O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 25: Atroz

A breve tensão entre o jovem estranho com cara de encrenqueiro e a diretora da academia reuniu um pequeno grupo de curiosos. Mas quando perceberam que nada de dramático iria acontecer, o bando foi logo se dispersando. O soldado, que decidiu não ser precipitado, largou o punho da espada e retornou para a sua pausa do almoço.

Eliza planeja ir ao Lua de Prata, um restaurante querido por ela e por muitas outras pessoas. A duquesa foi na frente, sem parar para olhar sobre o ombro. E Tércio se viu obrigado a correr enquanto balançava as sacolas. Caso perdesse o almoço por causa da birra, não se perdoaria.

A andança dos dois os levou direto para aquela que era dita ser a mais deslumbrante praça de Elefthería, embora não fosse a única: Praça da Esmeralda Lunar!

É dito que quando há uma folga nos deveres da escola, todos os alunos da academia visitam esse lugar. Por esse e outros motivos, a Praça da Esmeralda Lunar também é conhecida como um ponto de encontro entre os jovens.

Devo dizer, não é para menos que a garotada gosta de passar grande parte de seu tempo por ali. Trata-se de um lugar belo, isso eu posso garantir!

 Bem no centro da Praça da Esmeralda Lunar, um chafariz jorra água sem parar, e essa, quando cai, junta-se a um pequeno córrego de águas rasas e cristalinas. Córrego esse que está lotado de peixes de todas as cores e tipos.

Pequenos banquinhos de madeira, protegidos pelas sombras de algumas árvores e arbustos, estão espalhados por todo o lugar. E o aroma que exala das flores, deixa o ar perfumado com um toque de simplicidade e tranquilidade.

Ah! Não vamos nos esquecer dos restaurantes e comércios que circundam a área. Se você está com fome ou precisa de algo, é só ir ali pertinho que vai encontrar o que precisa.

O Restaurante da Lebre Crescente é um desses comércios que ficam próximos do belo jardim. Na verdade, ele possui a melhor localização de todas, pois fica na esquina da Avenida Principal e tem uma vista ampla do chafariz da praça. E se tiver sorte, pode até mesmo ver peixinhos saltando alegremente do córrego.

Eliza e Tércio estavam nesse local agora. Quando a diretora chegou, os funcionários foram logo arrumando um lugar para ela e seu novo “irmãozinho” se sentar. O melhor lugar com a vista mais bela! Afinal, ela era uma duquesa e a responsável pela academia Elefthería. Uma verdadeira figura de respeito e admiração. Nada abaixo do melhor seria tolerado ― ou pelo menos foi isso que os funcionários pensaram.

Ah, eu já tava esquecendo! ― grunhiu o moleque maltratado, soltando um suspiro de esclarecimento. ― Aquele uniforme...

Ah, sim. Henry me informou que você estava com dúvida sobre algo. O que era? ― perguntou Eliza, lembrando-se vagamente do assunto.

― Eu só quero saber por que me mandaram um uniforme da escola também? ― Tércio não demonstrava nenhum interesse em seu tom de voz. Ele estava tentando se manter indiferente ao assunto. Mas no fundo, ainda torcia para não ter sido um engano.

― Mas é claro que você é um aluno! ― A resposta de Eliza fez o menino se inclinar sobre a mesa. ― Não se pode ser um membro da Equipe de Subjugação sem ser um aluno da academia. Eu mesma criei essa regra. Já te falei isso antes ― Ela estava segura de que havia falado sobre tal assunto. Para a bela senhoria, não existia forma de ter se esquecido de mencionar algo tão importante. Mas então, percebeu: ― Eu... por um acaso, não falei?

Os olhos de Tércio brilharam quando ouviu as palavras de Eliza. Mas ele se conteve, para não demonstrar qualquer sinal de ansiedade.

Mas era difícil de se conter, pois a duquesa acabou de dizer que de fato ele havia entrado para Elefthería. Simples assim, o camponês se tornou um dos poucos alunos da única escola de Encantamento Mágicos de todo o reino.

Ele não tinha entendido mal, não é? Ela realmente falou tudo aquilo, não falou?

Tércio quis pular de alegria. Mas só para o caso de ter entendido errado, conteve-se. Afinal, a do cabelo quase roxo poderia muito bem estar falando de outro tipo de aluno, um que estude caça aos monstros, por exemplo.

Foi por isso que ele se segurou e disse da forma mais calma possível:

― Não, você não falou nada.

― Sério? Sinto muito! ― desculpou-se Eliza com sinceridade. ― Já que eu ainda não te expliquei, que tal aproveitarmos esse tempo livre?

― Vai lá ― concordou Tércio, mantendo a postura, por fora.

Para ter certeza de que não perderia uma única palavra, ele aguçou os ouvidos e se concentrou no que Eliza estava prestes a falar.

