O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 24: Irmãozinho

As compras terminaram logo depois de Eliza pagar tudo. Sophia não perdeu tempo e embalou toda a compra em quatro grandes sacos feitos de algum tipo de tecido bege. E então, os entregou para Tércio carregar. Ele, por sua vez, resmungou um pouco, mas terminou aceitando a tarefa. Até porque, a maioria dos itens ali eram os presentes que recebeu.

E por fim, depois de uma despedida animada e repleta de promessas de se encontrarem em breve por parte das amigas, da qual Tércio não disse uma única palavra, os dois únicos fregueses da isolada loja de roupas deixaram o estabelecimento miserável.

Do lado de fora, a carruagem que os trouxe para essa região desabitada já havia voltado para a escola e por isso eles tiveram que seguir para o próximo destino a pé.

Segundo Eliza, ainda faltava comprar os sapatos novos para o menino. Mas antes disso, uma breve parada para o almoço era necessária, afinal já passava das onze horas da manhã e ambos estavam famintos.

A duquesa disse a Tércio que não muito longe dali existia um ótimo restaurante, com comidas deliciosas. E era para lá que eles iriam agora.

Com a senhoria de cabelo púrpura atuando como guia, os dois deixaram a região deserta na qual ficava a Casa da So. As estradas estreitas e desabitadas deram lugar a uma rua larga e movimentada. Homens, mulheres, crianças e soldados armados com espadas e armaduras, eram vistos andando animados pelas ruas, inspirados pelo brilho alegre do sol e a brisa suave vinda da floresta.

Ao longo do caminho, diversas pessoas paravam para cumprimentar Eliza. Até mesmo crianças que estavam andando juntas de seus pais sabiam quem ela era. E a moça de origem nobre, de boa vontade, respondia a cada um deles com muita educação. Às vezes ela só balançava a cabeça, outras dizia algumas palavras, mas sempre com muita educação.

― Bom dia, Dir.ª Eliza! ― disse uma mulher de trajes e maneiras simples que carregava uma criança no colo. E a duquesa, por sua vez, além da resposta educada, até mesmo parou para fazer algumas caretas para o garotinho.

Tércio, que estava a seguindo enquanto carregavam os sacos de compras, não pôde negar que essas pessoas a viam com bons olhos. No entanto, ele ainda tinha suas suspeitas em relação a mulher em sua frente.

Em momento algum abriu a boca para apresentar suas mais profundas apreensões, mas a cara emburrada deixava claro que não parava de pensar em algo. Seus pensamentos estavam tomados por incerteza e desconfiança.

Nesse meio tempo, Eliza, que estava andando na frente de Tércio, de repente parou.

Algo a estava incomodando desde que eles deixaram a Casa da So. Durante todo esse tempo, aquele menino que tinha um ótimo motivo para sorrir ― por algum motivo ―, permaneceu estranhamente quieto, sem dizer uma única palavra. A expressão em seu rosto era fria e cautelosa, como no dia em que eles se conheceram.

Ela não entendia o que tinha feito de errado. Ao longo desta semana que se passou, empenhou-se de coração e alma para conquistar a confiança dele, e aos poucos estava obtendo resultados ― ou assim pensou.

No começo da viagem, ele ficava a maior parte do tempo sozinho, com seus próprios pensamentos. Mas depois de alguns dias, uma vez ou outra, o garoto tomava a iniciativa de começar uma conversa. Na maioria das vezes as perguntas eram sobre a academia. No entanto, Eliza ainda pensava que isso já era um grande avanço.

Hoje mesmo ela se surpreendeu com o quão animado Tércio parecia estar em fazer compras. E por isso não foi mesquinha na hora de pagar por todas aquelas roupas ― ela não queria decepcioná-lo. Ah! E não vamos nos esquecer da maneira com que Tércio tratou Sophia, apesar de ter acabado de conhecê-la. Embora tenha sido uma interação um tanto rude, pode-se dizer que ele foi sincero e meio inocente em sua forma de agir, uma inocência esperada em um adolescente.

