bosque, acompanhados pelo barulho das folhas secas que se partiam sob os cascos dos cavalos.

À medida que o grupo prosseguia, o lugar ficava cada vez mais silencioso. De vez em quando era possível ver coelhos ou outros animais pequenos correndo entre as árvores, mas nada muito grande ou perigoso. Era um lugar pacífico, que possuía uma canção própria, cantada por pássaros alegres e repletos de vida.

Nesse meio tempo, enquanto cavalgava, o Cavaleiro Real se aproximou do novato da Equipe de Subjugação que tinha se separado do grupo para observar a paisagem com mais atenção.

― Tércio! ― chamou Enri. E o garoto se virou para ele com uma expressão genuína de empolgação.

― O que foi? ― perguntou o jovem coberto por cicatrizes.

― Eu creio que você já deve ter percebido isso, mas as pessoas que viemos buscar são filhos de nobres ou parentes próximos ― informou com uma voz séria. E após fazer a introdução, aguardou um instante para ver qual seria a reação do novato. Mas Tércio apenas acenou com a cabeça, mantendo a casualidade. ― Vejo que isso não é surpresa para você. Isso é bom. Assim fica mais fácil fazer este pedido.

Para Enri, a falta de reação do rapaz ao descobrir que estavam indo buscar pessoas de linhagem nobre era algo surpreendente. Afinal, tratava-se das pessoas mais importantes de todo o Reino de Aurora.

― O que você quer? ― questionou com seu típico jeito vulgar.

― Quando chegarmos em nosso destino, você poderia ser cuidadoso? Eu sei que é um pedido estranho, mas se por um acaso ofendermos um nobre, isso pode gerar um grande problema.

Enri de fato estava muito preocupado com a possibilidade de Tércio ser desrespeitoso com um nobre. Durante a viagem, ele observou que o garoto recomendado por Eliza, em momento algum, dirigiu-se a sua pessoa ou a Arthur de forma respeitosa, mesmo ambos sendo mais velhos e seus superiores.

O Cavaleiro Real não se importava tanto com a falta de delicadeza, mas se por um acaso um nobre se sentir ofendido, então as consequências podem ser terríveis, para todos os envolvidos.

Por isso ele fez esse pedido. Temia aquela falta de bom senso e respeito.

Tércio olhou para o homem ferido de forma despreocupada e disse:

― Não tenho nenhum interesse em brigar com nobres. ― Sua fala foi casual e demonstrou a falta de importância que deu ao pedido.

E aquelas palavras fizeram Enri soltar um longo suspiro que foi acompanhado por um mau pressentimento. Ele podia sentir os problemas se aproximando.

O grupo continuou avançando. Vez ou outra, a estrada se separava em dois ou três caminhos diferentes, mas o guia da expedição não mostrava hesitação quando virava à direita, à esquerda, ou seguia em frente. Ele já estava decidido quanto ao lugar em que iria primeiro.

De vez em quando o bosque se tornava uma planície completamente gramada, em outro momento era possível ver portões de ouro ou de Prada na beira da estrada, e alguns pareciam até mesmo serem feitos de puro cristal.

Tércio observou essas mudanças na paisagem sempre mantendo uma expressão divertida no rosto. Não se importava muito com o lugar para qual estava indo, já que para ele, esses cenários desconhecidos eram muito mais interessantes.

Enri continuou guiando o grupo por algum tempo, até que por fim parou em frente a um magnífico portão de ouro.

A visão daquele objeto despertou uma grande curiosidade na mente de Tércio, que por um instante pensou que a coisa estava flutuando. Não existia nada apoiando o portão nas laterais, como estacas ou troncos de árvores. E o mais curioso era que a parte de baixo não tocava o chão.

O mistério daquele objeto encantado apenas cresceu na mente fértil do garoto quando ele percebeu que não existia cercas de arames farpados ou muros separando a estrada do outro pedaço. Aquilo o fez se perguntar: “se não tem cerca, para que ter um portão?”

As outras entradas que Tércio viu no caminho para cá, todas, sem exceção, possuíam pelo menos, um arbusto em volta. Mas a divisória para o território além estava completamente desprotegida.

No centro do portão, que parecia estar se mantendo em pé por conta própria, flutuando, havia um enorme desenho de um Grifo dourado estufando seu peito robusto de maneira orgulhosa. E no meio do tórax da criatura mitológica, no exato centro do portão, era possível ver um pequeno buraco, da largura de um dedo.

― Ei, esse não é o brasão dos Griffon? ― perguntou um dos cavaleiros, apontando para o desenho.

― Então o primeiro que vamos visitar é o duque? ― comentou outro, empolgado.

Quando ouviu os homens conversando, as sobrancelhas de Tércio se contraíram de maneira discreta. Ele já imaginava que aquele fosse o brasão da família da direto, só não tinha certeza, já que a pose da criatura não era a mesma presente no uniforme da Equipe de Subjugação. Mas agora que confirmou essa hipótese, um pensamento desagradável passou por sua cabeça: “Eliza está aprontando alguma coisa!”

Mandá-lo em uma missão que envolve escoltar filhos e parentes próximos de nobres, para que assim ele pudesse se encontrar com alguém da família Griffon. Esse era um plano tão óbvio feito por Eliza que Tércio chegava a ficar irritado.

Mas o que mais o irritava, não era a diretora estar planejando algo contra ele, pois já suspeitava há muito tempo disso, e sim o fato de que ela sequer estava tentando esconder isso.

Seja como for, agora era muito tarde para dar meia volta e retornar. E também, ele estava um pouco curioso para saber o que aconteceria.

Quando Tércio e os outros pararam em frente ao portão, Enri desceu de seu cavalo e tirou de seu pescoço um cordão contendo uma pequenina barra de ferro, do tamanho de um dedo, que se encontrava amarrada em um fio preto e estava sendo escondida como se fosse um colar precioso.

A barra de ferro, que era o único adorno do colar, não possuía nada de chamativo, era um metal comum. Porém, chamou a atenção do grupo, pois nenhum deles havia notado aquilo até então, incluindo Arthur.

O Cavaleiro Real se aproximou do portão com o seu colar em mãos e, quando parou de frente a ele, inseriu a pequena barra dentro do buraco, localizado no meio do peito do grifo.

No instante seguinte, quando as duas partes se encaixaram, um som alto e prolongado, que soava como “Zooommm”, ecoou. E então, o grifo começou a emitir uma forte luz dourada que mesmo sendo dia não pôde ser ofuscada.

Os cavalos se agitaram e deram alguns passos pra trás. Até mesmo os cavaleiros se surpreenderam e lançaram olhares cautelosos para o portão.

Tércio, por outro lado, ficou estupefato! Aquilo foi algo inesperado, mas, ainda assim, muito legal.

A luz dourada que vinha do Grifo começou a enfraquecer lentamente e quando se dissipou por completo, o portão se abriu.

 


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