O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 33: Uma breve parada

Arthur assistiu o rapaz que matou Varcolac se afastar, com uma expressão sombria no rosto. Embora estivesse aliviado pela eliminação da ameaça, as palavras arrogantes do garoto mais velho o incomodaram. Curioso, Tércio se aproximou do colega e perguntou.

– Quem é aquele? Fez um gesto com a cabeça, apontando para trás.

Arthur não teve pressa em responder. Ele abaixou a cabeça, desviando o olhar numa tentativa de manter os nervos acalmados, e soltou um leve suspiro.

― Aquele é Alec Thefiteer. É o filho mais velho do marquês Thefiteer.

― Nunca ouvi falar ― disse Tércio com estranheza. Marqueses são figuras de autoridade e poder. Seus nomes são conhecidos por todo o reino. Mas ele nunca tinha ouvido falar nada, nem mesmo um rumor, sobre esse o tal “Thefiteer”.

― Há dois anos, o marquês Thefiteer era só um nobre comum, sem qualquer poder ou prestígio. Mas, de repente, ele ascendeu ao topo e foi condecorado pelo Rei em pessoa. O motivo para isso? Ninguém sabe. ― Arthur tinha uma expressão soturna no rosto e falava com uma voz pesada. Por um instante, fez uma breve pausa, antes de voltar a abrir a boca: ― Os boatos dizem que ele fez uma grande contribuição para o Reino de Aurora.

Tércio não era ingênuo. Sabia muito bem que ninguém era capaz de obter tanto poder e em tão pouco tempo sem ter feito algo questionável para conseguir isso. E pela expressão de Arthur, a conclusão parecia ser compartilhada.

― É melhor não se aproximar muito daquele mimado ou de seu grupo ― avisou o líder de uma das Equipes de Subjugação em um tom profundo.

Depois disso, Tércio não falou muita coisa e não contestou o conselho que recebeu. Mas para ser sincero, não se importava com nada daquilo. Se o tal de Alec tentasse fazer algo, então o garoto que passou parte da vida na prisão apenas lhe daria uma surra. Simples assim.

Os cavaleiros que ainda estavam em estado de choque se recompuseram ― da melhor maneira que poderiam na atual situação ― e começaram a ajudar quem estivesse ferido. Muitos ainda tremiam e choravam sem parar. Mesmo que já tivessem feito essa mesma expedição tantas outras vezes, jamais imaginaram que a viagem se tornaria em um dos maiores desastres vivenciados. Mas a necessidade de manter a postura para que pudessem se organizar e partir o quanto antes, sobrepujava-se a qualquer outro sentimento sufocante.

Enri, que recebeu um golpe pesado durante o último confronto, estava sendo tratado em um canto ― não pensaram que seria uma boa ideia erguer tendas para isso. O golpe que recebeu foi tão grande que diversos ossos acabaram sendo quebrados. Ele permanecia inconsciente, porém não havia nenhum risco de vida.

Como o Cavaleiro Real estava atualmente incapacitado, Arthur ficou responsável por comandar todos os sobreviventes e ele não hesitou em dar ordens quando chegou a hora:

― Vocês! Peguem os suprimentos que ainda estão bons. Vocês, arrumem as carruagens que não foram destruídas e preparem os cavalos. E vocês, recuperem os itens que foram arremessados... ― O líder jovem estava organizando grupos de cavaleiros e os instruindo sobre o que fazer. E apesar de alguns exibirem caras feias, nenhum ousou desobedecer a suas ordens.

Enquanto Arthur organizava os cavaleiros, olhares invejosos o espreitavam à distância.

Em um canto isolado do resto das pessoas, localizava-se um grupo de garotos e garotas conversando entre si. Não havia muitos, mas, com exceção do ex-prisioneiro e seu companheiro, ali se encontravam todos os demais membros da Equipe de Subjugação.

Hunf! Plebeu imundo ― praguejou um rapaz de cabelo marrom, que possuía por volta dos dezesseis anos de idade.

― Mais da metade dos cavaleiros morreram. Quero só ver a punição que irá receber quando voltar para a Academia ― zombou uma garota de cabelo vermelho e olhos azuis.

― Punição? Ha, até parece que aquela mulher faria isso ― debochou um garoto esbelto e de boa aparência. ― Além do mais, que diferença faz quantos morreram?

Hunf! Desde que aquela mulher assumiu como diretora, a reputação da academia vem caindo cada vez mais! ― exasperou uma garota de dezesseis anos e nariz empinado.

― De fato! ― Concordou a amiga sentada ao seu lado.

― Primeiro ela arruma um jeito de burlar a lei e permitir a entrada de plebeus na Academia Elefthería. Depois cria a Equipe de Subjugação só para poder colocar eles. E agora isso ― resmungou outro, bufando e balançando a cabeça.

