O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 21: Buracos e cupins

Do lado de fora da escola, uma carruagem, igual à que eles usaram para chegar à academia, os aguardava.

No entanto, desta vez, quem estava responsável por guiar os dois cavalos que a puxava não era Kacio, mas um homem de meia idade que vestia roupas velhas e simples, e de aparência saudável.

― Vamos! ― ordenou Eliza ao sujeito, antes de entrar no veículo seguida de perto por Tércio.

E como ordenado, assim que os dois entraram, o som do chicote estalando ecoou e a carruagem começou a se mover.

― Esse lugar é bem grande, hein! ― balbuciou Tércio, impressionado. Sentado de frente para a duquesa, ele olhava para a janela, estudando a paisagem.

Ontem, quando chegaram nesta parte da academia, não foi possível ver muita coisa, pois já era noite naquele tempo. Mas agora, com o sol brilhando forte, o jovem ignorante, que espiava pela abertura à sua direita, pôde ver uma extensa pradaria que se estendia por quilômetros.

― Mas é claro! Até porque, não seríamos conhecidos como: cidade da Lua Nova; se não fosse ― disse Eliza com um tom orgulhoso.

― Lua Nova? Nunca ouvi falar isso.

― Bem, isso não é estranho. Já que só recentemente começamos a ser reconhecidos dessa maneira. Apesar de que, aqui dentro, sempre foi assim.

― Só por causa do tamanho?

― Claro, esse também é um dos motivos. Mas o que nos levou mesmo a ganharmos o título de cidade oficial foi o grande número de pessoas que vivem aqui e o comércio que, devido ao crescimento extraordinário, hoje é considerado igual a qualquer outro município de porte médio. ― Eliza se mostrava um tanto arrogante e orgulhosa enquanto falava, fazendo parecer que tais feitos eram méritos seus.

― Quantas pessoas vivem aqui? ― perguntou Tércio, curioso.

― Atualmente... um pouco mais de cinco mil. A maioria são famílias de soldados e comerciantes que vieram junto deles, mas também há muitas pessoas que migraram para este lugar em busca de trabalho.

Tércio, que prestou extrema atenção à breve explicação sobre Elefthería, impressionou-se ao saber a quantidade de pessoas que viviam ali. No dia anterior, quando entrou na academia pela primeira vez, ele de fato viu algumas pessoas, que não eram soldados, passando pelas ruas estreitas. Entretanto, jamais imaginou que elas eram somente uma pequena fração da população total.

Comparado às verdadeiras cidades, as maiores capitais do reino, esse número ainda era pequeno, mas para um lugar que fica no meio de uma das regiões mais perigosas de Aurora, isso era de fato impressionante.

Agora que Tércio tinha obtido tais informações, ele enfim entendeu o motivo de a conselheira Darcy ter ficado tão zangada com Eliza por ela ter saído sem avisar. Afinal, a diretora não era responsável somente pelos alunos, mas também pelas vidas das milhares de pessoas que viviam ali, naquele lugar localizado no meio de uma floresta, rodeado por milhares de monstros.

Parando para pensar sobre isso, foi de fato muita irresponsabilidade dela sair escondida.

A carruagem continuou andando pela estrada calçada com pedras, que tinham sido organizadas como um belíssimo quebra-cabeça.

Após alguns minutos, a pradaria, que era calma e silenciosa, deu lugar a uma movimentada rua repleta de construções e pessoas transitando em todas as direções.

Virando aqui e ali, abrindo caminho entre a multidão, o veículo, que agora prosseguia com a velocidade ditada pelo trânsito das ruas, seguiu caminho rumo a um destino definido.

― Pra onde a gente tá indo? ― Ainda  grudado na janela, Tércio teve uma dúvida compreensível conforme olhava tudo com extrema curiosidade. Se já havia um destino previsto, ele queria saber.

― Quando se fala em comprar roupas novas, não há lugar melhor que a Casa da So. ― brincou Eliza, exprimindo uma voz misteriosa. Não queria estragar a surpresa.

A carruagem continuou a andar, passando por ruas cada vez mais estreitas, até que por fim parou em frente a uma casinha que parecia pronta para cair a qualquer momento. E na fachada, entalhado em uma placa de madeira torta, desgastada e devorada em partes por cupim, escrito em letras tortas, havia os dizeres: CASA DA SO – OS MELHORES TRAJES!

A lojinha conhecida como: Casa da So; era uma espelunca caindo aos pedaços. As paredes, que eram feitas de madeira, estavam tortas e cheias de buracos aqui e ali ― alguns feitos por cupins ―, como se tivessem sido construídas por um completo amador, sem qualquer conhecimento em construção. E para completar, não havia vitrine ou janelas na loja, apenas uma portinha estreita.

As casas próximas não estavam em melhores condições. Todas se encontravam com buracos nas paredes e tetos, fazendo parecer residências abandonadas há anos. E era exatamente isso que acontecia.

Toda a vizinhança estava abandonada e a única que preservava algum sinal de vida era aquela, a mais feia e mal construída de todas.