Para Eliza, vê-lo se comportar feito um garoto qualquer, que se anima com a simples ideia de comprar roupas novas, valeu todo o esforço e dinheiro gasto nestes últimos dias.

Mas agora, por algum motivo, Tércio se fechou outra vez.

Ao notar a expressão carrancuda do companheiro, a duquesa parou no meio da avenida principal. E sem se importar com as pessoas que passavam cumprimentando-a, ela perguntou:

― O que foi? Aconteceu alguma coisa? ― falou com preocupação. ― As bolsas estão pesadas? Quer que eu as carregue?

― Não precisa ― respondeu Tércio de forma fria.

― Então o que foi? Por acaso está com fome? ― Eliza exprimiu um sorriso gentil e continuou: ― Para ser sincera, eu também estou com muita fome. Mas não se preocupe, logo chegaremos ao restaurante.

Ela sabia que esse não era o caso, mas não queria pressionar demais e correr o risco do garoto se fechar ainda mais.

Então, sem dizer mais nenhuma palavra, virou-se e voltou a andar. Porém, quando reparou que Tércio não estava a acompanhando, ela parou de novo e o encarou com uma expressão um pouco mais séria do que o de costume.

O condenado olhou a duquesa nos olhos com um olhar frio, suspirou e começou a falar usando uma calma, porém áspera:

― Uma vez eu conheci um cara legal, gentil, entendo? Me ajudou em um monte de coisa. E eu pensei: “eu posso confiar nele”. ― Ele fez uma pausa prolongada, respirou fundo, e continuou: ― Sabe como isso terminou? Eu queimei o desgraçado.

Naquele momento, sua voz adquiriu uma indiferença desumana e ao mesmo tempo carregada de raiva e ressentimento. Pela primeira vez, a duquesa sentiu não estar diante de um jovem comum. Ele era um criminoso e essa conclusão fez cada fibra de seu corpo se agitar, ativando seu instinto de autopreservação.

Mas ela se segurou, para não fazer ou falar algo que criasse uma situação irreversível.

Mudando para um tom solene, Tércio prosseguiu:

― Eu aprendi que nem toda gentileza é gentil de verdade. Nos últimos dias eu achei que só tinha a ganhar ficando perto de você, mas... sei lá! ― Deu de ombros. ― Parece que tem alguma coisa errada. Eu entendo, todo mundo tem segredos. Também tenho alguns. Mas toda essa sua forma de agir já tá me parecendo suspeita de mais.

― Isso tudo é porque tentei cortar o seu cabelo? ― Apesar da tensão criada pela outra parte, Eliza decidiu manter o bom humor e amenizar o clima, antes das coisas se complicarem ainda mais.

No entanto, Tércio continuou olhando para ela com severidade no olhar. Esses não eram os olhos de uma criança e nem de um adolescente. Ele colocou as bolsas no chão e apertou os punhos, quase num gesto de afronta.

As pessoas que estavam passando pela rua, olharam para a cena um tanto impressionadas, podiam sentir a hostilidade. Um soldado que estava em seu horário de almoço, segurou o punho de sua espada, que se encontrava presa na cintura, e se preparou para agir.

Eliza, por outro lado, continuou observando Tércio, sem o menor traço de preocupação no rosto. Ela não tinha sequer um pingo de medo do garoto.

― Uma duquesa que aparece do nada e começa a comprar um monte de presentes caros. O que você quer? ― sibilou Tércio com ferocidade.

A tensão gerada estava crescendo, deixando o ambiente ao redor mais pesado. Mesmo assim, o objetivo dele não era lutar e sim fugir, caso fosse preciso.

Tércio não tinha certeza, era apenas o seu instinto falando, mas achava que Eliza não precisava de Kay e Kacio para protegê-la. Ela por si só era forte o bastante para representar uma ameaça substancial. Foi por isso que ele decidiu que, se acontecesse uma batalha, criaria uma abertura e depois correria o mais rápido que suas pernas o permitissem.

A infame Srta. Griffon, por outro lado, não estava nem um pouco alarmada com a hostilidade do ex-detento. Ela mantinha um semblante calmo enquanto o encarava.