― Sinto pena pelo duque ter tido uma filha tão deplorável ― lamentou uma menina, que apesar das palavras duras, não parecia acreditar no que estava dizendo. Desejava apenas acompanhar os amigos.

Para eles, muitas dessas declarações eram legítimas e precisavam ser investigadas por autoridades competentes, pois acreditavam de verdade que crimes estavam sendo cometidos. Mas eles também entendiam que muitas de suas falas eram guiadas pela inveja.

Normalmente os responsáveis por comandar uma expedição como essa, de tamanha importância e periculosidade, seria um nobre. Mas desta vez dois plebeus assumiram essa responsabilidade. E isso deixou aqueles jovens nobres com inveja.

Alec Thefiteer também estava junto ao grupo resmungão. Mas diferente dos companheiros, ele não disse nada. Apenas ficou observando Arthur à distância, com olhos perversos.

Como era de se esperar, um dos alvos dos comentários caluniosos percebeu os olhares perfurantes e julgadores. Mas ele não deu muita importância a isso e continuou organizando os cavaleiros.

― Tércio, você poderia vigiar a área? ― pediu o jovem líder ao novato, que estava acariciando um dos cavalos desacompanhados. ― Não seria bom se fossemos pegos de surpresa por outro monstro.

― Tudo bem ― respondeu o rapaz das cicatrizes, que logo em seguida montou no cavalo e começou a patrulhar.

O sol já tinha se posto por completo quando os cavaleiros enfim recuperaram quase tudo que Varcolac havia lançado para longe com seus ataques.

O lugar estava sendo clareado por Claritas, o que fazia da escuridão um problema de fácil resolução. Tércio seguiu ao longo das horas vigiando a área. E apesar de não ser um trabalho muito empolgante, seguiu fazendo aquilo sem reclamar. Já Arthur decidiu avaliar tudo o que foi recuperado.

Depois de uma avaliação detalhada, o rapaz na liderança não conseguiu conter um suspiro pesaroso. As perdas tinham sido grandes demais.

Quando deixaram a academia, havia um pouco mais de cem Cavaleiros Baixos, vinte carruagens, suprimentos o suficiente para semanas, entre outras provisões. Mas agora, mais da metade foi perdida.

Dos cavaleiros, somente sessenta e quatro sobreviveram, com Enri incluso nesse grupo. Os suprimentos foram quase todos perdidos. Das carruagens, só sobraram sete e todas eram dos modelos mais luxuosos, destinada ao transporte de pessoas e não cargas pesadas.

Era uma situação de fato desastrosa. No começo da viagem, oito equipes se juntaram para cruzar a floresta com a máxima segurança possível, já que na volta elas estariam por conta própria.

Quanto menos cavaleiros perdessem durante a ida, mais seguro seria à volta.

Mas muitos homens e mulheres morreram durante os ataques dos Cães Negros e do Varcolac. O que significa que durante a viagem de volta para a academia haverá menos pessoas para proteger os novos alunos. E isso poderia resultar em um grande desastre, mesmo com os membros da Equipe de Subjugação ajudando na proteção. Afinal, existem monstros ainda mais fortes do que um mero Varcolac dentro da Floresta Meia Lua. E Arthur estava ciente disso.

O rapaz de cabelo curto e tom acobreado, pensava sobre como resolveria esse problema quando decidiu soltar um longo suspiro.

― Eu deveria ter intervindo antes ― murmurou pesaroso. Ele sabia que sua intervenção não teria mudado tanto a situação atual. Mortes ainda ocorreriam. Mas se tivesse agido mais cedo, talvez teria conseguido salvar alguns cavaleiros.

Arthur continuou refletindo por algum tempo, até que enfim chegou a uma conclusão. E então, logo tratou de começar os preparativos.

A primeira coisa que fez foi reorganizar os times. Os membros da Equipe de Subjugação permaneceram nos grupos que estavam, mas os cavaleiros foram realocados.

Além dos soldados, ele também redistribuiu as carruagens e os suprimentos.

Quando tudo foi acertado, ficou mais ou menos assim:

O grupo responsável por ir até a capital, que antes possuía mais de trinta membros, agora se encontrava com dez pessoas, incluindo Tércio e Enri. Os demais integrantes foram distribuídos entre as outras equipes. E como existiam oito bandos para sete carruagens, Arthur decidiu deixar que os demais fizessem uso delas.

Mas isso não foi tudo! Antes de deixarem a academia, Eliza disponibilizou quarenta moedas de Mágonds para caso alguma eventualidade ocorresse. E jovem na frente das decisões distribuiu essas moedas entre as formações para que elas pudessem comprar suprimentos, carruagens e o que mais fosse necessário.