No entanto, a ansiedade dele não escapou dos olhos da duquesa que sorriu de leve quando o viu debruçar sobre a mesa.

― Bem, simplificando, a Equipe de Subjugação é um grupo composto por alunos da academia. É por isso que, a menos que você se torne um de nossos estudantes, você não poderá fazer parte ― falou com um sorriso malicioso. Não é que ela estivesse tentando assustá-lo, mas não havia mal algum em provocá-lo um pouquinho, não é?

― E aquela história de “escola de nobres”? ― indagou Tércio confuso, ignorando a tentativa de provocá-lo.

― Até algum tempo atrás, era. Mas eu posso ser influente quando quero. ― Havia soberba e uma confiança implacável em sua voz. ― Já temos até mesmo algumas centenas de estudantes plebeus.

O ex-prisioneiro estava começando a se encher de animação. Ele entrou para uma escola, mesmo sem perceber. E era a mais famosa de todo o reino. Era uma pena não ser o primeiro plebeu, mas isso não importava muito.

Contudo, antes que pudesse sair comemorando, ele se lembrou de algo que roubou todas as suas esperanças:

― Mas e a Lei do Silêncio? Ela não existe mais? ― perguntou um pouco receoso. Ele não tinha certeza se deveria fazer essa pergunta. Até porque, não queria fazer a outra perceber que cometeu um erro.

Será que estava prestes a destruir os próprios sonhos?

― A lei ainda existe! E não houve nenhuma alteração ― respondeu Eliza com a voz firme.

E isso fez o garoto se sentir depressivo. Mas então, após uma breve pausa, Eliza continuou:

― No entanto, a lei apenas proíbe plebeus de aprender e usar Encantamentos Mágicos. Porém, aqui em Elefthería, há muitos outros cursos. ― Quando terminou de falar, seus lábios se contorceram em um sorriso perceptível e travesso.

Tércio não fazia ideia do porquê ela estar sorrindo daquela forma. Mas com certeza não era nada de bom.

E após uma breve pausa dramática, a Srta. Griffon acrescentou:

― Além do mais, não é como se você fosse capaz de usar Encantamentos Mágicos.

― Como assim eu não sou capaz? Já viu o meu fogo? ― Bufou Tércio enraivecido com a acusação. Ele pode até ser um pouco lento para aprender as coisas, mas chamá-lo de burro, sem sequer tentar disfarçar, foi algo que não pôde tolerar.

― Acalme-se! ― pediu Eliza, fazendo um gesto com as mãos para tentar acalmá-lo enquanto sorria de maneira amigável. ― Eu não estou falando que você não tem a capacidade de aprender. Só estou dizendo que, mesmo se tentasse, seria impossível aprender Encantamentos Mágicos.

― Por quê? ― Ele ainda estava enfurecido.

― Por acaso, ninguém nunca te falou sobre suas habilidades? As magias individuais, ou o fato de você ser um Atroz? ― Eliza buscou por uma resposta, na qual o irmãozinho respondeu com um aceno de cabeça. ― Entendo. Sendo assim, deixe-me ver como eu começo a explicar... Ah, já sei...

Ela estava prestes a começar sua explicação, quando uma garçonete se aproximou, trazendo o que eles haviam pedido mais cedo em uma bandeja de prata.

A serviçal primeiro entregou o prato da diretora, em seguida o de Tércio.

Mais cedo, quando foram pedir, o pobre garoto não entendeu nada do que estava no cardápio, foi por isso que a duquesa pediu em seu lugar, um tipo de carne assada com batatas. Seja como for, o cheiro estava ótimo.

O esfomeado quis atacar a carne assada, mas ele se conteve, pois queria saber mais sobre suas habilidades e o motivo de não ser capaz de usar Encantamentos Mágicos.

― O que era aquela coisa que você disse? ― Tércio a incentivou a continuar.

― Eu não sou muito boa em ensinar, mas... ― balbuciou Eliza insegura de sua competência como instrutora. ― Monstros, humanos e outras criaturas, cada um deles possuem sua própria maneira de usar magia. Monstros, por exemplo, quando se desenvolvem ou aumentam muito sua força, eles aprendem uma ou duas habilidades mágicas. No entanto, eles são incapazes de usar Encantamentos Mágicos. Mesmo os mais inteligentes. Humanos, por outro lado, não aprendem habilidades mágicas conforme se tornam mais fortes, mas eles podem usar Encantamentos. Porém, os Atrozes são diferentes.

― Atroz? ― repetiu o garoto, intrigado.

Conforme a explicação prosseguia, Eliza, vez ou outra, parava de falar e, seguindo à risca a etiqueta, provava um pouco de seu assado. O ex-prisioneiro, por outro lado, abocanhava e rasgava a carne no dente, sem se importar muito com talheres ou etiquetas.