Por um momento, ela ponderou sobre as palavras de Tércio, questionando “qual era o seu objetivo”, e então, por fim, decidiu o que falar:

― Eu não vou negar nem afirmar que eu tenho um interesse particular por você. Porém, você parece ter compreendido mal minhas ações. As roupas, a oferta de emprego, de um lugar para ficar, estar aqui, nada disso é uma tentativa de enganá-lo ou de fazê-lo gostar mais de mim. Você não precisa confiar em mim por enquanto, mas espero que acredite em minhas palavras.

A voz usada por ela possuía um tom tão sutil de pureza e ao mesmo tempo de suplica que parecia estar confessando um sentimento genuinamente carinhoso. Seria uma mentira dizer que Tércio não se comoveu, mas a desconfiança permanecia.

― Então, por que tá me ajudando tanto? ― indagou ele.

― Isso é simples, por empatia ― respondeu ela, balançando os ombros. Estava sendo sincera, e disso nem mesmo o ex-prisioneiro suspeitava. ― Você não é nem um pouco parecido com “ele”, mas a primeira vez em que te vi, lutando naquela arena, você me fez lembrar “dele”.

― Quem?

― Meu irmão ― disse a duquesa de forma simples. Um suspiro nostálgico foi liberado e então, após um segundo de silêncio, acrescentou: ― Eu sou a mais nova de quatro na minha família e acho que por isso meu irmão mais velho; o mais velho de todos, sempre cuidou de mim ― exibiu um sorriso divertido. ― Ele viajava muito quando eu era criança e sempre que voltava para casa trazia lembrancinhas e essas coisas. Eu adorava! ― Eliza parou, suspirou outra vez. Porém, angústia e lamentação acompanhou o ato. ― Eu sinto muito por ter demorado para te encontrar, por não ter chegado a tempo naquela... por todas essas cicatrizes. Sinto muito, de verdade.

A melancolia tomou conta de sua voz, que oscilou com o peso do sentimento. O olhar em seu rosto era de pura ternura e arrependimento. Não havia segundas intenções em suas palavras.

Ouvindo tudo aquilo, Tércio experimentou um misto de sentimentos. Ele foi incapaz de obter uma resposta precisa e esclarecedora, mas ver a duquesa daquela forma, falando daquele jeito, o fez se sentir mal, como se tivesse feito alguma coisa errada.

Nesse ponto, já não duvidava tanto assim de sua gentileza. Ele afrouxou os punhos, relaxou o corpo, desistindo de qualquer hostilidade, e falou:

― Eu não preciso de uma irmã mais velha.

― Ah, essa é uma boa ideia! ― Eliza Griffon soltou um grunhido animado. ― A partir de hoje nós seremos uma família! Você vai ser o meu irmãozinho.

― Sem sangue, é? ― retrucou Tércio usando um tom debochado.

― O sangue não pode definir uma família! ― afirmou Eliza, com convicção. ― Você vai descobrir isso. Daqui a pouco vai estar me chamando de “irmã”.

― Até parece.

― Uma família tem muito mais a ver com os sentimentos do que qualquer outra coisa, como a vontade de querer ajudar nas horas difíceis e se preocupar com o outro.

― Você vai mesmo insistir...

― Quanto ao resto ― Eliza o interrompeu ― a gente pode deixar para discutir depois. Por enquanto, eu lhe dou a minha palavra de que não lhe farei mal. O que irá fazer agora, você pode decidir. Mas eu estou com muita fome. Então, irei procurar um lugar para comer.

Dizendo isso, ela se virou e partiu sozinha, dando espaço para o garoto pensar.

Tércio não precisou pensar muito antes de pegar as sacolas e segui-la. No final, a situação não tinha mudado tanto assim. Contudo, diferente de alguns instantes atrás, ele queria poder confiar nela. Se sua escolha é a certa ou errada, terá de descobrir isso depois e quando chegar a hora, estará preparado. Mas por enquanto, estava feliz por ainda ter um lugar para dormir.

 


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