O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 22: Crianças

No momento em que Sophia entrou no mar de roupas, seu pequeno corpo desapareceu na bagunça em que estava aquele lugar. Tudo o que podia ver era o balançar das vestes penduradas em finas cordas de linho.

Se ela seria capaz de cumprir sua promessa de encontrar roupas tão bonitas quanto as usadas por Eliza, isso era um mistério. Mas para Tércio, que assistia de pé no meio do único corredor que existia na loja, era simplesmente impensável haver roupas tão belas quanto as de uma duquesa naquele lugar.

― Aí, tudo aqui foi feito por ela? ― perguntou Tércio a amigável companhia, que estava olhando um vestido rosa.

Hm... Ah, sim! Todas foram feitas por ela. Inclusive essas que estou vestindo ― Eliza deu uma volta, mostrando o belo conjunto que havia escolhido para esse passeio.

Ela estava usando um vestido longo, de estilo godê da altura dos joelhos e marcado por dobras bem definidas. Ele era de um roxo profundo, quase preto na altura da cintura, e à medida que ia descendo passava para um rosa sutil, com delicados bordados nas pontas.

― Aquela menina agitada fez tudo isso? ― Tércio não conseguiu conter a surpresa em sua voz. Para ele, já era incrível que So fosse a criadora de tantos conjuntos variados (demonstrava uma mente ativa), mas a confirmação das alegações indiretas anteriores foi de fato surpreendente, afinal de contas, as roupas da duquesa eram belas e delicadas, dignas da nobreza.

― Não há nada com o que se surpreender ― afirmou Eliza. ― Eu te disse, não disse? Que a So é a melhor estilista da academia Elefthería.

De fato ela tinha falado isso, mas Tércio pensou que aquilo era apenas uma bajulação entre amigas.

― Se essa menina é boa assim, por que ela tem uma lojinha tão medíocre? ― questionou Tércio que não tinha nenhuma base para criticar outra pessoa. E na verdade, não era isso que estava fazendo. Apenas transmitia seus pensamentos da maneira mais simples e direta. ― Quero dizer, para alguém que tem uma duquesa de cliente, esse lugar é uma porcaria.

― Bem... Isso é um pouco complicado de explicar ― murmurou Eliza, com uma expressão soturna no rosto. Seu tom descomprometido afundou e por um instante e por um instante ela se tornou mais evasiva.

Após tal comentário, os dois permaneceram em silêncio. Um entendia que não devia fazer muitas perguntas e a outra se mostrou um tanto desconcertada. Nos instantes seguintes, o único som que se ouvia era o das roupas se remexendo.

Eliza voltou a olhar o vestido rosa. Parecia que ela tinha gostado muito dele.

E Tércio, sem nada pra fazer, suspirou entediado. Afinal, o quanto mais ele teria de esperar? Entendia que não deve ser nada fácil achar algo no meio daquela enorme bagunça, mas realmente era necessário tanto tempo para encontrar uma única camisa?

Para ele, qualquer uma servia, mesmo se não fosse do seu tamanho ou se viesse acompanhado por traças. Não era uma pessoa muito exigente.

O tempo continuou a passar e Tércio já havia começado a tamborilar nervosamente os dedos em seus braços, que estavam cruzados. E então, depois de muito esperar, Sophia enfim voltou. Em seus braços, uma pilha de roupa, que se estendia até o topo de sua cabeça, pesava de tal forma que seu andar tornou-se desengonçado. A pequena tropeçava a cada dois passos, mas a empolgação era tamanha que conseguia se manter de alguma maneira.

Quando se aproximou de Eliza, ela apenas deixou a pilha de roupa cair no chão e com um suspiro de alívio, secou o suor da testa, e disse:

― Experimente estas! Elas são as minhas melhores peças masculinas! ― declarou a garota cheia de si e com um enorme sorriso de satisfação pelo trabalho bem feito.

Tércio encarou o monte de roupas por um segundo. Estava pensando em como dizer isso de forma simpática...

― Que merda é essa?! Passou do limite, né!

― Do que você está falando? Quando se trata de roupas, nunca é demais! Roupas são as coisas mais importantes na vida. É a base da civilização. ― Gesticulando e usando uma voz teatral, So fez seu discurso com extrema confiança. E quando terminou, bufou da maneira que uma rainha faria ao ser questionada por uma pergunta boba.