Algumas pessoas resmungaram das decisões tomadas, mas, é claro, todos eram membros da Equipe de Subjugação.

Arthur ignorou esses resmungões e continuou a tomar as decisões que acreditava serem as certas.

E quando enfim ficou tudo acertado, uma nova ordem foi transmitida:

― Agora que está tudo pronto, vamos seguir em frente até encontrar um local seguro para passarmos a noite ― Disse Arthur em voz alta para que todos escutassem. ― Coloquem as Claritas nas carruagens e nos cavalos, assim não teremos problemas para enxergar.

Nesse momento, os cavaleiros trocaram olhares preocupados. Eles sabiam que viajar a noite era perigoso, ainda mais nas atuais condições.

Um soldado preocupado tomou a frente e perguntou:

― Eu entendo que ficar aqui pode ser perigoso, mas viajar a noite pode ser ainda mais. Então, não seria melhor permanecermos aqui e esperar o amanhecer? Sem falar que, os monstros não voltaram a atacar.

― O motivo pelo qual os monstros não estão atacando, é porque eles estão com medo da batalha que aconteceu agora a pouco, mas isso só se aplica aos fracos. Os mais fortes, cedo ou tarde, serão atraídos pelo cheiro de sangue. Até lá, quanto mais longe estivermos, melhor será ― explicou o garoto, compartilhando o pouco conhecimento que adquiriu nos últimos anos. ― Não há motivos para se preocuparem em sermos emboscados, ou coisa do tipo. Tércio irá na frente para garantir que esteja tudo bem.

― Eu vou? ― perguntou Tércio, olhando para ele com surpresa.

Sendo sincero, não se importava com isso. Viajar a noite também não era nada mal, talvez até melhor do que durante o dia. A brisa agradável, o silêncio, a sensação de estar sozinho... Essas coisas não lhe pareciam algo ruim.

― Por favor! ― pediu o companheiro, fazendo um gesto discreto com a mão.

― Fazer o que ― dizendo isso, Tércio subiu em um cavalo, pegou uma Clarita, e saiu na frente, sozinho.

Logo em seguida, o grupo receoso começou a se mover. Como muitos cavalos morreram ou fugiram durante o ataque do Varcolac, alguns tiveram que seguir a pé e isso fez com que a tropa viajasse ainda mais lenta do que antes.

Enri e alguns cavaleiros que continuavam seriamente feridos, foram levados dentro de carruagens. Os membros da Equipe de Subjugação reclamaram, pois alguns perderam seus assentos, mas Arthur falou mais alto.

Tércio não encontrou nenhum monstro enquanto andava na frente da tropa. E então, após algum tempo andando, eles enfim encontraram uma clareira que parecia segura e ali passaram a noite.

Na manhã seguinte, a tropa partiu assim que o sol mostrou sua cara. Eles seguiram viajem por meio dia, mas algo os forçou a parar.

Até o momento só havia uma estrada. Não se via trilhas ou caminhos que levassem para outra parte da floresta. Porém, no quarto dia, a tropa se deparou com uma bifurcação.

A estrada se dividia em dois caminhos diferentes. O primeiro era uma extensão da direção seguida até o momento, o outro era estreito e cheio de buracos.

Tércio estava viajando na frente, mas quando se deparou com a bifurcação, parou e esperou pelo restante. E foi pouco depois que ele descobriu que era ali que parte do bando se separaria.

Dos oito grupos, apenas três continuaram viajando pela estrada principal. Os demais seguiram pela estradinha mal acabada, que avançava em direção a uma região densa, de mata alta.

O grupo de Tércio estava entre os que foram pela estrada principal.

Não demorou muito e uma nova bifurcação apareceu. E com isso, os outros dois grupos se separaram do time de Tércio e Arthur, que continuaram a viajar pelo mesmo caminho.

Quando o jovem líder deixou os companheiros ficarem com as carruagens, ele pediu em troca cavalos para os membros de sua equipe.

Então, como estavam todos montados, no momento em que se separaram, os dez seguindo pela estrada principal aumentaram a velocidade e dispararam, deixando apenas uma fina camada de poeira para trás.

Mas eles não correram por muito tempo, já que apesar de ter melhorado após uma boa noite de sono, Enri ainda possuía diversos ossos quebrados.

Tércio e os outros estavam cavalgando pela estrada que cortava a floresta. O tempo foi passando e o sol começou a se preparar para ir dormir.

E então, quando parecia que eles passariam mais uma noite na floresta, o número de árvores diminuiu e, ao longe, a figura de casas foi ganhando forma...

 


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Marcelo Kuchar

Emily Silva

 

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