Quando Tércio desceu da carruagem, a primeira coisa que pensou foi: “estamos perdidos”.

Ele não reparou na placa de madeira que estava pregada na fachada da loja, por isso supôs que aquela região deserta, sem crianças brincando e cachorros latindo, era uma área desabitada que havia sido abandonada pelas pessoas em busca de um lugar melhor para morar.

Para o jovem repleto de cicatriz, não havia modos de aquele lugar inóspito hospedar uma loja de roupas. Muito menos uma renomada, que fosse visitada por uma duquesa.

― Vamos, é por aqui! ― disse Eliza, apontando para uma portinha estreita. E em seguida, sem avisar ou pedir permissão, ela entrou na casinha torta.

Mesmo acreditando que estavam no lugar errado, Tércio a seguiu sem questionar. Mas quando entrou, ou devo dizer, quando ele quase não conseguiu entrar na lojinha caindo aos pedaços, ficou estupefato. Seu rosto se contorceu em uma expressão de descrença e deslumbre.

Não era luxuosa nem nada do tipo, pelo contrário. Assim como o lado de fora, o lado de dentro era uma espelunca devorada por cupins, de paredes tortas e chão pobre. O interior da medíocre casa de vendas era tão mal iluminado que no telhado era possível ver os buracos por onde a luz do sol passava sem qualquer obstáculo. O piso de madeira, que rangia a cada passo, parecia prestes a ceder sob os pés. Aquele lugar não tinha nada de luxuoso, era a própria definição de espelunca. No entanto, ainda assim, existia algo ali que chamava, e muito, a atenção dos frequentadores.

Roupas, centenas ― talvez milhares ―, delas, penduradas por todo o lugar. Havia tantos conjuntos e peças diferentes entulhadas ali que a única passagem para as pessoas andar era um fino corredor que não levava a lugar nenhum.

Ei! Você... tem certeza de que estamos no lugar certo? ― Enquanto tirava uma camisa atrevida que se enroscou em seu braço, Tércio se viu obrigado a perguntar, pois ainda tinha suas dúvidas.

― Sim! Pode parecer meio bagunçado, mas as roupas daqui, além de bonitas, são de ótima qualidade ― garantiu a duquesa que parou no meio do corredor fino à medida que espichava a cabeça, procurando por algo.

Tércio duvidou de suas palavras. Para ele era impossível algo de qualidade sair de um lugar tão bagunçado, apesar de ter passado grande parte de sua vida enterrado em buracos e celas fedidas. Num primeiro olhar, percebia-se que existia sim algumas vestes muito bonitas, mas...

Eliza, que estava parada em meio ao corredor de roupas, começou a levantar uma camisa ou outra calça, como se estivesse procurando alguma coisa, quando de repente ela gritou:

― So! Onde você está? ― Eliza parou de revirar os conjuntos pendurados e aguardou por uma resposta.

Tércio olhou em volta, duvidoso de que alguém responderia, quando outra voz surgiu:

― Li, é você?! ― perguntou uma voz feminina em alto e bom tom.

― Sim, sou eu!

No instante em que Eliza confirmou a própria identidade, as roupas do lado direito começaram a se remexer, saltando de um lado para o outro. O piso de madeira rangeu e vibrou repetidas vezes, denunciando que alguém se aproximava a passos largos.

Algo estava vindo, chegando cada vez mais próximo.

E então, de repente, um vulto saltou do amontoado de roupas e se atirou contra Eliza, envolvendo-a num abraço apertado.

― Li! Eu estava tão... preocupada! Você de repente parou de me visitar, e... todo mundo... estava falando que você tinha desaparecido. Eu pensei que aquelas pessoas... que eles tinham feito algo com você! ― A garota que apareceu de repente grasnou e fungou, tentando de alguma forma conter as lágrimas de alegria que não paravam de sair, como se um enorme fardo tivesse sido tirado de seus ombros. Agarrada no pescoço da duquesa, ela apertou forte, quase a sufocando; uma maneira de garantir que a outra não fugisse de novo.

― Você se preocupa demais. ― Eliza precisou se esforçar para afastar a menina. ― Eu tenho o Kacio para me proteger. ― Demonstrando uma gentileza semelhante a aquela que exibe com o garoto problemático, ela gentilmente acariciou a cabeça da amiga, que era um tanto mais baixa. Verdade seja dita, So era mais baixa até mesmo que Tércio. ― Agora que você já sabe que eu estou bem, pare de chorar, pois eu quero apresentá-la para alguém.

Após ouvir o pedido de Eliza, a garota enfim a largou por vontade própria e começou a enxugar as lágrimas que molharam suas bochechas rosadas.

So possuía olhos verde-claros e cabelos dourados que se estendiam até os ombros. De tão branca que era sua pele, parecia que faziam anos que ela não se deixava ser banhada pela luz do sol. Contudo, o que mais chamava atenção em sua aparência era um lindo e, confortável, vestido amarelo-claro com estampas florais bordadas.