― Pode ser pra voc... ― Tércio abriu a boca e começou a protestar. Para ele, roupas não eram nada mais do que pedaços de pano usados para cobrir o corpo. Elas não eram tão importantes assim. Mas por algum motivo, achou que se começasse uma discussão, perderia e feio. Por isso, fechou a boca e decidiu deixar para lá. ― Bem, tanto faz... E aí, qual vou usar primeiro?

― Todas! ― declarou Sophia. E Tércio suou frio. Ele de forma alguma experimentaria tudo aquilo. ― Mas... Deixe-me ver... Que tal começar por essas...

Sophia se abaixou e tirou uma túnica com cortes bastantes modernos e uma calça do meio da pilha de roupas.

A túnica de cor vinho possuía uma faixa cinza que se estendia da lateral do peito direito, fazendo uma leve curva para baixo, até que, por fim, extinguia-se na borda do lado esquerdo. No extremo do lado direito da peça existia um corte na diagonal que combinava à ousada gola em “V” presa por cordão. E a calça, acinzentada, mais simples, era larga nas pernas e cobria todo o calcanhar, quase podendo ser arrastada pelo chão.

― Vamos acabar logo com isso ― disse Tércio de má vontade. E sem perder tempo, foi logo desabotoando a camisa.

Mas antes que conseguisse tirá-la por completo, ele foi parado por Sophia que, desesperada, pediu:

― Espere, espere, espere! ― Ela sacudiu as mãos para o garoto enquanto virava o rosto de lado, envergonhada. ― O que você está fazendo?

― Tirando a roupa. ― Tércio foi simples em sua resposta.

― Não é isso o que eu perguntei! O que eu quero saber é: porque você está fazendo isso aqui?

― Algum problema com isso? ― Tomando a discussão como encerrada, Tércio voltou a desabotoar a camisa. Mas, outra vez, Sophia o impediu.

― Eu disse para esperar! ― grasnou ela, aflita.

― O que foi agora? ― bufou ele, impaciente.

― Eu sou uma garota, sabia?

― E daí?

― E daí, que você não pode sair trocando de roupa na frente de uma garota! Isso é senso comum! ― Sophia aos poucos passou a ganhar tons avermelhados em seu rosto.

― Não seja tão tímida. Você já é mais velha que ele. Não deveria se importar com essas coisas. ― Eliza tinha um sorriso discreto e travesso no rosto que tentava esconder. Estava se divertindo diante da inocência da amiga.

― Fique quieta, Li! ― Sophia a repreendeu com um tom severo ao mesmo tempo em que focava os olhos em Tércio, para garantir que ele não tentasse se despir de novo.

― Mas que chatice! Eu só vou tirar a roupa! ― O antes prisioneiro, por sua vez, estava começando a ficar impaciente e, numa tentativa de conter a agitação, coçou a cabeça. ― Se não quer ver, então saia! ― ordenou ele, apontando para a saída.

― Você está me expulsando da minha própria casa? ― esbravejou Sophia, batendo o pé e quase abrindo um buraco no assoalho. ― Saia você!

― Tá bom! saindo. ― Tércio se adiantou e, com um puxão, arrancou a túnica e a calça das mãos da estilista. Após isso, ele se virou e começou a andar rumo à saída.

― O que você vai fazer? ― questionou Sophia, temendo a resposta.

― Me trocar lá fora! – Respondeu ele de forma grosseira.

– Você ficou louco? Você não pode se trocar no meio da rua! E se alguém aparecer?

― Assim fica difícil! Eu vou fazer o que então?! ― vociferou Tércio irritado, balançando os braços. Ele já estava quase perdendo o pouco de paciência que tinha.

― Espere um pouco que eu vou arrumar um lugar. Francamente, onde você foi criado? ― Em meio a resmungos, So tornou a se atirar contra o amontoado de roupas.

O que ela estava fazendo não se sabia, mas do corredor foi possível ouvir roupas sendo arremessadas e as cordas de linho balançando e vibrando feito um varal sendo castigado em dia de sol.

Tércio permaneceu parado no lugar em que estava. Mas a vontade dele era a de tirar as roupas ali mesmo, só para irritar a menina quando voltasse.

E Eliza, por sua vez, continuava quieta, apenas observando a interação entre os dois.

Depois de alguns minutos, Sophia enfim retornou. Ela continuava com uma expressão irritada e parecia ter piorado depois do trabalho extra que teve.