Muitas pessoas se sentiriam envergonhadas de comer ao lado de tal pessoa vulgar, mas Eliza, por algum motivo, estava se divertindo com a cena.

― O que é este, Atroz, que você falou? ― perguntou Tércio de boca cheia.

― Ninguém nunca te falou sobre isso? ― questionou Eliza, parecendo surpresa. Ela não imaginava que ele sabia tão pouco de si mesmo.

― Não, nunca. Bem, eu já ouvi algumas pessoas me chamando dessa coisa, mas eu não faço ideia do que é.

― E... ― Eliza hesitou por um momento ― seus pais. Eles nunca comentaram com você sobre suas habilidades? ― disse ela com cautela, temerosa em tocar num assunto tão delicado.

Mas para sua surpresa, Tércio agiu com normalidade quando sua família foi citada.

― Também não. Quando eu usei a minha magia de fogo pela primeira vez, eles me disseram para nunca usar aquilo na frente das pessoas. Mas foi só isso ― respondeu Tércio.

― Entendo... Bem, nesse caso ― ela parou por um segundo e pensou na melhor resposta. ― Atrozes são pessoas que, assim como você, nasceram com algum tipo de habilidade mágica. O seu fogo, por exemplo, é uma habilidade mágica ou, como é popularmente conhecida, magia individual. ― A duquesa manteve um tom de voz calmo enquanto falava. ― Pessoas que possuem magia individual são únicas... de várias maneiras.

― Então... não existe outra pessoa com uma magia igual a minha? ― murmurou Tércio, fascinado. ― E porque nós não podemos usar Encantamentos Mágicos?

Antes de responder, Eliza parou e refletiu sobre a pergunta. Ela tinha uma expressão complicada no rosto, como se estivesse pensando em alguma coisa complicada.

― Para ser sincera, eu não sei. ― Por fim, respondeu. ― Ninguém sabe ao certo. E é justamente por causa dessa falta de resposta que Atrozes costumam ser discriminados.

Quando terminou de falar, o rosto da duquesa afundou, revelando uma expressão melancólica. Era como se isso, por algum motivo, a incomodasse.

― Sério mesmo? Não fazia ideia. ― Tércio tinha uma expressão tranquila, como se isso não o afetasse.

Eliza demorou um pouco para voltar a falar. Parecia que ela estava ponderando se deveria contar ou não. Então, depois de uma breve reflexão, decidiu falar:

― Atrozes são vistos e tratados, por muitas pessoas, como monstros. ― Seu tom era sério e seus olhos verde-claros transmitiam compaixão. ― Muitos acreditam que os Atrozes possuem algum tipo de conexão com os monstros, já que, igual a eles, os Atrozes são incapazes de usar Encantamentos Mágicos. Mas é claro, isso não passa de besteira.

Ela olhou para Tércio, para ver como ele reagiria a essa informação. Afinal, isso era um assunto que o afetava diretamente. Porém, a duquesa acabou se surpreendendo com sua atitude despreocupada.

Hm... As pessoas fazem isso mesmo? Que bobagem ― disse Tércio, dando de ombros.

― Você não está com raiva ou coisa do tipo? ― indagou Eliza, surpresa ao ver o quão relaxado o pobre garoto estava.

― Não. Tá cheio de idiotas desse tipo por aí. Já acostumei. ― Tércio tinha preguiça demais para ficar com raiva desse tipo de pessoa.

Eliza não conseguiu esconder a expressão de surpresa que tinha no rosto. Era o tipo de mentalidade e maturidade que não esperava ver nele. Foi algo de fato inesperado.

― Mas... isso é um pouco decepcionante. ― Tércio voltou a comentar depois de ficar um instante em silêncio.

― O que? ― Eliza ficou confusa.

― É que quando eu estava na prisão da capital, muitos prisioneiros me chamavam de monstro. Na época eu pensava que era por ser forte, mas agora percebi que não era por causa disso. ― Tércio suspirou profundamente, decepcionado com o que acabou de descobrir. Ele acreditava que o apelido de “Monstro de Fogo” era por ele ser muito forte, mas ao que parece estava errado. ― Babacas! ― resmungou.

 


Eu gostaria de deixar meus mais sinceros e profundos agradecimentos aos apoiadores que encorajam o meu trabalho, que são eles:

 

Marcelo Kuchar

Emily Silva

Rafael Teless

 

Se você tem interesse em fazer parte desses apoiadores maravilhosos e ver coisas inéditas de O Condenado e Um Alquimista Preguiçoso, faça seu apoio também!

 

Chave do PIX: [email protected]

 

Ou, se preferir, apoie por aqui:

Apoai.se: https://apoia.se/liberaoconto

Padrim: https://www.padrim.com.br/liberaoconto

Catarse.me: https://www.catarse.me/liberaoconto



Comentários