Tratava-se de uma linda garota e mesmo Tércio não tinha como negar. Ele, que não prestava muita atenção nessas coisas, não conseguiu deixar de se encantar pela beleza e graça da amiga de Eliza. Seus olhos transmitiam a calmaria de um lago refletindo o nascer da lua. Eram cristalinos como um vibro transparente e pureza se completava junto do vestido leve.

Fitando a garota com extremo interesse, ele coçou o queixo e balançou a cabeça, perdendo-se por um instante em pensamentos.

― So, esse é o Tércio! O mais novo membro da Equipe de Subjugação. E essa é Sophia, a estilista mais talentosa da academia Elefthería. ― Eliza os apresentou.

― Pare com isso, Li! Eu não sou tão talentosa assim. ― Sophia passou a mão sobre a cabeça e exibiu um sorriso tímido à medida que balançava o vestido. ― Mas... Para a Li ter te colocado na Equipe de Subjugação, sem você ter participado do teste de força, deve significar que você é bem forte, não é?

― Sim. Ele é muito forte! ― garantiu a duquesa. ― Não é, Tércio?... Tércio?

Eliza buscou pela confirmação do garoto, mas ele estava perdido em pensamentos...

hm... Ah, foi mal. me distrai um pouco ― murmurou ele, voltando a si.

― Com o que? ― questionou Eliza.

― Não é nada demais, é só que... A Sophia é tão bonita, que eu quase perdi a cabeça ― confessou o galanteador sem vergonha nenhuma.

Hm... Eu, bonita? Imagina, Eu não sou tão bon... ― Envergonhada com o que foi dito, Sophia cobriu as bochechas, que ganharam um tom avermelhado, com as mãos, e, tímida, olhou para o lado.

Mas antes que ela pudesse terminar de falar, o atrevido a interrompeu:

― Mais importante que isso. Eliza, que história é essa de teste de força? ― disse ele ignorando a garota encabulada.

Ei! Não interrompa uma garota depois de elogiá-la. Isso não é nada delicado, sabia?

― E quem disse que eu sou delicado?

― Percebe-se! ― resmungou Sophia, emburrada.

― Espere um pouco, Tércio... Porque você disse que a So é bonita, mesmo tendo acabado de conhecê-la, sendo que nós passamos uma semana juntos e você nunca me falou nada de legal? Ahnn? ― protestou a ciumenta Eliza. ― Por um acaso você não me acha bonita?

― Quando eu te vi pela primeira vez, achei que você queria fazer de mim seu escravo, então eu nem reparei. E depois disso eu já estava acostumado com você, então...

― Então, e agora? O que você acha?

― Prefiro ficar quieto. Se tem uma coisa que aprendi na prisão, é não mexer com a mulher de outra pessoa.

Ao ouvir tais palavras, a postura da duquesa mudou e ela ficou um tanto desconcertada.

― Ele te pegou, Li! ― Sophia abriu um sorriso divertido e lançou um olhar significativo na direção da amiga.

― Cala a boca, So! ― repreendeu a Sta. Griffon ligeiramente envergonhada.

― Então, o que é esse teste de força? ― Tércio repetiu a pergunta.

― É uma competição na qual os alunos que querem se juntar à Equipe de Subjugação participam para poderem mostrar sua força. Dura só um dia, mas é muito divertido! ― Sophia demonstrou bastante entusiasmo enquanto falava, dando pequenos pulinhos.

― Mas não precisa se preocupar com isso. Afinal, você já provou que tem poder o suficiente para entrar na equipe ― garantiu Eliza, retomando a compostura.

― Então eu não vou precisar participar?

― Exato!

― Isso é uma pena, já que eu queria ver o Tércio lutar! ― disse Sophia com um sorriso energético, ao mesmo tempo em que dava socos no ar, como se estivesse no meio de uma briga.

― Você é bem animada, não é? ― comentou ele, olhando para a menina.

Apesar de ter acabado de conhecê-la, Tércio teve a impressão de que Sophia era aquele tipo de pessoa extrovertida. Sempre gritando, brincando e pulando. Não que isso fosse ruim. Na verdade, pessoas assim eram as suas favoritas, pois ele as achava bastante divertidas.

― Sim! ― respondeu So, sem esconder sua empolgação. ― Falando em animada... ― ela se virou para a amiga e perguntou com os olhos brilhando... – vocês vieram fazer compras?

Ela desejava de todo o coração vender algo. O que não era de se estranhar, até porque, em uma área tão isolada não deve existir muitos clientes.

― Isso mesmo! Você poderia trazer algumas roupas para o Tércio experimentar? ― Eliza colocou a mão sobre a cabeça do garoto.

― E você, Li? Não vai querer nada?

― Não. Eu estou bem.

― Entendo... Nesse caso, deixem comigo. Eu vou pegar algumas roupas bem bonitas, tão bonitas quanto às da Li. ― proclamou ela com animação. E logo em seguida, atirou-se contra o emaranhado de roupas.

Tércio não teve tempo de falar, antes que ela desaparecesse, mas ficou se perguntando se de fato era possível achar alguma coisa no meio daquela enorme bagunça.

 


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