O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 34: Abandonado

Após o grupo se separar, Tércio e o resto da equipe liderada por Arthur ― ou ao menos o que sobrou dela ―, continuou avançando pela estrada de terra. Aos poucos a luz solar começou a desvanecer e o anoitecer se aproximou. As árvores foram banhadas por um brilho alaranjado que anunciava a inevitável transição e nesse momento, com muito desânimo, o bando pensou que teria de passar outra noite na floresta.

Mas então, conforme a vegetação foi perdendo volume e a estrada se tornou mais ampla, à distância foi possível ver o contorno de casas ganhando forma à medida que avançavam.

Quanto mais eles chegavam perto, mais evidente ficava que estavam se aproximando de uma pequena vila apagada, que possuía uma estranha impressão de decadência, com casas sem cor e mato crescendo em cada fresta.

Tércio e os outros controlaram seus cavalos e vagarosamente entraram no povoado.

O lugar estava calmo. Não havia sinal de pessoas em canto e nem mesmo um único ruído se ouvia sem soprado das janelas quebradas e das portas derrubadas. Algumas casas ― simples em sua construção ―, feitas de madeira e telhados de barro, encontravam-se levemente destruídas, enquanto outras não restava nada mais do que entulhos.

― Que lugar é esse? ― perguntou Tércio à Arthur.

― Essa é a vila Minguante.

― Onde estão as pessoas? ― disse o garoto que possuía marcas de queimaduras antigas nos antebraços com estranheza. Tércio supôs que o lugar tinha sido destruído por monstros. No entanto, não havia sangue ou qualquer indício de luta; apenas destroços.

― Não faço ideia ― respondeu Arthur, dando de ombros.

― Elas fugiram dos monstros?

― Não! ― respondeu o líder de cabelo acobreado balançando a cabeça. – As pessoas que moravam aqui, tiveram que se mudar por outro motivo.

As palavras de Arthur foram proferidas com um leve desgosto, mas perceptível. Parecia ser uma questão desagradável, pois existia rancor e insatisfação em sua voz.

― Então foram pessoas? ― Tércio percebeu que o colega estava tentando evitar de se aprofundar no assunto, mas isso apenas serviu para aumentar sua curiosidade.

Arthur demorou alguns instantes para confirmar ou negar a especulação. Mas por fim, após soltar um breve suspiro, balançou a cabeça, confirmando a suposição do companheiro. Em seguida, ele olhou para longe, como se estivesse pescando uma memória antiga, e falou:

― É uma história muito complicada e eu não conheço todos os detalhes, mas desde que assumiu o trono, o rei passou a cobrar impostos mais altos e vilazinhas como esta se viram obrigadas a escolher entre comer ou pagar os atributos. E é meio óbvio o que as pessoas desse lugar escolheu.

― Então o rei mandou atacar esse lugar.

― Não acho que ele ou a corte real se dariam ao trabalho de fazer tanto por um lugar pequeno desses. ― Arthur agia de maneira natural, mas ainda era possível notar notas de reprovação em sua voz. ― A coisa ficou feia de verdade há pouco mais de cinco anos, mas acho que esse lugar caiu muito antes disso. Sem pagar os impostos, a vila e o pessoal daqui parou de receber qualquer tipo de ajuda. E depois disso não deve ter demorado para a decadência total. Isso aconteceu muito, sabe?

― Entendo ― murmurou Tércio, desistindo de fazer mais perguntas. Passar os últimos quatro anos na prisão, ou em lugares parecidos, o transformou em um verdadeiro ignorante em relação aos assuntos envolvendo o reino.

O grupo decidiu que seria melhor passar a noite por ali e Arthur escolheu uma das casas abandonadas, que ainda tinha um teto, para que eles pudessem se abrigar. Como o risco de monstro naquela área era menor, ficou decidido que apenas uma pessoa por vez ficaria de vigia durante as horas de escuridão enquanto os demais aproveitariam para descansar.

A noite foi tranquila, sem nenhum incidente. Somente alguns Goblins, uns monstrinhos verdes e muito covardes, cuja especialidade é roubar, tentaram invadir o lugar no qual eles estavam dormindo. Mas quando foram confrontados, fugiram aos tropeços, tornando a madrugada da pessoa acordada um tanto mais divertida.

Na manhã seguinte, quando Tércio acordou, ele foi logo dar uma volta pela vila, pois sentia que seria um desperdício passar por um lugar tão misterioso e fascinante para sua mente infantil sem fazer nenhum tipo de exploração.

O lugarejo era muito parecido com aquele no qual nasceu, incluindo as casas de madeira e as telhas de barro responsáveis por proteger das intempéries. Só que, ainda assim, o lugar era um pouco menor. Enquanto na sua antiga vila viviam mais de trezentas pessoas, aqui, em seus melhores dias, talvez possuísse em torno de cem habitantes.

Tércio não tinha percebido isso antes, mas agora que parou para pensar sobre, o que será que houve com a sua vila?

De acordo com o que Arthur falou ontem, os povoados de pequeno porte sofreram com os impostos abusivos e o lugar no qual nasceu talvez também tenha sido castigado nos últimos anos.