No momento em que saiu do mar de roupas, ela fitou o desinibido, meio de lado, quase tampando os olhos com as mãos, para ter certeza de que ele não havia feito nada de sem vergonha enquanto esteve longe. E só o olhou diretamente quando notou que suas calças continuavam no lugar.

Pronto. Agora você pode se trocar lá ― disse ela, apontando para uma direção no meio do amontoado de roupas.

Soltando alguns grunhidos de reclamação, Tércio se dirigiu para o local indicado. Enquanto passava pelas roupas, abrindo caminho, com muita violência, ele as atirava para os lados, tirando-as da frente, até que por fim chegou a um espaço aberto que estava sendo protegido por paredes de panos.

Sem perder tempo, o jovem castigado por cicatrizes foi logo tirando o que estava vestindo e, da mesma forma, colocou a túnica e a calça.

― Que menina chata! ― resmungou Tércio que se arrependeu de tê-la chamado de bonita.

Sophia, que permaneceu ao lado de Eliza, arquejava irritada ao mesmo tempo em que batia a ponta do pé direito contra o piso de madeira numa tentativa inútil de se acalmar.

― Francamente, ele foi criado por gorilas? ― resmungou ela.

Não demorou muito e Tércio voltou, mas agora, em vez de seu uniforme negro e dourado, ele vestia uma elegante túnica de cor vinho combinada com uma calça larga acinzentada.

Seus olhos castanhos, meio avermelhados, representavam uma harmonia impecável com o vinho da vestimenta. O cabelo preto e longo, picado em algumas partes e mais curto em outras, que caia livre sobre os ombros, davam-lhe um ar arrojado e rebelde. E apesar da postura um pouco desengonçada, seu peito estufado exalava orgulho e arrogância.

Qualquer um que estivesse vendo Tércio pela primeira vez, naquelas roupas, poderia, sem problema algum, confundi-lo com um nobre. Pois não só as vestes eram de uma elegância única, como, também, o garoto que as vestia demonstrava uma aparência bela e atrativa. Muito diferente do prisioneiro, áspero e desconfiado.

Ooh! Ficou muito bom! ― elogiou Sophia. No momento em que ele apareceu, trajando as novas roupas, ela se esqueceu de uma só vez de sua raiva e só conseguiu pensar no belo garoto que surgiu diante de seus olhos. ― Como pensei, eu sou muito boa no que faço!

― Essa túnica lhe caiu muito bem. Você parece até mesmo o filho de um importante aristocrata ― elogiou Eliza, impressionada. ― Mas... Está faltando alguma coisa... ― a duquesa repousou a mão em seu queixo e refletiu, tentando encontrar o que faltava no menino. O que ela poderia fazer para deixá-lo ainda mais gracioso.

― Talvez seja esse cabelo desgrenhado! ― sugeriu Sophia.

E como se uma Clarita tivesse iluminado sua mente, a duquesa falou em um tom apressado:

― É isso! O cabelo! ― anunciou empolgada. ― Tércio, depois de comprarmos sapatos novos, nós vamos cortar o seu cabelo.

– Não! Ninguém vai cortar nada! ― A voz de Tércio surgiu áspera e hostil.

― Porque não? ― insistiu Eliza.

― Eu... não posso... Odeio cortar o cabelo. ― Suas palavras se apresentaram confusas, desorientadas. Mas após um rápido pensamento, ele logo tratou de encontrar um rápido pensamento.

Tércio soou tão infantil que fez com que Eliza se lembrasse de uma criança fazendo pirraça, para não ter de tomar banho. E isso só nutriu ainda mais aquele sentimento que teve quando o viu pela primeira vez.

Ele é só uma criança!

Ei! De que você está rindo? ― perguntou o garoto um tanto aborrecido, percebendo que um sorriso havia surgido nos lábios da duquesa.

― Criança. ― murmurou Sophia, virando o rosto de lado.

― O que você disse?

― Eu falei que você parece uma criança! ― repetiu Sophia, elevando a voz, desafiando-o. ― Hunf! Aposto que você está é com medo de cortar o cabelo e piolhos cair.

― Eu não tenho medo de nada, sua nanica!

― Quem você está chamando de nanica? Saiba que eu já tenho dezesseis anos...

Tércio e Sophia começaram a discutir outra vez. Eliza ficou de lado, apenas assistindo. Por algum motivo, vê-los assim, parecia-lhe certo.

 


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