Bem... ele não se importava muito com essas coisas, então varreu tais pensamentos para longe e continuou a explorar as casas abandonadas e revirar os entulhos.

O jovem de quatorze anos andou em todas as direções, entrou nas casas abandonadas, derrubou algumas paredes que estavam para cair, só por diversão. No fim, cada canto foi inspecionado por seus olhos atentos. Contudo, para a sua profunda lamentação, nenhum tesouro foi encontrado. Apenas alguns brinquedos e panelas velhas tinham sido deixados para trás, nada que chamasse sua atenção.

Quando voltou para o local em que ele e os outros passaram a noite, percebeu que Arthur, Enri e os cavaleiros já estavam prontos para partir.

O Cavalei Real aparentava ter melhorado bastante após descansar, embora ainda possuísse uma expressão abatida e um rosto pálido. Os cortes e lacerações que sofreou estavam enrolados em bandagens e o braço esquerdo, quebrado, achava-se enfaixado, sendo mantido erguido por um cordão pendurado ao redor de seu pescoço.

― Ainda falta muito? ― perguntou Tércio quando se aproximou de Arthur.

Hm... Acho que a gente chega amanhã ― respondeu o colega depois de pensar um pouco.

― Ainda falta isso tudo!? ― resmungou Tércio, fazendo uma cara feia. Mesmo que adorasse viajar, ver coisas novas, conhecer pessoas, comer comidas diferentes e esses tipos de coisas, estava começando a ficar cansado.

― A capital está um pouco longe e os ataques que sofremos nos atrasou. ― justificou Enri, cuja voz soou fraca e desgastada.

― Nós estamos indo para a capital? ― Tércio levou um susto quando descobriu para onde estavam indo. Até o momento não tinha dado muita importância para o destino final e sequer pensou em elaborar perguntas a respeito do tema. Para ele não fazia muita diferença se iam para o norte ou leste, para as montanhas ou os desertos.

― Algum problema com isso? Aliás, você ainda não sabia para onde estávamos indo? ― disse Enri um pouco surpreso.

― Eu não gosto muito do lugar ― respondeu ele, evitando ser mais específico. – Disse Tércio fugindo da primeira pergunta. Em seu rosto notava-se uma peculiar, e incomum, expressão de apreensão.

Tércio já imaginava que eles estavam indo buscar membros de famílias nobres muito importantes, mas não passou pela sua cabeça que iriam para a capital. E isso o deixou um tanto preocupado. Um dos motivos para isso é que a Prisão Real fica perto de Selene.

Por alguns instantes, sua postura ficou um tanto desconcertada. Existia uma preocupação genuína, porém controlada, em seu jeito de agir que nem mesmo a ataque dos monstros foram capazes de provocar.

― Arthur, você não disse nada a ele? ― questionou Enri com uma expressão julgadora.

― Bem... ― O despreocupado coçou a cabeça. ― Para ser sincero, eu me esqueci completamente ― esboçou um sorriso desavergonhado.

― Francamente! Você deveria ter mais responsabilidade ― queixou-se Enri enquanto soltava um longo suspiro. Por mais que lhe doa admitir, já estava bem familiarizado com esse lado do Arthur. ― Tércio, se você quiser, eu posso lhe falar um pouco mais sobre a missão de escolta.

Apesar de ainda estar se recuperando, o Cavaleiro Real já estava mais energético do que era de se esperar de alguém que teve um braço quebrado e diversos machucados.

― Não precisa. De qualquer forma eu vou descobrir quando chegar lá ― respondeu o garoto balançando a cabeça.

― Nesse caso, é melhor a gente ir andando ― sugeriu Arthur.

O grupo concordou com a proposta e logo cada um dos dez presentes montaram em seus cavalos e deixaram a pequena vila para trás.

Eles cavalgaram o dia todo e pararam apenas para almoçar. E não foi nenhuma surpresa quando a noite chegou sem que de fato tivessem chegado ao destino final.

Desta vez, sem nenhum povoado próximo, abandonado ou não, Tércio e os outros foram obrigados a montar acampamento em uma clareira que encontraram perto da estrada.

Quando acordaram, não demorou muito e eles mais uma vez saíram em disparada, rumo à capital.

Já era o sexto dia de viagem e todos pareciam cansados. Andar a cavalo por tanto tempo, sem parar, era algo extremamente exaustivo para o montador e, em especial, para os animais. A essa altura, as pausas já não eram apenas para as pessoas descansarem. Os cavalos passaram a precisar de longos períodos de recuperação. Ainda assim, a jornada não foi interrompida.

Mesmo Tércio, que adorava cavalgar e viajar, já estava mostrando sinais avançados de tédio e cansaço. Entre todos, Arthur era o mais desgastado. Ele fez de seu cavalo uma cama e passou a maior parte do tempo deitado. Vez ou outra levava um tombo, mas nem isso foi o suficiente para fazê-lo desistir de encontrar a posição perfeita.

A viagem continuou por meio dia. A floresta havia ficado para trás, junto a um pequeno bosque e, no lugar, um longo campo ganhou espaço, estendendo-se por dezenas de quilômetros em todas as direções.

Eles cavalgaram por mais algumas horas. Até que então, no final da longa estrada, a figura de um enorme baluarte ganhou forma.

A extraordinária construção militar se destacava pela robustez de suas paredes de pedra e por uma imponente, e bem protegida, torre de vigília. Diferente da muralha encontrada em Elefthería, o bastião era uma estrutura antiga, com marcas de batalhas passadas que podiam ser enxergadas à distância.

O baluarte por si só impunha grande respeito, espantando qualquer intenção maliciosa de visitantes hostis. Contudo, a maior demonstração de força ficava no topo do posto avançado, nas passarelas que ligavam a torre de vigília em ambos os lados. Posicionadas em locais estratégicos, existiam dezenas de soldados cuidando de balistas enormes, prontas para atirar.

Conhecida como “Ouriço de Pedra”, a muralha que protegia Selene dispunha de diversos níveis de proteção. O primeiro era o baluarte com armas de longo alcance. Em seguida, existia um muro alto que contava com lanças, igual espinhos ― deixando-o semelhante a um cacto militar ―, cravadas em seu corpo para desencorajar a aproximação de corajosos. E para dificultar ainda mais a passagem de forças invasoras, havia uma trincheira profunda, que depois de tanta chuva, erosão e surgimento de nascentes, transformou-se num lago em formato de anel.

Tércio e os outros não tiveram problemas em passar pelo primeiro posto avançado, pois Enri fez uma rápida sugestão que indicava sua identidade aos guardas de plantão. Ao passarem pelo bastião, eles se depararam com uma entrada que levava direto a uma ponte sobre o lago. E do outro lado, achava-se um pesado portão de ferro, fechado, largo o suficiente para passar no máximo duas carruagens por vez.

Aquela entrada, protegida por chapas de aço e soldados, apesar de estar vazia, era um dos pontos de verificação para entrar na capital.

Quando se aproximaram, um grupo de homens trajando armaduras pesadas e portando longas espadas se aproximou.

― Parem! ― ordenou um soldado.

Arthur e os demais não resistiram ou contestaram a ordem e logo trataram de frear os animais. Em contrapartida, enquanto os outros pareciam um “relaxados” com a verificação de rotina, Tércio abaixou a cabeça e olhou para o outro lado, mas não antes de dar uma espiada suspeita no guarda.

Apenas quando outro homem passou olhando para ele, mas não sentiu a necessidade de pará-lo e inspecioná-lo, que o ex-prisioneiro se sentiu mais à vontade.

Seguindo as instruções que lhes foram dadas, Arthur e Enri desceram de seus cavalos e foram em direção ao soldado.

― Qual o motivo da visita? ― perguntou o sujeito de um modo grosseiro.

― Estamos aqui a mandado de Eliza Griffon, diretora da academia Elefthería. ― respondeu Enri, mantendo a cordialidade.

Arthur tirou um envelope do bolso e passou para o soldado. O homem, por sua vez, abriu o sobrescrito e correu os olhos sobre o conteúdo. E depois de confirmar a autenticidade, proferiu:

― Vocês podem passar ― dizendo isso, o guarda se virou e fez um sinal com a mão para os companheiros dentro do muro, que espiavam através de uma janelinha cercada por grades.

E então, no instante seguinte, um barulho estridente ecoou e o portão começou a se abrir.

― Foi bem fácil ― comentou Tércio quase em tom de comemoração. Ele sinceramente achou que demoraria mais para conseguir permissão para entrar na capital.

― Se não tivéssemos uma autorização especial dada por uma duquesa, seríamos obrigados a dar a volta e tentar pela outra entrada, no distrito comercial ― respondeu Arthur enquanto subia em seu cavalo.

Mesmo que seja uma ideia estranha, a dificuldade em entrar na capital nunca foi uma novidade. Existem casos de pessoas que atravessam todo o reino apenas para tentar uma vida melhor em Selene ou para encontrar um conhecido que mora do outro lado do muro de pedra e acabam sendo barradas ainda no posto avançado.

Para quem se encontrava do lado de dentro do “Ouriço de Pedra”, não é difícil sair, mas voltar também é um grande desafio, que exige planejamento e autorizações.

Seja como for, Tércio estava muito feliz por não ter tido nenhum problema. E para ser sincero, depois que saíssem, escoltando os novos alunos, não planejava voltar nunca mais no lugar. Assim sendo, aguardou com ansiedade a abertura da passagem.

Como o portão que dava entrada para Selene não era muito grande, logo o portal estava aberto, apenas esperando para que os forasteiros entrassem para que voltasse a ser fechado outra vez.

Nesse momento, Enri assumiu a frente da equipe. De todos, ele era o único que de fato já esteve na capital com liberdade para andar pelas ruas, então seria o guia.

Com a permissão dos soldados, o time enviado pela academia, agora em menor número, vagarosamente entraram na capital do Reino de Aurora, Selene!

 


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